A rota escolhida para a BrasilAgro nos próximos meses já está traçada. Segundo afirmou André Guillaumon, CEO da empresa – que atua majoritariamente com a comercialização de terras – o momento é comprador.

O CEO da empresa conversou rapidamente com o AgFeed durante o Nomos Agro Summit 2023, evento realizado pela Nomos, corretora associada à XP.

Guillaumon participou de um painel para debater o momento do agronegócio junto com o CFO da Boa Safra Sementes, Felipe Marques.

Segundo o executivo, a BrasilAgro deve ser mais ativa em comprar terras nos próximos meses.

Ele afirmou que a companhia, que é listada tanto na B3 quanto em Nova Iorque, tem o desafio de ser uma empresa anticíclica para rentabilizar. “Quando todos querem comprar nós vendemos e quando todos forem vender nós comprarmos”, disse.

O desafio é melhorar o ano que não começou com o pé direito. A BrasilAgro encerrou o terceiro trimestre do ano safra 2022/2023 com um prejuízo líquido de R$ 3,3 milhões, refletindo a queda no preço das commodities e uma estiagem na Bahia, que impactou os resultados na região.

O balanço divulgado pela companhia em maio mostrou que, no período que vai de janeiro até março de 2023, as margens diminuíram em todas as culturas quando comparadas ao mesmo trimestre do ano safra anterior. No terceiro trimestre do ano safra 2022/23, a empresa teve um lucro líquido de R$ 81,8 milhões.

Guillaumon se mostrou otimista com novos mercados se abrindo para a empresa. Dentre eles, a possibilidade de aumentar vendas de milho para a China e a ideia de cultivar trigo no cerrado, que, segundo afirmou, podem ser avenidas de crescimento.

O CEO ainda deu suas perspectivas para a safra 2023/24, que, em sua visão, devem apresentar boas margens aos produtores, ainda que em patamares inferiores ao visto nos últimos anos.

Para se preparar para essa safra, a empresa está atrasada na compra de insumos, mas já iniciou os primeiros movimentos.

Confira os principais pontos do que disse o CEO da BrasilAgro, André Guillaumon, durante o evento e a entrevista.

O preço das commodities e os impactos na próxima safra:
"Commodity nada mais é, e sempre será, oferta e demanda. Nos últimos anos nós vivenciamos pandemia e outros momentos em que tivemos escassez e fluxos interrompidos. Isso fez com que vivêssemos um preço de commodities muito alto nos últimos anos, acima dos últimos meses. Mudou o patamar? Acho que o preço deve mudar, mas não por oferta e demanda e sim por um processo inflacionário que vivemos no mundo".

Soja em baixa:
"Estávamos acostumados a falar de soja por US$ 10 o bushel, o mundo tá vivendo um processo inflacionário que vai colocar o preço de commodities em outro patamar. Hoje está em US$ 14. No caso da soja, estamos com um estoque de demanda muito curto. Isso acaba deixando o mercado nervoso. Qualquer notícia para lá e pra cá o mercado se mexe muito, e é isso que temos visto com as questões de seca nos EUA. Vamos ver preços voltando a patamares que consideramos como de longo prazo. O que vivenciamos nesse curto prazo é um rally importante nos EUA".

Outras commodities:
"Em relação ao milho, sempre falo que temos a espada nas costas, porque todo dia o “vodu” da gripe aviária passa atrás de nós. Essa é uma preocupação do setor, e no caso de commodities, como cana, a grande preocupação do setor é intervenção, principalmente relacionado a gasolina e etanol. Vemos um novo patamar do preço de commodities, sem dúvida nenhuma. Somado a isso, temos uma questão de câmbio e isso acomodou num preço diferente do que vivenciamos ao longo dos três últimos anos".

Margens para os produtores:
"Começamos a ver uma redução de custos extremamente importante. Não teremos aquele cenário de margens que ganhamos R$ 5 mil por hectare de soja plantado, mas uma faixa de R$ 2,5 mil, R$ 3 mil por hectare, algo em torno de US$ 500 e US$ 600. Só o preço da semente, dentre o custeio, que ainda não caiu.

"Quem não viveu altos e baixos no agro não viveu o agro"

O glifosato, por exemplo, que chegamos a pagar US$ 16, hoje está por US$ 4. Fertilizantes que chegaram a US$ 1,3 mil, voltaram para US$ 550 por tonelada. Houve uma acomodação importante. As empresas têm de ser capazes de entregar muito melhor do que a média, esse é o desafio.

Acho que [o preço das commodities] acomodou bastante, e que vai dar aquela “peneirada” e não é novidade para ninguém. Quem não viveu altos e baixos no agro não viveu o agro".

