Quando praticamente ninguém falava ou mesmo sabia o que era governança corporativa, Fabio Alperowitch fundou a então Fama Investimentos, ainda nos anos 1990. Ele escolhia empresas a dedo, fazendo aportes apenas em companhias que entendia como sólidas e bem organizadas internamente.
Há alguns anos, o criador da Fama (que agora se chama Fama Re.capital) resolveu ir além da governança e entrou de cabeça na temática ESG. Fugindo à regra dos gestores de investimentos, geralmente avessos à aparições públicas, Alperowitch passou a fazer barulho nas redes sociais, em entrevistas e em artigos na imprensa, pressionando o mercado e as empresas por respostas mais efetivas às pautas climáticas, ambientais e sociais que foram se impondo com as mudanças climáticas e a pandemia do coronavírus.
No ano passado, a gestora resolveu dar mais um passo ousado. E constituiu o Latam Climate Turnaround FIA, um fundo ativista – ou, como preferem os sócios da Fama, “fundo de engajamento”.
A ideia do veículo é comprar ações de companhias que são grandes emissões de gases do efeito estufa, com mais de 1 milhão de toneladas equivalentes de CO2, e engajá-las em seus processos de descarbonização.
A Fama resolveu começar os trabalhos de seu fundo pelo agro. Logo no primeiro investimento, em março, montou uma posição na gigante das commodities SLC Agrícola.
Mais recentemente, no fim de setembro, o veículo da Fama comprou ações de outro player relevante, agora do setor de alimentos, a Marfrig. E depois fez novo desembolso, adquirindo papéis de outra empresa de grande porte do agronegócio – que Alperowitch prefere deixar no anonimato por enquanto.
Chama a atenção o interesse da gestora em investir na largada em empresas puramente do agronegócio, fugindo de seu costumeiro estilo de posições.
No portfólio de seu fundo de ações – o tradicional Fama FIC FIA, no mercado desde 1995 –, constam entre 15 e 18 empresas, reunindo companhias relevantes como como Arezzo, MRV e Klabin – mas que não são do agro.
O que explica, então, o interesse da Fama no setor? O perfil de emissões de gases do efeito estufa no Brasil. Cerca de 75% do total emitido do País vem da mudança de uso da terra e florestas – que engloba desmatamento para dar lugar a pastagens, atividades de mineração e até mesmo a urbanização – e agropecuária.
“O perfil de emissões de gases do efeito estufa no Brasil é muito diferente da Europa e dos Estados Unidos. Como no Norte global, o grande responsável pelas emissões são os combustíveis fósseis, as conversas no mundo ficam em volta da transição energética”, explica Alperowitch.
“Mas, quando a gente olha para o Brasil, 83% da matriz energética brasileira já é limpa. Claro que é importante a Petrobras se descarbonizar, mas não é o mais importante a se fazer por aqui. É por isso que olhamos para o agro”, afirma.
Os fatores macro no longo prazo, é claro, também chamam a atenção da Fama, em um cenário que combina um aumento da população global, chegando a 10 bilhões de pessoas até 2050, mudanças climáticas e dificuldades de oferta e demanda de produção agrícola.
“Em um cenário global de redução de alimentos, a redução da oferta de alimentos pela SLC vai cair menos do que a média global. Portanto, ela consegue aproveitar esse aumento de preço e perder menos do que os outros. Isso tudo decorre de uma implementação de práticas que visam melhorar a saúde do solo, para que você tenha uma quebra de safra menor do que a média”, afirma Tiago Gomes, sócio da Fama.
Por enquanto, o veículo está rodando com poucos investidores. As posições nas companhias são de cerca de R$ 4 milhões, mas, como o fundo é aberto a novas captações, o valor pode mudar a qualquer momento, segundo Alperowitch.
Seu patrimônio líquido em setembro era de apenas R$ 8,9 milhões, segundo dados reportados à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
A ideia é fazer apenas cinco investimentos dentro desse veículo, com cerca de 60% dos aportes em empresas do agro e o restante em companhias com pegada de carbono também intensiva, mas de outros setores.
O objetivo do fundo, que tem como público os investidores qualificados, os que têm aplicações acima de R$ 1 milhão, é obter capital prioritariamente de investidores internacionais, como family offices e fundações.
“O fundo que está rodando é um piloto. O dinheiro “gordo” vem depois”, afirma Alperowitch.
“Para não chegar lá com só um PowerPoint, precisamos ter algo realizado. Por isso a posição é pequena no momento. E mesmo assim conseguimos êxito, ao realizar três investimentos em empresas muito relevantes.”
Mesmo com volumes pequenos frente ao valor de mercado das companhias em que investiu – a SLC é avaliada em cerca de R$ 7 bilhões e a Marfrig, em R$ 12 bilhões – Alperowitch acredita que o peso da Fama pode trazer mais credibilidade ao plano das empresas.
“Quando a empresa fala sobre si mesma, alguns acreditam, outros não acreditam, outros podem achar que é greenwashing. Como a gente tem um histórico de ser bastante detalhista e crítico, a gente também ajuda a empresa a explicar para o resto do mercado de que elas estão de fato num plano de transição crível”, afirma o criador da Fama.
De acordo com Alperowitch, já existem exemplos na prática de que o aval da Fama a empresas tidas como “problemáticas” estão fazendo a diferença.
“Investidores que nem olhavam para a Marfrig, nem na parte de equity, nem na parte de dívida, já estão olhando para a empresa de uma maneira diferente. O fato de a gente estar junto também os ajuda a trazer esse capital que tinham mais dificuldade de conseguir”, afirma Alperowitch.
