Existe um dito popular que diz que “de um boi, só não se aproveita o berro”. A referência à utilização de toda carcaça bovina dentro da indústria frigorífica pode ser transportada para o negócio da BiomassTrust em outro segmento, o florestal.
A startup, criada pelo pesquisador brasileiro Javier Farago Escobar, utiliza resíduos da madeira utilizada no setor, o chamado “pó de serra”, para produzir energia limpa e renovável.
Durante o processo produtivo para criar móveis de madeira, ou papel e celulose, por exemplo, essas indústrias acabam gerando esse resíduo, que é aproveitado pela startup.
A companhia recebe os resíduos e retira o cloro presente no pó através de uma tecnologia própria. Após isso, transforma esse material em pellets (granulados) de madeira.
Como explicou Escobar, que também é CEO da companhia, a BiomassTrust é uma empresa fundada dentro do Harvard Innovation Labs, um programa da escola de negócios da instituição americana que ajuda empreendedores a criar startups.
Agora, o negócio desembarca oficialmente no Brasil para utilizar os resíduos da produção de eucalipto para produzir energia. Escobar vai apresentar a BiomassTrust em um painel sobre Bioeconomia durante o Energy Summit, que acontece entre os dias 17 e 19 de junho no Rio de Janeiro.
Ao AgFeed, o executivo revelou que a companhia está construindo duas fábricas para a produção dos pellets de madeira, uma no Espírito Santo e outra no Interior de São Paulo. Cada uma produzirá, até o final de 2024, 60 mil toneladas do produto.
A fábrica no Espírito Santo tem apoio dos governos federal e estadual e vai utilizar resíduos de serrarias do estado. “Vamos limpar áreas onde esse pó de serra acaba virando um problema ambiental”, explica.
Enquanto a ponta do recebimento de matéria-prima tem parceria com produtores de madeira serrada com contratos que variam de um a cinco anos, Escobar conta que a startup já firmou contratos de venda com três países da União Europeia.
Escobar revelou ao AgFeed que captou nos últimos meses quase US$ 10 milhões com dois fundos de investimento, um de venture capital e outro de private equity, sendo o primeiro europeu e o segundo brasileiro.
O montante servirá para construir as fábricas e ajudar a startup a passar por um período de validação de negócio.
A utilização dos pellets de madeira como energia não é algo novo. A Europa importa pellets da América do Norte para produzir energia renovável substituindo carvão mineral para usos térmicos, como aquecedores utilizados no inverno rigoroso do Velho Continente.
Quando falamos em biocombustíveis, enquanto o etanol representa de 2% a 5% da demanda, os pellets de madeira são 60% do mercado, segundo Escobar. “O maior consumo de energia sustentável moderna vem dos pellets de madeiras, que têm um uso final ou térmico ou elétrico”.
A questão é que a madeira que dá origem ao pellet utilizado na Europa é oriunda de regiões temperadas e boreais. Escobar explica que, por serem mais frias, o ciclo de absorção de carbono para a formação dessa biomassa pode variar de 30 a 60 anos.
No Brasil, o eucalipto encontrado em climas tropicais tem um ciclo de cinco a sete anos. “É um aproveitamento mais eficiente no ciclo de absorção, pois o ‘indivíduo florestal’ atinge sua maturidade antes”.
Segundo o executivo, a BiomassTrust é a primeira empresa no mundo a produzir pellets advindos do eucalipto. Isso se deve ao fato de a empresa ter desenvolvido a tecnologia que retira o cloro do eucalipto, tornando o produto final mais sustentável.
O grande entrave nesse setor ao redor do mundo é a produção. No fim das contas, é necessário cortar árvores para produzir o pellet de madeira e utilizá-lo como fonte de energia.
Contudo, para além de utilizar o eucalipto brasileiro como fonte, a startup, diferente de outras que cortam árvores e as transformam em pellets, utiliza resíduos da indústria madeireira.
“Com o custo mais baixo, trazemos uma receita mais atrativa do que no pellet tradicional. É um ‘wood pellet de nova geração’, que conta com um ciclo de carbono mais eficiente e com uma biomassa mais sustentável”, explica.
No Espírito Santo, onde uma das primeiras fábricas da empresa será sediada, o CEO calcula um potencial produtivo de 1 milhão de toneladas de pellets de madeira por ano. No estado de São Paulo, o potencial é ainda maior.
Ele estima que a estadunidense Enviva, maior empresa do segmento no mundo, produz 6 milhões de toneladas por ano e que a produção global total está em 40 milhões de toneladas por ano.
Para a produção de uma tonelada de pellet de madeira, o executivo estima que sejam necessárias 1,5 tonelada de pó de serra. Logo, a produção estimada de 120 mil toneladas até o final do ano nas duas fábricas demandará 180 mil toneladas de subprodutos do eucalipto.
Na ponta da venda, uma tonelada de pellet de madeira para uso residencial é cotado entre 300 e 600 euros na Europa. Num cálculo simples, as 120 mil toneladas podem trazer uma receita entre 36 milhões de euros e 64 milhões de euros por ano.
A ideia de laboratório que ganhou escala
Após um mestrado na Unesp, Escobar, que é engenheiro florestal, iniciou um doutorado na USP. Foi quando o tema dos pellets de madeira entrou em sua trajetória. Estudando uma maneira de transformar biomassa sólida vegetal em energia, ele encontrou uma oportunidade nos pellets.
Ele explica que mapeou toda a cadeia de fornecimento para a produção desses pellets no País. “Primeiro mapeamos a logística e um fornecimento teórico. Depois, fomos em associações e produtores de madeira e notamos a geração do pó de serra. Esse resíduo se acumulava em montanhas que pareciam dunas nas fábricas”, conta.
Se não forem bem armazenados, esses resíduos podem acabar contaminando leitos de rios.
Nesse momento ele criou a patente e validou que era possível uma produção em escala industrial. Sua tese foi premiada em 2017 na própria USP e então ele foi selecionado para fazer um pós-doutorado na faculdade de engenharia e ciências aplicadas em Harvard.
Foi lá que Escobar juntou o conhecimento acadêmico com o empreendedorismo. “Meu orientador me deixou 100% focado para trabalhar na parte do negócio, algo diferente do mundo acadêmico tradicional que tem foco na produção de artigos”, conta.
Dentro da universidade, ele foi para o Harvard Innovation Labs. Com a patente em mãos, ele também obteve uma certificação da União Europeia, que validou o produto. O que faltava era, de fato, a ideia virar um negócio.
Ele conta que o programa, que conta com uma mentoria e auxílio de ex-alunos que são executivos de grandes empresas, ajudou a empresa a se estruturar juridicamente, financeiramente e a elaborar o plano de negócios. “Eles deram todo apoio para transformar uma ideia de laboratório em uma escala industrial”, conta.
Após ficar os últimos quatro anos desenvolvendo a empresa, ele iniciou a rodada de captação para transformar sua ideia em indústria.