Estratégia da BrasilAgro:
"A empresa combina estratégia operacional com estratégia imobiliária. Fomos muito mais vendedores nos últimos anos, carregamos a mão e aproveitamos a liquidez corrente de mercado e gerou um portfólio. O que acontece no setor, diferente de um setor de equity e de dividida onde o fluxo é dinâmico, é que a margem do agro reduziu, mas aí o produtor vem com uma liquidez corrente muito alta. A queda da liquidez demora um pouco mais para acontecer, cerca de dois ou três anos ruins para ter redução de múltiplos.

Vemos ainda uma liquidez corrente alta no Brasil, o produtor está capitalizado nos últimos 10 anos, que foram anos muito bons de margem para o produtor. Fizemos muita venda, ano passado foi um ano atípico que atuamos nas três frentes - compra, venda e arrendamento -, e estamos nos preparando para ser uma empresa mais compradora no curto e médio prazo. O nosso desafio é ser uma empresa anticíclica: quando todos querem comprar nós vendermos e quando todos forem vender nós comprarmos".

Oportunidades no mercado de terras:
"Estamos sempre comprando e vendendo e sempre de olho em oportunidades. Nós analisamos os ativos na perpetuidade, como se fôssemos comprar uma fazenda e nunca vender. Trabalhamos então com uma taxa interna de retorno pensando nisso. Para nós, a forma de garantir que um ativo é líquido é garantir que ele seja rentável. Se a empresa, fazenda ou propriedade dá retorno no longo prazo, nós teremos liquidez. Não tenho como garantir a liquidez de compra e de venda, o que está na minha mão é a rentabilidade operacional".

O que a BrasilAgro busca:
"Normalmente os ativos são precificados entre 20 e 25 vezes o múltiplo de Ebitda (lucro antes de juros, impostos, amortização e depreciação) deles. Nisso, identificamos ativos que podemos colocar capital intensivo, gestão, recursos para mudar esse múltiplo e o ativo se apreciar. Se entendermos que é hora de vender, saímos do ativo".

"O nosso desafio é ser uma empresa anticíclica: quando todos querem comprar nós vendermos e quando todos forem vender nós comprarmos"

"Gosto de falar que o nosso negócio é simples de explicar e complexo de fazer. É bom, pois cria uma barreira de entrada para outros players, de identificar riscos do ativo, operar, obter as licenças operacionais e ambientais, essa é a inteligência da companhia".

Tamanho das propriedades:
"Os ativos têm que garantir uma escala mínima de operar de mais de 5 mil hectares, mas depende da cultura. Tem culturas que deveriam ser algo em torno de 5 mil ou 7 mil, se tiver safra e safrinha. Como somos uma empresa de capital aberto listada aqui e em Nova Iorque, temos uma série de medidas de governança que limitam o tamanho dos ativos.

Até podemos comprar ativos pequenos, se estiverem apegados a outra unidade operacional. Podemos olhar algo de 1 mil hectares, se a propriedade conseguir ser plugada a outro ativo. Por sermos uma empresa listada, fazemos uma busca ativa. Já chegou na gente mais de 4,5% do território nacional. Temos um banco de terras enorme e é um banco que se move".

Onde estão os alvos:
"Estamos concentrados no bioma Cerrado e buscamos ativos de todas as culturas. Óbvio que não vou falar de cana de açúcar no Mato Grosso. Hoje já temos uma diversificação grande e na agricultura isso é fundamental. É a forma de atenuar riscos. Estamos sempre nas duas mãos [de compra e venda]".

Compra de insumos:
"Considerando margem e custo de capital e olhando os cinco últimos anos da companhia, estamos em média 60 dias atrasados nessa compra. Pensando no custo de capital, aquele fornecedor que tem um custo melhor que algo acima do CDI se aproveita disso no momento. De certa forma a concentração de mercado fez com que esse custo de capital se nivelasse, mas ainda estamos nos posicionando. Tomamos posição de cloreto antecipado, no fósforo fomos até o limite, comprando há 20, 30 dias atrás".

Sementes e defensivos:
"Agora estamos voltando na compra de sementes e insumos. Já começamos a fechar algumas coisas. Mas na média estamos 60 dias atrasados, aproveitando custo de capital e acomodando os preços. Já começamos a ver uma redução de custos, no ano contra ano, de praticamente 25%, isso tudo falando de soja para os insumos da safra 2023/24. Milho ainda tem um pouco mais de desconto".

Pacote tecnológico para a nova safra:
"Para ter redução do parque tecnológico precisa ter muitos anos ruins de margem. Não vejo, no setor como um todo, uma redução desse pacote. Nós por exemplo não estamos reduzindo pacote, isso olhando a primeira safra. Existe algo talvez de redução na segunda safra, uma safra com mais riscos".

