Você já imaginou poder ter uma visão de fitopatologista, permitindo detectar doenças na sua lavoura em estágios iniciais? Com a ajuda da tecnologia de inteligência artificial, isso em breve poderá ser possível.

Utilizando os dados das ondas cerebrais de importantes pesquisadores, algoritmos estão sendo treinados pela Embrapa para detectar sinais de doenças nas lavouras de soja. O objetivo é, no futuro, auxiliar produtores a tomar medidas e evitar perdas em suas lavouras.

Conhecida BrainTech, a tecnologia, em testes em laboratórios da multinacional japonesa DHW, em Florianópolis-SC, capta sinais do sistema nervoso dos especialistas ao verem imagens de plantas doentes por meio de um capacete com eletrodos, semelhantes aos utilizados em eletroencefalogramas.

Quando uma imagem de uma planta doente é apresentada, o cérebro do pesquisador gera padrões de atividade específicos, que são captados pelos eletrodos, analisados por algoritmos de inteligência artificial, que aprendem a identificar esses padrões específicos da atividade cerebral dos pesquisadores de acordo com o estímulo visual.

A partir desse aprendizado, a tecnologia poderá atuar como “olhos” remotos de um pesquisador no campo. A ideia é que ela seja embarcada em aparelhos celulares na forma de um aplicativo, que poderá identificar folhas doentes nas lavouras. A ideia é que esse aplicativo esteja disponível já no próximo ano.

Com a câmera do celular, bastará escanear a imagem da folha e, em poucos segundos, o sistema fará a leitura e dará o indicativo se a planta está doente ou não, inclusive gerando um grau de confiabilidade para aquela informação, por meio de porcentagem.

Desde o início de 2022, a Embrapa, em parceria com a empresa japonesa Macnica DHW e a startup israelense InnerEye - detentora da tecnologia BrainTech - vem trabalhando na captação das ondas cerebrais de seus pesquisadores.

Até o momento, dois especialistas, os fitopatologistas Cláudia Godoy e Rafael Soares, foram usados na pesquisa para catalogar os sinais para plantas de soja, mas o objetivo é ampliar esse banco de dados para a cultura do milho.

A primeira fase dos trabalhos foi a captação de imagem de folhas doentes em campo, para fazer uma classificação binária, que significa avaliar se a folha é doente ou não. A partir daí os pesquisadores, usando o capacete com oito eletrodos, foram apresentados a essas fotos e os sinais neurais registrados.

“Uma das grandes dificuldades da inteligência artificial é a captação de dados, o que pode ser muito demorado, cansativo e caro. Mas com esse equipamento é possível fazer anotações de até três imagens por segundo, explica o pesquisador da Embrapa Agricultura Digital, Jayme Barbedo, que lidera o projeto do lado da Embrapa. “Assim, temos uma base de dados muito maior e anotada de maneira fiel, porque tem essa confiabilidade dos sinais cerebrais”

O pesquisador explica ainda que a folha da soja apresenta muitos sinais de doenças a deficiências nutricionais que passam despercebidos pela maioria dos produtores, até os mais experientes. Por isso é sempre importante a presença de um agrônomo ou patologista nas fazendas.

Porém, muitas vezes não se tem acesso rápido a um profissional, o que pode impedir uma ação no tempo desejado para se evitar que a doença se alastre. O aplicativo poderia, assim, dar celeridade ao diagnóstico ao permitir que o próprio produtor faça a identificação com o auxílio dos algoritmos.

“No campo, é muito importante tomar decisões rápidas e assertivas e, na ausência de um especialista, essa inteligência artificial poderá evitar perdas e racionalizar o uso de defensivos”, afirma Barbedo. “Em uma fase mais avançada de desenvolvimento, possivelmente em parceria com as empresas de insumos, podemos incluir até uma recomendação de manejo para o produtor”, projeta o pesquisador.

O objetivo é que o aplicativo tenha capacidade de identificar até cinco doenças para as culturas da soja e do milho, com a possibilidade de expansão ao longo dos anos. Até o momento, o banco de dados abrange informações coletadas com imagens de plantas acometidas pela ferrugem asiática e o oídio, duas doenças importantes da soja. A ferrugem pode causar perdas de 85% na lavoura e o prejuízo do oídio chega a 35%, quando não detectado precocemente.

O aplicativo está sendo testado em campo só para a captura de imagens sem o recurso da classificação das doenças. “Vamos avaliar a usabilidade desta ferramenta de gestão para depois, quando lançada já com a funcionalidade de detecção, o sistema esteja amadurecido”, completou Barbedo.

Aplicações da tecnologia

Apesar de ser uma novidade na agricultura, a tecnologia BrainTech já é usada em aeroportos europeus na detecção de objetos proibidos em malas e também no chão de fábrica, para o aperfeiçoamento de padrões de qualidade na indústria.

Sua eficiência parte da teoria de que cada pessoa tem sinais cerebrais particulares, mas é possível identificar um padrão comum aos seres humanos quando o estímulo é visual.

"Imagine uma multidão de pessoas, quando você encontra um amigo, um rosto conhecido, esse sinal de reconhecimento é identificável por essa tecnologia”, exemplifica Fábio Petrassem de Sousa, presidente da Macnica DHW, subsidiária na América do Sul do grupo japonês, quinto maior distribuidor de semicondutores do mundo.

Mas para o algoritmo da inteligência artificial aprender com esses sinais e desenvolver padrões com uma acurácia maior, foi preciso ir além: trabalhar com especialistas.

Fabio Sousa, da Macnica DHW

“A presença de um pesquisador traz um padrão cerebral melhor para os algoritmos, porque o instinto treina melhor a inteligência artificial”, completa.

Foi quando se enxergou um mercado que, segundo Fábio Sousa, Fábio Petrassem de Sousa, a tecnologia pode ser aplicada em vários setores, retendo o conhecimento de profissionais experientes. que é transferido aos algoritmos.

“O ganho principal é que esse algoritmo é replicável, possibilitando que a experiência do pesquisador esteja em toda parte, o que fisicamente seria impossível”.

Por isso a tecnologia pode ser usada em qualquer atividade que faça uso de imagens. Na agricultura, arrisca o pesquisador da Embrapa, o número de aplicações é enorme.

“Já pensamos na possibilidade de uso para rotação de pasto, área onde faltam especialistas, também para observar a alimentação dos animais e até em outras lavouras, além da soja e do milho”, conclui Jayme Barbedo.