A Amazônia é uma espécie de calcanhar de Aquiles da agropecuária brasileira. Sensível e vulnerável, a região acumula riscos e problemas que, embora localizados, podem derrubar um setor poderoso e gigantesco, seja através de danos à imagem, seja pelos efeitos climáticos que o desmatamento das florestas pode acarretar.

Fragilidade fundiária e baixa produtividade compõem um cenário complexo, que dificulta o seu desenvolvimento sustentável e compromete o sustento de cerca de 500 mil famílias de pequenos produtores rurais. Cerca de 73% delas têm propriedades em áreas de assentamentos, que ocupam 33 milhões de hectares.

Sem recursos e apoio técnico, têm baixa renda. Na pecuária, por exemplo, pastagens degradadas ocupam 10,5 milhões de hectares (ou 50%) das áreas abertas em pequenas propriedades. Quando a pastagem já não é suficiente para o gado – elas respondem por 47% da produção de bezerros na região – eles desmatam novos trechos de floresta.

O diagnóstico claro foi feito por Andrea Azevedo, diretora-executiva do Fundo JBS pela Amazônia, nesta quinta-feira, 19 de outubro, em São Paulo. Em seguida, ela apresentou uma nova iniciativa para tentar, através de um inédito ambiente de negócios, romper esse círculo vicioso: o programa Juntos: Pessoas + Florestas + Pecuária.

Um cheque de R$ 10 milhões do Fundo financia a largada do projeto, que terá dotação total de R$ 100 milhões. A execução da primeira fase fica a cargo da Rio Capim Agrossilvipastoril e acontecerá na região do município de Novo Repartimento, no Pará. Ali, a entidade financiada pela JBS já mantém outras iniciativas – no total, o Fundo apoiou, com R$ 72,9 milhões, 20 projetos, que impactaram 5 mil famílias e 1,9 milhão de hectares.

A aposta, agora, é de que o novo modelo tem potencial para gerar efeitos em maior escala, favorecendo a inclusão do produtor de bezerros e garrotes na transição para a pecuária de baixo carbono, ao mesmo tempo em que permite à indústria uma garantia de origem do gado que abate, graças à proximidade com o criador e à utilização de rastreabilidade em todas às fases.

A ideia é criar hubs reunindo negócios parceiros de impacto, que serão oferecidos aos produtores rurais, levando suporte em atividades como reforma de pastagem, com acesso a tecnologias e técnicas agrossilvipastoris para a melhoria de produtividade.

Na ponta final do projeto, haveria uma maior produção de animais de boa qualidade e de baixo carbono para a indústria frigorífica.

“Entendemos que a pecuária de alta produtividade e de baixo carbono é aliada do pequeno produtor e pode ser realizada por eles, desde que haja um apoio consistente na superação das principais barreiras nesse processo”, afirmou Andrea no evento de lançamento.

“Consideradas as transformações nas demandas de mercado, se nada for feito, eles podem ser pressionados para as margens do setor formal, agravando ainda mais sua vulnerabilidade socioeconômica”, defende.

A Fundação JBS estima que o programa pode ajudar a dobrar a renda do produtor, considerando toda a propriedade. Nas áreas intensificadas, a rentabilidade pode aumentar em até seis vezes. A proposta também prevê uma cadeia rastreada desde a origem e com compliance ambiental.

O primeiro modelo do programa Juntos, que entrará em vigor imediatamente, vai atrair pequenos produtores da região amazônica interessados em fazer parte de um sistema de recria de gado com alta rentabilidade.

O Instituto Rio Capim Agrossilvipastoril coordena o hub e ficará encarregado da cria intensificada do gado, que abarca até o sétimo ou nono mês de vida do animal, e cederá os bezerros rastreados individualmente e com emissão de GTA aos pequenos produtores interessados em fazer a recria.

Ao final de um ano, o produtor recebe um retorno financeiro baseado na produtividade, ou seja, o ganho de peso conseguido no período. Na fase seguinte, o lote é encaminhado para fazendas de engorda ou finalizados em confinamentos.

Um dos serviços integrados ao hub é o de intermediação do acesso desses produtores a linhas de crédito como do Pronaf – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, para reforma de áreas de pasto degradadas ou realização de projetos sustentáveis na propriedade, por exemplo.

Além disso, deve ser testado um modelo para geração de créditos de carbono, que, segundo Valmir Ortega, CEO do Instituto Rio Capim Agrossilvipastoril, tem potencial de oferecer menos de 10% da receita do negócio gerado ao pequeno produtor.

“Trata-se de um sistema escalável de integração pecuária, replicável com condições de mercado”, explica Ortega.

A fase inicial do projeto deve incluir 25 propriedades, mas será rapidamente ampliada. Um segundo modelo de negócios para o programa Juntos está em formatação e será operado em parceria com a fundação Solidaridad, que atua com o Fundo JBS pela Amazônia desde 2021 na assistência de 1.500 agricultores familiares na região da Transamazônica.

“Não temos mais tempo para pilotos”, afirma Andrea Azevedo. Até R$ 100 milhões podem ser aplicados pelo fundo nos próximos anos, com o objetivo de atingir cerca de 3,5 mil famílias. Nos dois modelos previstos, outras iniciativas da JBS, como os Escritórios Verdes, que dão assessoria técnica gratuita para regularização ambiental, e Fazenda Nota 10, que visa o aprimoramento da gestão das propriedades, estarão acoplados.