Um dos mais influentes executivos do agronegócio brasileiro nas últimas décadas, Paulo Herrmann teria crédito para fazer o que quisesse desde que deixou o comando da John Deere no Brasil. Inclusive colher os frutos de uma carreira vitoriosa. Mas optou por plantar para pagar o que chama de “dívida social” que, segundo afirma, empresários e executivos como ele têm com a sociedade.

"A vida é feita por capítulos e, ao decidir encerrar a minha vida como executivo, estabeleci como meta contribuir para a construção desta geração do futuro no agronegócio, que possa ampliar o uso de tecnologias já disponíveis e produzir de forma mais sustentável”, disse Herrmann ao AgFeed.

Um dos projetos de Hermann é um programa de formação de jovens filhos de agricultores de pequenas propriedades, a exemplo de sua história pessoal – ele lembra que sua família tinha cinco hectares de terra, trabalhava para comer, por isso saiu de casa aos 12 anos em busca de oportunidades.

"Eu sei o quanto é preciso alguém te estender a mão, te abrir uma porta em determinado momento da vida”, afirma. O executivo costuma ressaltar que estudou em escolas e universidades públicas e que, por isso, tem essa dívida a quitar.

Pensando nisso, Paulo Hermann fez uma parceria com a Emater-RS e com o consulado do Canadá para um projeto piloto: 15 jovens devem embarcar em breve para a América do Norte e fazer estágios em propriedades e empresas canadenses ligadas ao agronegócio, por seis meses.

"Se a cada 100 jovens assistidos, pelo menos um tenha sucesso, consiga voar alto e faça a diferença, já terá valido a pena", diz ele.

O programa está começando pelo Rio Grande do Sul, mas deverá ser ampliado para outros estados já que um dos papéis de Hermann é a busca de empresas parceiras que patrocinem a iniciativa.

Paulo Herrmann jamais poderia imaginar que chegaria ao comando da maior indústria de máquinas agrícolas do mundo, a John Deere, onde atuou por 22 anos, até janeiro de 2022.

Ao longo desta história se deparou com desafios e oportunidades que agora pretende “devolver à sociedade”, como costuma dizer, por meio da defesa de uma agricultura que produza mais com menos e que atenda aos critérios sustentáveis exigidos pelo mercado internacional.

A proposta de Hermann para uma nova era no agronegócio brasileiro é baseada em três pilares: avançar no uso da tecnologia, buscar a agregação de valor e aperfeiçoar a gestão.

Na visão do executivo, o crescimento da produção agropecuária é uma realidade, algo já consolidado, à medida que o Brasil se transformou em grande exportador mundial de alimentos, com o agronegócio respondendo por quase 30% do PIB, ao longo das últimas décadas.

O desafio está nos próximos 30 anos, segundo ele. No tema da tecnologia, Herrmann destaca que um universo de oportunidades já está disponível, com máquinas, por exemplo, altamente equipadas e conectadas a ferramentas digitais. Porém, segundo Hermann, apenas 50% da tecnologia disponível hoje está sendo utilizada.

"O restante não é usado por falta de conhecimento e capacitação de mão de obra ou mesmo pela dificuldade ainda presente de conectividade no meio rural brasileiro”, explica.

A segunda bandeira defendida por ele é ampliar o conceito da chamada agregação de valor no agronegócio. Hermann entende que agregar valor não é apenas industrializar localmente a commodity, como esmagar a soja para vender o óleo, o que exige grandes investimentos. Acredita que é necessário investir em produtos que ofereçam mais valor agregado pela qualidade, rastreabilidade e sustentabilidade ambiental.

"Existe a pequena produção e a grande produção. O tamanho da propriedade não quer dizer nada, o que importa é plantar coisas de alto valor agregado. A grande propriedade pode ser de commodities, onde o que vale é a escala, é o poder de barganha. Já na pequena, o valor é o que importa, é possível ter mais rentabilidade plantando meio hectare de morango do que cultivando 10 hectares de soja”, destaca.

No item da gestão, Paulo Hermann acredita que o maior desafio seja a sucessão familiar, já que o agro cresceu e nem todos os grupos estavam em preparados. No mesmo sentido, diz que é preciso rejuvenescer as lideranças do agro e pressionar as universidades federais para que acompanhem este processo de transformação.

Além disso, defende que as cerca de 1500 startups ligadas ao agronegócio sejam melhor orientadas, entendendo que muitas ainda são essencialmente urbanas. "Quero me empenhar nisso, para ajudar a formar e desenvolver gente para esta mudança", afirmou.

Exemplo de sucesso

Um dos destaques na trajetória de Paulo Hermann foi a parceria que estabeleceu entre a John Deere e a Embrapa, em 2008, para incentivar a expansão da prática agrícola conhecida como ILPF – Integração Lavoura Pecuária Floresta. As pesquisas haviam começado na década de 1980, com o cultivo de arroz em áreas de pastagens degradadas, mas foram evoluindo em diferentes regiões.

Hoje, a ILPF é um dos principais exemplos que o Brasil apresenta nos encontros internacionais sobre mudanças climáticas, já que permite não apenas a redução das emissões, mas também o sequestro de carbono.

O apoio de Herrmann foi fundamental porque, a partir dali, foi criada a Associação Rede ILPF, que passou a contar com diversas empresas e financiar a disseminação do uso desta tecnologia.

Atualmente, fazem parte da Rede ILPF, além da John Deere, a Syngenta, o Bradesco, a Cocamar, a SOESP e a Suzano. As áreas integradas de lavoura, pecuária e florestas plantadas no país saltaram de 1 milhão de hectares para 20 milhões de hectares em 15 anos, de acordo com Herrmann.

O ex-CEO da John Deere chegou a se afastar por um tempo do grupo, mas recentemente aceitou o convite para ser diretor de Relações Institucionais da associação.

"Nossa missão do momento é quantificar a questão do carbono, afinal quem adota a ILPF é mais resiliente aos problemas climáticos e oscilações de mercado. Isso reduz o risco de crédito, por isso inevitavelmente os bancos privados terão que oferecer juros menores a este perfil de produtor”, afirma.

Com empresas cada vez mais preocupadas em atender os parâmetros de ESG, novos segmentos do agronegócio devem ingressar em breve na rede, entre eles, as indústrias de proteína animal.