Espécie nativa e histórica da Mata Atlântica, citada até mesmo na carta de Pero Vaz de Caminha em 1500, a juçara é uma palmeira de tronco fino que já foi abundante no bioma.
Mas, ao longo do século passado, a exploração predatória da árvore para a extração de palmito fez com que a espécie entrasse na lista de espécies ameaçadas de extinção.
Há uma década no mercado, uma empresa do Rio de Janeiro, a Juçaí, tem optado por abordagem diferente das indústrias de palmito, que derrubavam a árvore para obter a matéria-prima.
A empresa mantém as árvores em pé, colhe seus frutos e fabrica um sorbet na linha do produto feito com o açaí amazônico, já disseminado no eixo Rio-São Paulo.
De olho na demanda lá fora pelo açaí brasileiro em forma de sorbet, a empresa vem exportando seus produtos para o Canadá, acaba de enviar uma primeira remessa para o Oriente Médio e pretende alcançar uma produção de 1 milhão de litros no ano que vem.
Mesmo com as exportações, no entanto, a Juçaí não almeja ser uma gigante do açaí, que hoje domina mais da metade das vendas de todo o mercado de sorvetes no Brasil, segundo uma pesquisa da Fispal Sorvetes, Abrasorvete e Agagel, associações do setor.
“A gente não tem a missão de ser uma empresa gigantesca como as maiores do mercado”, afirma o diretor-geral da empresa, Roberto Haag, que acumula passagens por empresas como BRF, Maeda, Wickbold, Puratos e GeneSeas, do Aqua Capital.
“Mas achamos que teríamos potencial de ser uma empresa que consegue vender 2 milhões ou 3 milhões de litros de açaí e, com isso, gerar um impacto relevante na preservação da juçara e em toda a cadeia”.
O produto da Juçaí tem diferenças em relação a outros semelhantes no mercado – a começar pelo fato de que não é feito de açaí, que virou sinônimo do “sorvete” consumido no Sudeste, mas também é o nome da palmeira que dá os frutos.
Apesar de ser conhecido como "o açaí da Mata Atlântica", a polpa do fruto juçara tem características e propriedades diferentes do fruto do açaí amazônico, explica Haag.
"Ele é muito mais rico em antocianina, que é uma substância antioxidante, e outras vitaminas do que o açaí tradicional. Além disso, tem um sabor e uma cor completamente diferentes. Ele é mais frutado e não tem aquele sabor mais terroso do açaí tradicional", afirma o diretor da empresa.
Além disso, Haag diz que o produto é 100% natural e, por isso, se diferencia de outras marcas de açaí do mercado.
“No Juçaí, você não tem nenhum produto químico. não tem conservante, não tem aromatizante, não tem corante, não tem emusficante, não tem nada disso. É só polpa de fruta e polpa de enhame, que usamos como emulsificante natural.”
Também há diferenças em termos de produção: enquanto as monoculturas de açaí crescem no Norte, a Juçaí prefere colher os frutos da juçara de palmeiras nativas.
A ideia de entrar em mercados estrangeiros veio da percepção de que o açaí, por ser um produto tipicamente brasileiro, tem bastante procura no exterior.
A ida para a América do Norte, por exemplo, foi mirando o mercado americano, mas a Juçaí resolveu ir com cautela, segundo Haag. começando inicialmente pelo Canadá, onde passou a vender seus produtos no começo do ano passado, para depois chegar aos Estados Unidos.
Hoje, a marca está em distribuidores nacionais e regionais do país e está disponível nas gôndolas de lojas da Whole Foods, famosa rede de supermercados focada em alimentos saudáveis e orgânicos.
"A gente falou: se esse negócio for bem no Canadá, depois começamos a olhar para os Estados Unidos. E deu certo, o Canadá foi super bem ao longo do último ano", afirma.
Já a ida para o Oriente Médio veio de uma forma quase que acidental. A Juçaí foi convidada pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) para participar do pavilhão brasileiro que a agência montaria na Gulfood, a mais importante feira de alimentos e bebidas do Oriente Médio, no ano passado.
"A gente levou nosso produto de uma forma bem artesanal, improvisada e foi super bem-sucedida essa nossa ida. Gerou muito interesse dos players locais e aconteceu em um momento que o açaí estava sendo descoberto pelo mercado do Oriente Médio e eles estavam gostando muito do produto", afirma.
Entre o primeiro contato e o embarque da primeira remessa de produtos para os Emirados Árabes Unidos, se passou mais de um ano. Neste ano, o açaí da Juçaí está atravessando o Atlântico para chegar ao Oriente Médio.
"Apesar de não ter o produto lá, os nossos parceiros locais já foram trabalhando com amostras, com todas as informações institucionais. Já temos conversas bem adiantadas com muitos clientes em potencial. A gente acredita que agora, chegando o produto, vamos destravar as vendas em uma velocidade bem grande", afirma Haag.
Para dar conta dos novos mercados, a Juçaí inaugurou, no ano passado, uma nova fábrica em Penedo, cidade próxima ao Parque Nacional do Itatiaia, perto da divisa com São Paulo.
A planta, que exigiu um investimento de investimento para a construção da fábrica de cerca de R$ 25 milhões, tem capacidade de produção de 1 milhão de litros de açaí por ano.
Já contando com as exportações para o Canadá e Emirados Árabes, a Juçaí deve alcançar uma produção de 500 mil litros em 2024. Para feito de comparação, há dois anos, o volume produzido era de 140 mil litros.
Por enquanto, 85% das vendas da companhia estão no mercado interno, espalhados por 500 pontos no País.