Postura colaborativa
Ainda que inédita no Brasil, a proposta do fundo não chega a ser uma novidade ao redor do mundo.
Nos últimos anos, investidores ativistas atormentaram a vida das petroleiras de diferentes formas, seja sugerindo o desmembramento dos negócios da Shell, como fez o fundo Third Point, ou ocupar cadeiras no conselho da companhia, como o Engine Nº 1, em relação à Exxon.
Apesar dos exemplos de fora e da postura ruidosa de Alperowitch nos últimos anos, o veículo da Fama prefere adotar uma outra abordagem, mais contida.
A aproximação com as futuras empresas investidas acontece cerca de quatro a seis meses antes de o veículo comprar seus papeis, explica Caroline Prolo, sócia da Fama que participa do contato com as companhias e é cofundadora do LaClima, uma rede de advogados dedicada ao estudo das mudanças climáticas na América Latina.
“A gente começa essa conversa com o espírito de escuta ativa ao invés de chegar já com exigências ou um escrutínio, enchendo a empresa de perguntas”, afirma Prolo.
“Não fazemos exigências unilaterais, é algo construído com a companhia. Quando a gente sente que está num momento em que a companhia já entendeu que agregamos valor, apresentamos um plano de engajamento e prescreve ações de ambas as partes”, complementa ela.
“A gente não chega lá com um plano de descarbonização, mas sim com o plano de criação de valor a partir da descarbonização”, acrescenta Fabio Alperowitch.
Os resultados têm sido bons até aqui. Os planos foram inclusive aprovados pelos comitês de sustentabilidade de SLC e Marfrig.
“Isso indica que a gente está sendo ouvido de alguma forma. É claro que estamos ainda começando essa trajetória com a companhia, mas a gente conseguiu estabelecer tanto a aprovação do plano quanto as rotinas de conversas”, afirma Prolo.
Iniciativas de Marfrig e SLC
Em relação à SLC, seu primeiro investimento no fundo, a Fama avalia que a empresa está bem posicionada para escalar as práticas de agricultura regenerativa.
“A companhia é muito receptiva para a adoção de melhores práticas, inclusive aquelas que não foram implementadas ainda, e isso é fundamental para o nosso engajamento”, afirma Tiago Gomes, sócio do fundo.
A empresa da família Logemann se comprometeu, há três anos, a não converter áreas com vegetação nativa para uso agrícola.
A SLC também vem se colocando como um player importante também na aplicação da agricultura renegerativa na prática.
A companhia diz que tem investido no fortalecimento das boas práticas no campo, elencando, como frentes prioritárias, práticas de plantio direto e de cobertura, integração lavoura-pecuária, rotação de culturas, defensivos biológicos, gestão integrada de pragas e doenças e economia circular. As informações constam no relatório integrado mais recente da SLC, divulgado no ano passado.
Em 2023, a empresa certificou duas fazendas dentro do Regenagri, programa internacional desenvolvido pela empresa britânica Control Union que dá uma espécie de “selo” de boas práticas no campo.
Todos os esforços tem se revertido em ganhos no fim do dia. Na safra 2023/24, a SLC contabilizava uma economia de R$ 82 milhões com a aplicação localizada de defensivos, cifra que cresceu 123% em comparação com o ciclo imediatamente anterior.
E é justamente pelo bolso que Alperowitch acredita que as empresas podem ser motivadas a adotar processos de descarbonização e, no caso do agro, de agricultura regenerativa. “No momento que a gente consegue mostrar para a empresa que aquilo é bom para ela, não precisamos obrigá-la a fazer. A empresa vai adotar a jornada de descarbonização porque vai colher um benefício”, afirma.
Fabio Alperowitch vê também outros impactos positivos para além das cercanias da companhia, seja para quem está fora ou dentro do campo.
“Tem um segundo efeito, que é mostrar para os ambientalistas que nem todo o agro é ogro. Estamos falando de um produtor de larga escala [SLC] mostrando que é responsável”, afirma ele.
“E tem ainda a questão de gerar um efeito sistêmico: outros produtores vendo a SLC adotando práticas regenerativas – e economizando dinheiro com isso – podem ficar motivados a tentar adotar as práticas também.”
Na Marfrig, o foco dos esforços de descarbonização está na rastreabilidade dos animais desde os fornecedores indiretos, que ainda é um gargalo para os frigoríficos.
Enquanto não consegue rastrear toda a sua cadeia, o setor lida com o risco de que os animais a serem abatidos estejam pastando sob áreas desmatadas.
No fim do ano passado, a companhia de Marcos Molina antecipou a meta que havia colocado, em julho de 2020, de rastrear todo o seu rebanho paté 2030. O frigorífico agora quer atingir essa data-limite já em 2025.
“Acreditamos que a Marfrig está bem-posicionada para isso. Tem um sistema bem estruturado, auditado, bons parceiros e stakeholders engajados, e já está muito próximo de atingir a meta”, afirma Caroline Prolo.
Para cumprir a promessa, a empresa anunciou um investimento de R$ 100 milhões a ser acrescentado ao montante total de R$ 500 milhões projetado para o programa Marfrig Verde+, criado em 2020, que promove a recuperação de áreas degradadas e a adoção da pecuária regenerativa.
“O desafio é fazer isso de forma inclusiva, apoiando os produtores na regularização ambiental e promoção de boas práticas, em vez de simplesmente exclui-los da base de fornecedores para conseguir cumprir a meta”, diz Prolo.
“Esse é um dos aspectos mais interessantes da política da Marfrig, e esperamos poder ajudar a companhia a escalar suas iniciativas para inclusão de pequenos produtores.”