Mercado chinês para o milho:
"Temos que ser capazes de entender, enquanto gestores, o que é mudança estrutural ou conjuntural. A cadeia de milho, desde a gripe suína na Ásia, teve uma mudança estrutural. O modelo de produção teve que se tornar muito mais tecnificado, em uma linha BRF e de outras grandes empresas, do que era. Isso acontece na China, na Índia e Ásia como um todo.

Cada vez mais esses eventos sanitários colocam a gente em outro lugar estrutural. Quando falamos em mudança estrutural de produção, isso passa por um aumento do consumo do milho. Por que a China não importava milho antes? Ela tinha que escolher entre pagar o frete marítimo de um produto que custava US$ 500 por tonelada e outro que custava US$ 140. Ela escolhia o primeiro, já que o frete é o mesmo".

"Quando falamos em mudança estrutural de produção, isso passa por um aumento do consumo do milho"

"Começamos a ver que ela não conseguiu atender toda sua mudança estrutural. E olha que estamos tendo mudanças disruptivas lá também. Quatro anos atrás, quando estive na China, o transgênico de milho era proibido, por exemplo.
Essas mudanças sanitárias colocam o Brasil em outro patamar na cadeia como um todo. O país vai se posicionar nisso, já temos 110 milhões de toneladas [indo para lá], algo que era em 50 milhões de toneladas anos atrás e mais cinco anos chegamos nas 180 milhões de toneladas".

O desafio logístico:
"O desafio do milho é logístico. A safra do milho começou a encavalar com a safra de soja, sendo que os canais de exportação são os mesmos, e ao mesmo tempo não temos um aumento de consumo interno.

O que é bom disso, e eu estava num evento semana passada com o ministro [Carlos] Fávaro, é que ele disse que a preocupação dele é logística. Disse que está trabalhando nessa questão de armazenagem e logística. Se superarmos esse problema nos tornamos um dos maiores, sem dúvida, exportadores de milho também. E aí abre espaço para o mercado de sementes e outras coisas que entram na carona".

Ações contra o gargalo:
"Pensar mais em armazéns integrados, nem tanto em caminhões, por exemplo, é uma medida. Mas existe uma mudança também na arquitetura do armazém. Na teoria, um armazém deveria estar colocado em cima dos talhões. Nesse momento de reposicionamento de logística, não é em cima, e sim “um pouco para lá”, para abrigar duas ou três fazendas na mesma estrutura".

O valor do frete:
"O frete para o porto, seja de 1 mil km ou 1,5 mil, é o mesmo. Você acaba, com isso, economizando a logística do frete curto, aquele frete da colhedeira até o armazem. O que está acontecendo é que já pensamos em mudar o armazém de lugar e a maneira de pensar. Um exemplo é fazer um armazém de fluxo ao invés de um de estocagem. Ao invés de colocar o armazém na fazenda onde tem terra, chove e o caminhão atola, podemos colocá-lo numa via asfaltada. O caminhão foi uma solução no passado, mas era outro momento de juros, por exemplo".

Investimentos públicos ou privados:
"A questão de cada negócio é entender como ter hubs logísticos. Estamos entendendo que estruturar melhor a armazenagem é algo que os produtores deveriam fazer. Em contrapartida, temos uma pressão importante, é virar o nosso “chapéu de .com” e virar um “chapéu de .org” e fazer pressão para viabilizarmos coisas que estão paradas e são desafiadoras, que podem trazer um reequilíbrio na relação de frete".

O futuro do trigo:
"O Brasil é um país que tem entre 8 e 12 milhões de toneladas de trigo em consumo. No pico passado, 10 anos atrás, chegamos a uma produção de 6,7 milhões para um consumo de 10,11 milhões. Agora devemos ter uma mudança estrutural com um trigo, não com a qualidade do trigo lá de fora, muito por uma questão do pH, que precisa ter períodos frios. Seremos um grande produtor, mas não de grande qualidade ainda.

A Embrapa está soltando materiais de trigo para o Cerrado interessantes. Conhecemos um pouco de trigo da nossa operação no Paraguai. É uma cultura desaforada, que aguenta situações difíceis. Produzimos trigo no Paraguai com pouca chuva. Uma cultura que tem características fenotípicas que tem potencial para ir para o Cerrado brasileiro".

Trigo X outras culturas:
"O que pode acontecer: produtor colhe soja e planta algodão safrinha, depois milho, depois sorgo e depois feijão. O trigo vai entrar nessa cesta que tolera uma janela pior. Sem dúvida teremos, logo logo, uma procução de 20,30 milhões de toneladas de trigo também. As características hídricas, de topografia e de amplitude térmica devem favorecer esse cultivo. Claro, esse trigo não vai ter a qualidade do trigo argentino, canadense, russo, mas com certeza produziremos numa segunda safra".