A conexão entre insumos, manejo sustentável, produtor rural e metais globais de descarbonização das gigantes do agro e de alimentos segue incentivando novas parcerias entre os principais players do setor.
A Mosaic, uma das maiores produtoras do mundo de fosfatados e potássio combinados, acaba de fechar um acordo para participar do programa de agricultura regenerativa da Cargill, a maior companhia de capital fechado dos Estados Unidos, gigante global em trading de grãos e produção de alimentos.
O acordo envolve o chamado programa “ReSolu”, a plataforma de agricultura regenerativa da Cargill no Brasil, lançada este ano, – a empresa possui iniciativas semelhantes, mas com outras denominações, em mercados como EUA, Europa e Austrália.
Em entrevista ao AgFeed, a líder de Produtos de Sustentabilidade da Cargill, Ingrid Graziano destacou que a ideia da agricultura regenerativa é mostrar como é possível ser a solução, e não mais um problema para o meio ambiente, criando ferramentas para lidar com os desafios de descarbonização da economia.
“A Cargill está bem no meio da cadeia, justamente trabalhando para conectar os produtores com o mercado, por isso faz sentido a gente está olhando para reduzir as emissões daquilo que estamos originando, daquilo que estamos comprando e levando para o mercado”, explicou.
O projeto envolve apoio técnico aos produtores rurais e também a oferta de financiamento por parte da Cargill, principalmente para recuperar áreas degradadas. Segundo Graziano, na safra 2024/2025 serão monitorados 20 mil hectares de transição de pastagens para agricultura e outros 20 mil hectares com foco em melhores práticas agrícolas de áreas já estabelecidas.
A expectativa é ajudar toda a cadeia a cumprir metas de descarbonização – inclusive os clientes da Cargill, como grandes indústrias de alimentos –, mas também garantir vantagens aos produtores, não apenas econômicas.
“Estamos falando de práticas de agricultura que vão incrementar a produtividade dele (do produtor), que vão trazer uma resiliência para a lavoura dele”, disse a executiva da Cargill. Então, fazem sentido para o produtor.
Ingrid Graziano diz que para que o projeto seja escalável dentro da cadeia, além de incentivar o progresso das ações junto aos produtores, houve foco em tecnologia e inovação, o que justifica a decisão de fazer a parceria com a Mosaic, importante player global de fertilizantes tradicionais, mas que recentemente vem investindo na expansão de biológicos e produtos de menor impacto ambiental.
“Nós vemos que um dos pilares para a agricultura regenerativa é o uso eficiente de fertilizantes, para que tenha menor impacto na emissão de gases e menor impacto ambiental”, afirmou o gerente de produtos da Mosaic, Bruno Benatti, que também conversou com o AgFeed.
O executivo explicou que a empresa já tinha parceria comercial com a Cargill, mas agora passa a participar também do programa ReSolu. Além do suporte técnico em campo, para incentivo ao uso mais eficiente do fertilizante, o principal diferencial será a oferta de “cashback”, que se traduzirá em desconto na linha de produtos “sustentáveis” da Mosaic, principalmente os biológicos, aos produtores participantes.
Quando lançou a linha “Mosaic Biosciences” no Brasil, em março deste ano, a empresa divulgou a meta de atingir US$ 100 milhões em faturamento com estes produtos no País.
A Mosaic não divulgou de quanto será o cashback no acordo com produtores ligados ao programa da Cargill, já que varia de acordo com “os pontos” acumulados por cada cliente.
Na lista de produtos sujeitos ao benefício do cashback estão soluções focadas em bionutrição, incluindo inoculantes, bioestimulantes e biofertilizantes, que atuam na ativação do potencial entre solo, planta e microbioma para melhorar a saúde do solo e a produtividade das lavouras.
Também está no programa a chamada linha de performance, que inclui, por exemplo, um tipo de fertilizante nitrogenado que tem demonstrado menor emissão de gases de efeito estufa. “Em torno de 30% de redução em relação a fontes convencionais”, afirmou Benatti.
Ele diz que produtos que têm uma maior tecnologia agregada terão um cashback maior, já inoculantes e outros mais “comoditizados” ficam com desconto menor. “Justamente como um incentivo para que o produtor possa romper essa barreira da tecnologia”.
Os desafios do atual momento econômico do mercado também não devem atrapalhar, na visão da empresa. “No mercado de fertilizantes, onde as margens são bem apertadas, no momento que a gente tem passado pela agricultura, que também tem margens mais curtas ao produtor, esses valores são incentivos que podem fazer ele adotar essas práticas”.
