No dia 5 de dezembro passado, os 31,7 mil associados da Coamo Agroindustrial Cooperativa receberam um presente antecipado de Natal. Foram cerca R$ 230 milhões “em espécie”, como frisou ao AgFeed o presidente executivo da cooperativa, Airton Galinari.

Trata-se da primeira parcela da distribuição das sobras – o equivalente, no sistema cooperativo, aos lucros – resultantes da operação da entidade em 2023. O restante deve ser pago em 2024, superando R$ 800 milhões.

“Vamos fechar um ano bom”, afirmou Galinari. “Tivemos aumento no faturamento, devemos passar um pouco dos R$ 30 bilhões”.

Maior cooperativa agrícola do País, a Coamo é uma gigante que se move de forma conservadora – e isso tem se demonstrado acertado sobretudo em anos como este, em que vários setores do agro sofreram com uma guinada de humores provocada pela combinação desfavorável de clima, estoque e preços de insumos e commodities.

Em Campo Mourão, no Noroeste do Paraná, as dificuldades até bateram à porta da entidade. Mas não foram convidadas a entrar. Com um modelo de negócios cada vez mais diversificado e verticalizado, a cooperativa prevê fechar o ano com um crescimento de receita na casa de 11% a 12%. Nas sobras, a alta deve chegar a 14%, segundo Galinari.

Houve, é verdade, uma redução nas taxas verificadas no ano anterior – que ficaram em 14,1% e 23,1%, respectivamente. Em 2022, a receita fechou em R$ 28,1 bilhões e a sobra líquida atingiu R$ 2,258 bilhões.

“Foi um típico ano atípico”, diz o presidente. “Nossa leitura do mercado nos permitiu transitar bem nesse ambiente turbulento”.

De acordo com Galinari, todas as linhas de negócios da cooperativa tiveram bons desempenhos, inclusive nos segmentos em que as empresas concorrentes foram mais afetadas, como commodities e insumos.

Há várias explicações para isso, segundo o presidente. “O forte da cooperativa é a capitalização” diz. “Quem está capitalizado faz melhores negócios, sobretudo em um ano em que as vendas estavam muito travadas”.

Com dinheiro na mão, a Coamo pode propor condições que lhe eram mais favoráveis nas negociações com as indústrias de insumos, por exemplo.

Além disso, a cooperativa e seus associados conseguiram minimizar os efeitos do excesso de estoques. Nesse caso, grande parte desse inventário já pertencia aos cooperados, ficando apenas armazenados nas instalações da Coamo.

Assim, ao invés de fazer novas compras, os agricultores aproveitaram o investimento feito em anos anteriores e optaram por priorizar as retiradas. “É o primeiro ano na nossa história em que o sell out (retiradas) está maior que o sell in (compras)”, diz Galinari.

Na concorrência com as revendas, esse modelo de relacionamento é, na opinião dele, uma vantagem competitiva da cooperativa. “Estoque é investimento. O produtor sente segurança com a gente. Em muitas empresas talvez ele tivesse medo, não apostasse em fazer esse investimento e deixar sob o cuidado delas para retirar quando achasse que era o momento”.

Como as distribuidoras e a indústria, a área de insumos da Coamo observa com atenção os movimentos mais cautelosos dos produtores, que tem sido mais prudente na tomada de decisões.

Segundo Galinari, nessa época, em um ano típico, os cooperados já teriam adquirido quase todos os insumos necessários para o plantio do milho safrinha e para o cultivo do trigo em 2024. Até agora, porém, os dados internos mostram que o índice de compras está em 60% para o milho e menos de 10% para o trigo.

“O que tem acontecido é não apostar em estoque, eles estão esperando as coisas acontecer. É claro que gera dificuldade para o mercado”, diz ele.

Do outro lado, os fornecedores adotam estratégia semelhante. “Você não vai encontrar uma empresa de fertilizantes estocada. Todas estão procurando fazer negócios para depois originar”, analisa.

Isso, afirma, pode provocar até faltas pontuais de alguns insumos. Segundo ele, já não é possível encontrar alguns formulados para entrega em fevereiro.

Galinari lembra que mesmo encomendas já feitas muitas vezes ficam retidas longe das lavouras em função de problemas logísticos, como as filas de navios em alguns portos. O de Paranaguá, mais próximo de Campo Mourão, tem um line up de 45 dias, diz. “Às vezes a matéria prima está no navio, a misturadora no porto, mas o produto não chega no mercado”.