Vendidos em embalagens de 200 mL e 650 mL, os produtos da Juçaí estão presentes em lojas de grandes varejistas como Grupo Pão de Açúcar e Carrefour, e também redes menores de supermercados como Muffato, do Paraná, e Zona Sul, do Rio de Janeiro.
A presença mais forte dos produtos é no Rio de Janeiro e em São Paulo, chegando também a regiões como Centro-Oeste e Nordeste. Já a presença na região Sul é mais tímida, ficando restrita ao Paraná.
"Só não estamos em mais lugares porque a logística é bem complexa para a gente. O produto congelado tem bastante limitação de transporte e, dependendo do lugar, o custo logístico começa a ficar inviável", afirma Haag.
Um outro modelo
Para obter a matéria-prima de seus produtos, a Juçaí trabalha com pequenos produtores, cerca de 900 produtores da região da Serrinha do Alambari, onde está a fábrica, do Vale do Ribeira, na divisa de São Paulo com Paraná, e estados como Espírito Santo e Bahia.
Inicialmente, os frutos vinham apenas das imediações da companhia, segundo Haag, mas, com o aumento da produção, a empresa fez uma pesquisa entre 2020 e 2021, em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), para identificar outros pontos do País onde havia presença de juçara.
A colheita se inicia em abril e maio e termina em setembro. “A época de colheita varia um pouco em cada área da região. Quem está mais perto do litoral começa a colher antes, quem está mais para dentro, começa depois”, afirma Haag. Cada palmeira é capaz de produzir 8 litros de sorbet. Por ano, a empresa precisa de 60 mil juçaras para sua produção.
Logo após serem colhidos, os frutos precisam ser rapidamente processados, explica o diretor da Juçaí, pois oxidam rapidamente e perdem suas propriedades. A polpa é separada do caroço e é congelada. “Por isso foi desenvolvido o sorbet, que é produzido a partir dessa polpa congelada.”
Já as sementes ficam com o produtor, que pode participar de editais promovidos pelo Governo de São Paulo, através da Fundação Florestal, órgão da Secretaria de Meio Ambiente do Governo do Estado de São Paulo, que tem um programa de conservação das juçaras e compra as sementes para repovoar as palmeiras no bioma.
“Eles passam de helicóptero em cima das áreas de preservação e vão lançando essas sementes para germinar. Para o produtor, o programa é um grande benefício, porque acaba tendo as duas fontes de receita: consegue vender a polpa para a gente e a semente nesses editais”, afirma Haag.
Haag explica que o método de obtenção do fruto varia de acordo com a localidade, mas sempre com a ideia de ser um parceiro local.
“Pode ser uma cooperativa ou um produtor maior, que esteja disposto a funcionar como um centralizador da aquisição dessa polpa”, afirma ele.
No Espírito Santo, por exemplo, o diretor geral da Juçaí explica que um produtor tradicional de juçara atua como centralizador, comprando frutos de pequenos produtores, fazendo o despolpamento e o congelamento da polpa e depois entregando o produto à Juçaí.
Já na Bahia, o fornecimento funciona via cooperativas. Por lá, a Juçaí está desenvolvendo um projeto com 30 famílias, em parceria com a ONG Tabôa, a holding Itaúsa, do Itaú Unibanco, e a Fundação Arymax, da família Feffer, controladora da Suzano, para a produção de juçara e outras espécies em sistemas agroflorestais, em módulos de um hectare. O plantio deve começar já em novembro, segundo Haag.
“Cada uma das 30 famílias vai plantar um hectare. A gente vai financiar esse plantio, o produtor vai pegar isso como crédito e a Juçaí assume o compromisso de compra da produção da juçara desse produtor”, afirma.
Na região Norte, o avanço das monoculturas de açaí para atender a demanda crescente do mercado interno e externo se transformou em um problema para a biodiversidade da Amazônia.
Um estudo publicado há três anos por pesquisadores do Pará, Pernambuco, México e Estônia na revista acadêmica Biological Conservation indicou que, na mesma proporção que a quantidade de palmeiras de açaí aumenta, a abundância de árvores e a riqueza das espécies diminui consideravalmente no bioma.
A Juçaí prefere outra abordagem. De acordo com o diretor geral da empresa, por mais que existam algumas áreas plantadas, a maior parte da produção vem de áreas nativas, onde já existiam juçaras.
"A gente procura incentivar a ocorrência natural. A palmeira está no meio da mata, onde tem cacau, café e outras espécies frutíferas.”
Família global
A Juçaí foi criada em 2015 por um grupo de empreendedores preocupados com a preservação da juçara, segundo Haag, e é comandada por um fundo de family office. “A gente prefere não abrir os nomes, mas são investidores que têm muito foco em projetos de sustentabilidade”, afirma ele.
A ideia inclusive, de acordo com Haag, é trazer outros family offices para a empresa. “A gente tem projetos em conjunto com outros family offices e isso está no radar”, afirma ele. “Mas, por enquanto, a gente fica um pouco mais no low profile, focando nos projetos”
Em consulta ao quadro societário da empresa na Receita Federal, a reportagem do AgFeed verificou que uma das sócias da empresa é a Z House Administração e Participações, de José Roberto Marinho, atual presidente da Fundação Roberto Marinho e vice-presidente do Conselho de Administração do Grupo Globo, e sua esposa, Vania Maria Boghossian Marinho.
Na página da Z House na internet, a Juçaí é apresentada como uma das “marcas” da corporação, que, em seu site, não indica com clareza o que faz, mas diz atuar nos ramos agro sustentável, hospitalidade, filantropia, imobiliário, co-participações e descobertas.