Financiamento via Banco Cargill
Enquanto na Mosaic o benefício econômico é o desconto nos insumos, por parte da Cargill a vantagem é ter financiamento para converter pastagens degradadas em lavouras.
A linha de crédito disponibilizada pelo Banco Cargill foi estruturada para um prazo de sete anos, com um período de até dois anos de carência, para que seja “um investimento saudável do ponto de vista financeiro”, disse Ingrid Graziano.
Ela explica que no primeiro ano, para recuperar uma área degradada, normalmente ainda é necessário “construir um perfil de solo, o que demanda investir muito pesado em corretivos de solo, condicionadores de solo e culturas de cobertura”. Nem sempre é possível já cultivar soja no primeiro ano, ela diz, com o objetivo de ter raízes e trazer mais matéria orgânica para o solo. Depois disso, no começo, ainda se verifica produtividades mais baixas.
“Por isso essa carência, para justamente dar esse conforto para o produtor poder investir no solo dele, e aí sim ter produtividades que vão trazer rentabilidade para ele depois”, ressaltou.
A Cargill não revela o valor total disponível para as operações, nem a taxa de juros. Graziano admitiu, no entanto, que a ideia é buscar outros investidores neste universo e “distribuir isso no mercado de capitais”.
Uma das tarefas da trading é ajudar o produtor a construir o projeto, calcular quanto vai demandar de maquinário, óleo diesel, mão de obra e insumos, para determinar o montante que ele precisará investir.
Mercado de Carbono
Cargill e Mosaic destacam que a mensuração é um dos pilares fundamentais do projeto. As empresas não revelam suas metas internas em relação a quanto esperam avançar em área e número de produtores a cada ano, dizem que esta primeira safra de monitoramento no campo será fundamental.
“Precisamos medir, ter dados, para entender a dinâmica do que está acontecendo no campo, para a gente tomar cada vez mais decisões baseadas em dados e menos um approach que é guiado só pela implementação de práticas”, explicou a executiva da Cargill.
Graziano diz que o carbono é um dos indicadores que serão mensurados para ver como está performando o impacto das ações que estão sendo tomadas no campo.
“Queremos nos preparar para um mercado de carbono que hoje não está maduro, mas somos otimistas de que, em algum momento, ele pode estar”, afirma.
Ela garante que, ao contrário de outros programas de agricultura regenerativa, não há um compromisso com a “adicionalidade”, em que o produtor tem que mostrar estar fazendo algo que não adotava até então.
A ideia, diz Ingrid, é “estressar a discussão” sobre os dados, em algo que seja aderente para o produtor, para definir o que pode ou não se transformar em meta de redução. “Não queremos deixar o produtor de fora porque ele foi vanguardista na adoção de uma tecnologia”.
As áreas prioridades para Cargill para a iniciativa são Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Minas Gerais. “Em Mato Grosso e Goiás há um potencial bem bacana de redução de emissões, de aumentar microrganismos no solo, o que tem aumentado até nossas expectativas”.
A mensuração pretende identificar, por exemplo, quais culturas de cobertura tem melhores resultados na remoção de carbono.
A metodologia que será usada faz parte de parceria com Regrow Ag, plataforma para mensuração e modelagem do cálculo das remoções, que a Cargill já utiliza em outros continentes.
Em relação à possível comercialização de créditos de carbono, no sistema chamado de “offsetting”, a Cargill diz que por enquanto não está no radar.
O mais factível é poder gerar as reduções de emissões, gerando um produto com baixa pegada de carbono, para que isso seja usado dentro da cadeia, no que se chama de “insetting”.
“Podemos comercializar esse benefício de redução com o cliente da Cargill, com grandes indústrias de alimentos, de bioenergia, ou um produto que tenha esse apelo de baixa produção de carbono. Isso está no radar, mas a gente tem que ser também bastante pé no chão quanto a isso, de que esse mercado, ele vai acontecer na hora que a gente tiver metodologias que são confiáveis”, ponderou Ingrid.
Ela lembra que o mesmo já ocorreu com as certificações da soja. Atualmente o programa chamado 3S da Cargill já compra soja com uma espécie de prêmio ESG. “Anos atrás não existia esea mercado, agora tem, já se paga um prêmio e o produtor é remunerado, o mesmo deve ocorrer com a agricultura regenerativa”.
Do lado da Mosaic, não há planos específicos para o mercado de carbono. A expectativa é usar os dados que serão gerados no projeto para entender melhor o impacto que os biológicos podem trazer na pegada de carbono da soja, por exemplo.