Redes sociais e grupos de whatsapp de produtores e profissionais do agronegócio têm sido quase monotemáticos desde o último dia 18 de setembro.

O pedido de recuperação judicial do AgroGalaxy, ajuizado naquela data, tomou conta dos debates, numa disputa de teses e dados que tentavam explicar como a gigante da distribuição de insumos tinha chegado a esse ponto.

Desde o começo desta semana, os mesmos grupos passaram a discutir a saúde do setor e possíveis novas empresas a seguirem na mesma direção.

De certa forma, houve convergência em torno da visão de que a crise do varejo de insumos não é sistêmica, mas focada em grupos que se endividaram demais, apostando alto em estratégias de crescimento rápido em um mercado que crescia em ritmo também acelerado – e não suportaram o baque de uma freada brusca na demanda dos produtores rurais.

E essa convergência levou os olhos, inevitavelmente, para outro grupo que disputou com o AgroGalaxy, controlada pela gestora Aqua Capital, a corrida da consolidação do setor.

A bola da vez dos rumores passou a ser outra gigante do setor, a Lavoro, controlada pela gestora Patria Investimentos e dona de 210 lojas e receitas de R$ 9,3 bilhões no exercício 2022/2023, seu último resultado anual divulgado.

Nos últimos trimestres, a queda nos principais indicadores de desempenho mostraram que a empresa também vem sofrendo com a redução de demanda por parte dos agricultores e pela queda dos preços dos insumos, que provocou dificuldades financeiras em grande parte das empresas do segmento.

Nesta quinta-feira, 26 de setembro, o volume dos rumores aumentou, com uma sequência de postagens que, literalmente, questionavam: a Lavoro será “a próxima AgroGalaxy”?

A expressão está no título de uma das publicações que mais repercutiu, feita no LinkedIn pelo consultor Eduardo Lima Porto, diretor da LucrodoAgro Consultoria Agroeconômica.

Em um artigo recheado de números e gráficos – que, segundo o próprio autor, foram levantados com o auxílio da ferramenta Finchat.io, que utiliza inteligência artificial para fazer análises fundamentalistas de informações financeiras de empresas listadas –, Porto questiona de forma contundente a capacidade da empresa de honrar compromissos financeiros assumidos pela Lavoro.

Entre os pontos destacados por ele, um dos que mais chama atenção seria a relação entre dívida líquida e Ebitda, que de acordo com os cáculos feitos pela ferramenta, teria atingido 14,08 vezes.

Porto destaca também uma captação feita em dezembro de 2023 pela empresa, com uma emissão de R$ 420 milhões em Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs), coordenada pela securitizadora Ecoagro.

Ele aponta que o prospecto do CRA menciona, na página 56, a obrigação de manutenção dessa relação em patamar igual ou inferior a 2,5x, durante todo o período de vigência da operação que termina em 2027.

“A eventual violação desta obrigação contratual ensejaria um evento de vencimento antecipado”, cita.

“Se os números estiverem corretos, a Lavoro Agro, comandada pelo Fundo Pátria, se encontra altamente endividada em relação à sua capacidade de geração de caixa operacional, indicando um nível de alavancagem muito perigoso que pode levar a empresa a situação de insolvência”, escreve Porto.

Procurado pelo AgFeed, o consultor afirmou que seu objetivo era dar um alerta sobre uma situação potencialmente grave para o setor, mas sobretudo para os produtores que dependem dos insumos comprados da Lavoro para iniciarem uma nova safra.

Ele reiterou que não é investidor e não tem negócios com a Lavoro. E lembrou que havia feito análise semelhante, em dezembro passado, em que alertava sobre os riscos de dependência de capital de terceiros do AgroGalaxy, que depois se mostrou acertada.

O link da nova publicação circulou desde cedo por grupos de whatsapp, primeiro nos círculos do agro, depois no mercado financeiro, gerando preocupação e temor.

E serviu de insumo para outras publicações, como a feita pelo presidente da Federação dos Engenheiros Agrônomos do Mato Grosso, Isan Rezende, que, também no LinkedIn, replicou os mesmos dados, sem citar a fonte.

“O mais preocupante é que índice de endividamento verificado é muito maior do que o da AgroGalaxy. Previsão no mercado de mais uma Recuperação Judicial a caminho, desencadeando um risco sistêmico e devastador no agronegócio, conforme análise de especialista”, diz.

Outra postagem que circulou em vários grupos foi feita pelo advogado Leandro Marmo, do escritório João Domingos Advogados, especialista em direito do agronegócio em Goiânia.

