A jornalista e empresária Ticiana Villas Boas Batista tem vivas na memória as lembranças dos dias de férias e reuniões familiares vividos na fazenda do avô, em Maraú, no sul da Bahia. Nos últimos oito meses, essas memórias se tornaram mais intensas e frequentes, assim como as idas dela para a propriedade.

O motivo para as viagens não é mais visitar o avô, que faleceu em 2023, aos 92 anos, mas sim dar continuidade ao trabalho que ele realizou com o cultivo de cacau.

“É um retorno à minha ancestralidade”, afirma ela. “Eu sou a quarta geração de cacauicultores da família na Bahia. Começou com meu bisavô, depois meu avô, pulou a geração da minha mãe e dos meus tios. Agora eu assumi para dar continuidade”.

Ticiana diz nunca ter imaginado enveredar pelo agronegócio, já que construiu uma sólida carreira na televisão, onde atuou como âncora do jornal da Band, ao lado do falecido Ricardo Boechat.

Tempos depois, enveredou pelo entretenimento, como apresentadora do Bake off Brasil, no SBT. Ticiana também é fundadora e sócia da +55design, marca de mobiliário de alto padrão, com design 100% brasileiro.

“Sou uma pessoa urbana, vivo em São Paulo. Mas tenho estudado muito, feito cursos para entender mais do setor e, quanto mais aprendo, mais me apaixono pela cacauicultura”, revela.

Em entrevista ao AgFeed, Ticiana - que é casada com Joesley Batista, acionista do grupo J&F, controlador da JBS - conta que o marido acompanha com interesse sua caminhada na produção de cacau.

“Considero esse um investimento pessoal meu, mas ele (Joesley) é meu parceiro de vida, decidimos tudo juntos. Ele tem acompanhado o cacau muito pelas informações que eu aprendo e compartilho com ele”, explica.

Dos quase 1.000 hectares da Fazenda Lealdade, 600 hectares são compostos por Mata Atlântica preservada e 160 são ocupados com pés de cacau, cultivados no sistema cabruca - quando as árvores são plantadas em conjunto com outras plantas nativas da região, que oferecem sombra e conforto térmico aos pés de cacau.

“A produtividade ainda é baixa, pois o sistema de cultivo era extrativista, mas quero mudar isso aos poucos”, explica a empresária, que diz já ter investido mais de R$ 5 milhões em melhorias na propriedade - incluindo reforma das estruturas e o plantio de uma nova área de cacau com 50 hectares.

Atualmente, a produtividade média das áreas antigas é de 20 arrobas (o equivalente a 300 quilos) por hectare, mas Ticiana revela que a meta é chegar às 200 arrobas (3 toneladas) nas áreas recém-plantadas e inaugurar uma nova fase na propriedade, com melhora da eficiência.

A maior parte do cacau produzido é vendida para moageiras como Cargill, Ofi e Barry Callebaut. No entanto, a propriedade já produz um pouco de cacau fino, que tem melhor qualidade e maior valor agregado. “Vendemos essa pequena produção para a Dengo”, revela.

Nas novas áreas, ela conta que adotou o Sistema Agroflorestal (SAF), além de aumentar o espaçamento entre as plantas, preparando a área para a mecanização. Além disso, com uma consultoria técnica, ela também está investindo em tecnologia como o uso de drones para pulverização.

Os primeiros resultados dessa nova área devem começar a aparecer entre 3 e 5 anos, tempo que os pés de cacau levam para dar os primeiros frutos.

A propriedade conta ainda com uma área de pastagem com cerca de 200 hectares, onde Ticiana planeja investir no plantio de novas mudas de cacau nos próximos anos.

Por ora, ela explica que o foco é fazer as melhorias estruturais na fazenda, mas não descarta buscar parceiros para investimentos no futuro.

“Mas isso é um segundo momento. Por enquanto estou focada em entender melhor o setor e melhorar as estruturas já existentes, que foram deixadas de lado por quase 40 anos”, conta.

Desde que assumiu a propriedade, em agosto passado, a empresária mergulhou no mundo do cacau para entender melhor não só sobre o mercado, mas principalmente sobre manejo e boas práticas agrícolas.

Tanto que a conversa com a reportagem aconteceu durante o primeiro dia do Partnership Meeting, evento promovido pela Fundação Mundial do Cacau (WCF) que reuniu esta semana, em São Paulo, representantes da cadeia produtiva do cacau do Brasil e de vários outros países, incluindo Gana, Costa do Marfim e Equador.

Ticiana conta que participou do evento justamente para entender melhor sobre o setor e as oportunidades de negócios.

“Essa volta à fazenda ainda é muito emocional, uma história de família, mas estou estudando para entender as perspectivas do ponto de vista de negócio, para fazermos o planejamento”, revela.

Ela considera o momento de alta dos preços da commodity no mercado internacional propício para os investimentos que está fazendo. “Estamos aproveitando esse momento para fazer as melhorias necessárias, ajustando a rotina da fazenda e verificando o que pode ser melhorado, priorizando principalmente as pessoas que trabalham na propriedade”.

Para preservar a história da família e da propriedade, ela revela que planeja deixar uma parte do pomar antigo intacto, já que alguns pés de cacau têm cerca de 150 anos e foram plantados pelo bisavô, em um período onde não havia clones de plantas ou mesmo variedades híbridas.

”Isso é parte da nossa história e quero preservar, até para estudos”, pondera.

Outro projeto de Ticiana é usar sua expertise como comunicadora para compartilhar os aprendizados do cacau com as pessoas, além de contribuir para o desenvolvimento da região.

“A região onde está a fazenda é muito carente e eu quero contribuir para o desenvolvimento das comunidades, das escolas, então o cacau acaba sendo um caminho para isso. Também quero compartilhar meus aprendizados para que as pessoas conheçam mais sobre a nossa cultura e o cacau brasileiro, que produz preservando a mata”.