A marca Michelin é quase sempre associada a pneus. Líder mundial no setor, a empresa fabrica produtos para todos os tipos de veículos — de carros de passeio a máquinas agrícolas — e faturou 27 bilhões de euros (cerca de R$ 167 bilhões) em 2024.
A maior parte da receita, correspondente a 14 bilhões de euros (o equivalente a R$ 87 bilhões no câmbio atual), vem das vendas para automóveis, motos e caminhões.
Mas outro segmento tem ganhado protagonismo dentro da companhia: o Beyond Road, que faz parte da área que a empresa chama de “negócios especializados” e que engloba produtos e serviços para os setores agrícola e de construção. Sozinha, a área movimentou quase 6 bilhões de euros (R$ 37 bilhões) no ano passado.
Pedro Fernandes, diretor comercial do segmento Beyond Road da Michelin na América do Sul, disse em entrevista ao AgFeed que o agro é o principal setor da área e que vem dele o crescimento esperado no continente para os próximos anos.
Para isso, aposta em mais tecnologia embarcada nos produtos, seja radializando os pneus, algo já consolidado no transporte rodoviário e que começa a se expandir no campo, ou então se posicionando para além dos pneus.
“Temos todo o know-how enquanto especialistas em compósitos, ou seja, toda a interação entre borracha e metal. Não sei dizer se daqui 50 anos vamos fabricar pneus, mas vamos impactar essa relação de compósitos”, afirmou.
No caso do agro, os investimentos nesse tipo de produto estão focados em tecnologias que façam com que os tratores e máquinas compactem menos o solo, o que impacta a produtividade e também aumenta o consumo de combustível.
Tanto que o foco da empresa em seu estande na próxima edição da Agrishow, maior feira de máquinas agrícolas do Brasil, que será realizada entre o fim de abril e o começo de maio em Ribeirão Preto (SP), será em uma esteira agrícola que otimiza a tração das máquinas, diminui a compactação e ajuda tratores a operar em talhões agrícolas impactados por fortes chuvas.
“Falamos da Michelin, uma empresa conhecida por seus pneus e o principal produto na maior feira agro do Brasil será uma esteira de borracha”, exemplificou.
Nos pneus radiais, que suavizam os impactos do veículo com o solo, Pedro Fernandes estima que 15% dos pneus agrícolas na América do Sul possuem essa tecnologia.
Segundo ele, foi a Michelin que trouxe essa tecnologia para os pneus de carros de passeio e caminhões ao País, há cerca de 30 anos. Ele acredita que o percentual nos pneus de máquinas agrícolas pode chegar a 23% nos próximos anos.
No agronegócio brasileiro e latino, a estratégia comercial da Michelin está em máquinas de média e alta potência, como alguns tratores e colheitadeiras, plantadeiras e pulverizadores.
“Impactamos o médio e pequeno produtor, mas não vemos sentido em pegar máquinas de baixa produtividade. Focamos em vender para quem consegue extrair valor. Acreditamos que o Brasil cresce sua produtividade com tecnologias no campo”, afirmou.
Fernandes vê ainda um movimento dos pequenos produtores percebendo o valor que uma máquina de média e alta potência trazem para a produção. Segundo ele, em mercados com maior uso de tecnologia no campo, como na Europa e nos Estados Unidos, os pequenos agricultores já utilizam tratores de maior potência.
“Hoje, 40% do mercado total de máquinas agrícolas por aqui está nesse ‘mercado de valor’. Em 10 anos, calculo que isso vire 50%, pois o produtor brasileiro tem entendido esse impacto e busca isso nas máquinas”, afirmou.
Por andar de mãos dadas com o agro, a Michelin também fica sujeita aos solavancos do mercado, pelo menos em partes.
Nas vendas de pneus para caminhões, por exemplo, a Michelin teve uma alta de 5% na América do Sul em 2024, impulsionada por um crescimento na demanda para transporte.
No segmento de equipamentos originais – ou seja, vendas diretas para montadoras – houve alta de 24%. Contudo, no mercado de substituição, a venda de pneus por meio de distribuidores, houve baixa de 50%, segundo a Michelin, com impactos de “importações de baixo custo”, por produtos oriundos de países asiáticos.
O cenário foi inverso no mercado de pneus agrícolas. Em 2024, as vendas de equipamentos originais caíram 20%, acompanhando uma “queda na renda agrícola” com uma redução nos preços das commodities agrícolas, eventos climáticos adversos e altas taxas de juros.
No setor de substituição, houve um leve crescimento, mesmo com a presença também de marcas de baixo custo. O diretor da companhia analisa que, tirando os picos positivos e negativos do agro – seja a bonança de 2021 e 2022 e a tempestade de 2023 e 2024 –, as vendas para o setor continuam num ritmo positivo de 3% a 5% ao ano.
“A Michelin mostra uma maturidade enquanto empresa de esperar o momento certo que o mercado de máquinas ‘volte’ depois dessa queda, e por isso mantém os investimentos, presença no campo e investimentos em tecnologia, afirmou Pedro Fernandes.
“Claro, existe uma dificuldade extra, com alguns clientes sem verba, mas ainda é um mercado robusto, tanto nos originais quanto na reposição”.