“A Lavoro vai entrar em recuperação judicial”, declara logo na abertura de um vídeo publicado na conta do escritório no Instagram. “A questão não é se ela vai, mas sim quando ela vai”, diz em seguida. Na legenda da postagem, informa que as informações foram retiradas do LinkedIn de Porto.

Modo de alerta

A velocidade da propagação das publicações acionou o modo de alerta na sede da Lavoro no bairro da Vila Olímpia, em São Paulo. Desde as primeiras horas da manhã a empresa discutiu formas de reagir aos rumores.

Segundo apurou ao AgFeed, ao longo do dia executivos da empresa, inclusive o CEO, Ruy Cunha, atenderam investidores, clientes e fornecedores, num esforço para desmentir os rumores e contestar os dados publicados.

No fim da tarde, Cunha fez uma chamada de vídeo com cerca de 1,2 mil dos 3 mil funcionários do grupo, com o objetivo de tranquilizá-los.

Os argumentos utilizados nas conversas visavam contestar os dados apresentados no artigo. “São números que não fazem nenhum sentido”, disse um executivo do grupo a um interlocutor.

Segundo esse executivo, ao verificar as informações usadas pela ferramenta Finchat para fazer as análises, profissionais da Lavoro teriam verificado que eles não batiam com aquelas informadas pela companhia à Nasdaq, bolsa de valores onde os papeis da empresa são listados.

Haveria, assim, segundo o executivo, discrepâncias de centenas de milhões de reais tanto nos números de Ebitda quanto nos da dívida líquida, o que teria feito com que a relação entre os indicadores explodisse, enquanto a empresa afirma que elas se manteriam dentro dos limites exigidos.

“Os robozinhos vão lá nos arquivos, ficam puxando as informações que estão lá emtentam montar análises em cima disso”, afirmou. “Obviamente há a chance de erro, de o robozinho não pegar uma linha ou reclassificar uma linha errada. E aí, como resultado disso, você tem números muito errados”.

Outro argumento usado pela empresa é que teria havido, por parte de Porto, uma interpretação errada do prospecto do CRA de R$ 420 milhões. A posição da Lavoro é de que a regra (covenant) prevista no documento aponta que a relação dívida/ebitda deve ser medida apenas ao final de cada ano-safra – portanto em junho de cada ano. E refere-se apenas à dívida da Lavoro Brasil e não de toda a Lavoro Agro, cujos papeis são negociados na Nasdaq – a primeira é responsável por cerca de 80% dos negócios do grupo.

“Se a gente acreditasse que esse covenant tivesse sido quebrado, a gente teria que ter pedido um waiver, qualquer coisa que nós não fizemos”, disse o executivo ao interlocutor, garantindo que a Lavoro tem plena capacidade de atender à exigência.

Os números referentes ao último ano-safra – ou seja, apurados em junho de 2024 – ainda não foram divulgados. As demonstrações financeiras da Lavoro referentes ao período estão sendo auditadas e devem ser divulgadas apenas no mês de outubro. Procurada, a empresa alegou estar em período de silêncio e se absteve de comentar a situação.

No final do dia, com os comentários em torno da empresa ainda empurrados pelos ventos do furacão das RJs no setor, a companhia decidiu divulgar um comunicado ao mercado.

No texto, a empresa afirma que “não reconhece e refuta números divulgados por fontes não oficiais”. E diz ser “plenamente capaz de cumprir seus compromissos financeiros”. Isto inclui, segundo a nota “o CRA e demais instrumentos nos quais participa”.

“Todos os dados financeiros da Lavoro são publicamente divulgados, auditados por empresas independentes e registrados conforme as exigências da SEC (Securities and Exchange Commission), entidade reguladora do mercado de capitais norte-americano”, segue a nota.

Diante da repercussão de seu artigo, Porto também manifestou-se na noite da quinta-feira, mais uma vez em seu perfil no LinkedIn. Ele voltou a citar que os dados mencionados foram extraídos da plataforma Finchat, “que abrange milhares de empresas listadas em Bolsa”.

“A fonte das informações financeiras é amplamente utilizada por investidores ao redor do mundo, com acurácia já reconhecida”, diz. E anota que “no texto, foram tomadas as devidas precauções para indicar possíveis ressalvas, considerando a possibilidade de alguma imprecisão”.

Segundo ele, “a principal motivação do texto foi e é a defesa incondicional do agricultor brasileiro”.  E completou: “Conforme manifestado de forma muito clara, não desejamos que a empresa ingresse com uma Recuperação Judicial a exemplo do que aconteceu há poucos dias com a AgroGalaxy, o que afetaria gravemente a milhares de agricultores no início da safra de verão”.