“O melhor lugar do Brasil”

Na imensa zona de influência da Coamo, que se espalha do Paraná para o Mato Grosso do Sul, a safra 2023/2024 parece, até o momento, menos expostas aos humores do El Niño. Segundo Galinari, há muitas regiões com soja em condições muito boas, apesar de as temperaturas promoverem uma antecipação dos ciclos produtivos, que resulta em perda de produtividade.

“Estamos no melhor lugar do Brasil”, diz. “No Paraná, as chuvas estão bem mais regulares”. Com isso, a expectativa da cooperativa é receber em seus entrepostos cerca de 100 milhões de sacas de soja, até 55 milhões de milho (“dependendo da redução de plantio na safrinha, que na nossa área de ação deve ser pouca”) e cerca de 11 milhões de trigo.

Com isso, espera praticamente igualar os números do ciclo 2022/2023, que bateu em 165 milhões de sacas. “É algo para andar de lado. Vamos torcer para que pelo menos isso aconteça”.

Em relação a preços, Galinari enxerga a entrada em um período de estabilidade. No caso da soja, por exemplo, a cotação em Chicago, em torno de US$ 13 o buschel, é avaliada por ele como “dentro de normalidade histórica”, sendo correspondente aos US$ 11 de antes da pandemia.

Com tendência de alta nos estoques internacionais da commodity, ele avalia ser pouco provável que ocorra um novo período de preços altos, como ocorreu em 2020 e 2021, sobretudo.

Combustível novo nos negócios

O “típico ano atípico” da Coamo foi coroado com um movimento clássico da cooperativa: uma aposta bilionária em um novo negócio. No início de dezembro, Galinari anunciou um investimento de quase R$ 2 bilhões na construção, em Campo Mourão, de uma usina para produção de etanol de milho.

Como Copa do Mundo, a cada quatro anos um plano ousado é tirado do papel. Em 2015, foi um novo moinho para beneficiamento do trigo; em 2019, uma indústria para refino de soja em Dourados (MS); em 2023, uma indústria para produção de rações.

“Termina uma, começa outra”, diz Galinari. Assim, com o início da operação da fábrica de rações, primeiro movimento de verticalização na cultura do milho, a Coamo decidiu dar o próximo passo nessa área.

A planta de etanol, que começa a ser construída em Campo Mourão, deve elevar de menos de 2% para 20% a taxa de beneficiamento do milho recebido pela cooperativa. O projeto, com capacidade para processar 600 mil toneladas por ano, já prevê, no entanto, uma possível duplicação.

“Ainda é pouco para o que podemos fazer”, diz o presidente. Na soja, por exemplo, as três indústrias da Coamo esmagam entre 40% e 45% dos grãos originados. No trigo, com dois moinhos, são 40%.

“Não somos produtores de proteína animal e somos grandes originadores de milho. Temos como política remunerar o melhor possível o que o produtor nos entrega. Por isso verticalizamos”.

Ainda assim, o movimento surpreendeu o mercado, já que uma usina de etanol demanda investimentos robustos. Abre, no entanto, a porta para que a cooperativa se posicione em novos mercados, como os de biocombustíveis e de nutrição animal, já que um subproduto da usina, o DDG, é um composto de alto valor nas dietas de bovinos, por exemplo.

A nova planta é o item mais dispendioso de uma extensa lista de investimentos incluídos no planejamento trienal recém-ajustado pela cooperativa.

Em assembleia na quarta-feira 13 de dezembro, os associados aprovaram um orçamento de R$ 3,5 bilhões que engloba a construção de quatro novas unidades de recebimento (uma no Paraná e três no Mato Grosso do Sul), a ampliação em 10% (ou 500 mil toneladas) da capacidade estática de armazenagem, um aporte “pesado” na aquisição de caminhões “de todos os modelos” para a frota própria e na modernização de 80 das 120 unidades operacionais.

A expansão geográfica, por sua vez, entra em compasso de espera. Em janeiro próximo, a Coamo chega a Sonora, último município da BR-163 no Mato Grosso do Sul, na divisa com o Mato Grosso.

“Agora vamos acomodar um pouco a casa e investir nas regiões em que já estamos”, afirma Galinari. Como se pode ver, isso não é pouca coisa.