A Fazenda Santa Rita, localizada na cidade de Paranavaí, na região Noroeste do Paraná, era uma área degradada até que a família do agricultor André Mataruco decidiu arrendar o local, em 2017, para plantar mandioca. Desde então, eles começaram a implementar ali as mesmas técnicas de agricultura regenerativa adotadas em outras duas fazendas da família, onde integram lavoura, floresta e pecuária.
O resultado tem sido surpreendente: a produção de mandioca saltou de 80 toneladas por alqueire em 2017 para 145 toneladas na última safra.
“Existia um mito de que a mandioca acaba com a terra e a gente conseguiu mostrar que o que influencia é a forma como se trata o solo”, disse Mataruco ao AgFeed.
Hoje, 100% da produção de mandioca da Fazenda Santa Rita é vendida para a gigante de alimentos General Mills, que vem incentivando outros produtores a seguirem o exemplo de André, com a oferta de capacitação e treinamentos.
O mais recente deles aconteceu na cidade de Patrocínio, Minas Gerais, em dezembro. Durante três dias, uma dezena de produtores de batata, mandioca, milho pipoca, amendoim e especiarias como orégano, páprica e pimenta preta visitaram áreas que são referência em agricultura regenerativa.
Entre elas, as fazendas da Agro Beloni, a primeira empresa a receber certificação de café regenerativo do país, que tem realizado experimentos bem-sucedidos para implementar práticas regenerativas na produção de batata.
Na Beloni, o cuidado com o solo também é regra para garantir a produção. Por lá, eles integram técnicas de plantio direto, cobertura verde e utilizam maquinário que preserva a estrutura do solo, além de evitar o uso de insumos químicos.
“O preparo do solo é o que evita pragas e se a compostagem é bem-feita a gente reduz a necessidade de adubação química”, diz Carmelo Beloni, que lidera a fazenda ao lado de outros dois irmãos.
“Incentivar os produtores que fornecem para nós a adotar melhores práticas e a implementar a agricultura regenerativa faz parte das nossas metas globais para reduzir emissões de gases do efeito estufa”, diz Franciele Caixeta, coordenadora de Desenvolvimento Agro da General Mills para América Latina, ao explicar a importância do processo de conscientização do agricultor de que é alta produtividade pode caminhar junto com a adoção de técnicas regenerativas.
Conhecida mundialmente pela produção de cereais e snacks e dona de mais de 100 marcas em variados segmentos das cadeias de alimentos, dos temperos da Kitano aos sorvetes Häagen-Dazs, a General Mills tem avançado no Brasil com aquisições como o controle da Yoki, por R$ 2 bilhões, em 2012
A empresa fatura mais de US$ 20 bilhões globalmente e tem hoje alguns dos mais ativos programas de agricultura regenerativa junto a seus fornecedores em todo o mundo. A General Mills estabeleceu como meta reduzir suas emissões de gases do efeito estufa (GEE) em 30% até 2030, além de atingir emissões líquidas zero de suas operações fabris até 2050.
Nos Estados Unidos, onde fica sua sede, a companhia fechou recentemente parcerias com grandes varejistas como a rede Walmart. A companhia também anunciou um investimento de US$ 2,5 milhões para uma parceria com a ALUS, uma organização que apoia financeiramente comunidades no Canadá, para incentivar produtores no processo de migração para a agricultura regenerativa.
Em solo brasileiro, a General Mills desenvolve um programa que antecipa receita a produtores rurais com os quais possui contrato de fornecimento exclusivo – e cujos valores não são divulgados. “Nosso objetivo é dar um incentivo para que esses produtores possam investir em boas práticas”, diz Franciele, da General Mills no Brasil.
Mary Jane Melendez, diretora de sustentabilidade da empresa, destacou esse foco ao comentar o último relatório de sustentabilidade da companhia. “Não se trata apenas de fortalecer um ingrediente-chave, mas de olhar para a exploração agrícola como um ecossistema vivo e procurar maximizar o seu potencial.”
Meta e maior produtividade
A meta global da empresa é ter 400 mil hectares utilizando práticas de agricultura regenerativa até 2030. Para mensurar essa evolução, a General Mills tem investido em ferramentas de monitoramento para avaliar níveis de emissão de gases de efeito estufa nas lavouras de seus principais fornecedores, além de coletar dados sobre produtividade em culturas como batata, mandioca, amendoim e especiarias.
No Brasil, o parceiro para esse projeto é o Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola), que realizou um estudo no qual mapeou as características do solo e climáticas de 14 áreas arrendadas pela Yoki para o plantio de batata, mandioca, milho e amendoim.
O levantamento apontou uma série de oportunidades para a aplicação de práticas sustentáveis, algumas das que estão sendo adotadas pelas fazendas Beloni e da família Mataruco.
Entre as boas práticas, o Imaflora destacou a redução da aração do solo como essencial para a manutenção do estoque de carbono; ampliação das áreas de cobertura para preservação dos nutrientes; diversidade de culturas para prevenir erosão; integração lavoura pecuária, importante para a recuperação de áreas degradadas e a manutenção da raiz viva, que ajuda a manter o ciclo dos nutrientes sem retirada de carbono.
“A agricultura regenerativa ainda está em fase de iniciação no Brasil, mas já é fato que ela ajuda a melhorar a qualidade do solo e, com isso, na ampliação da produtividade”, diz Giulia Andrich, engenheira Agrônoma do Imaflora.
Em Campo Novo do Parecis, no Mato Grosso, 14 fazendas que produzem milho pipoca para a Yoki fizeram um teste com práticas regenerativas, que levaram a uma redução de 70% das emissões de carbono e a um ganho de produtividade de 6%.
O estudo, concluído em 2020 pelo Imaflora, sinaliza que as emissões dos milhos de pipoca produzidos na região estão potencialmente entre os dez mais eficientes sistemas de produção globais de milho, registrando cerca de 0,25 toneladas de CO2 em emissões de gases de efeito estufa por tonelada de produto, quando a média mundial é estimada em 1,7 tCO2e.
O desafio da General Mills, assim como de outras empresas que dependem da relação com fornecedores, é conseguir fzer com que eles se engajem nos programas.
A empresa, que atua quase que 100% por meio de arrendamentos de terra ou compra de produtores rurais, precisa contabilizar as emissões de escopo 3 (aquela gerada por terceiros na cadeia ou fornecedores) nas suas métricas de sustentabilidade para que possa atingir a meta de redução de GEE – o que não é possível com a contabilização apenas dos escopos 1 e 2 (que são as emissões diretas da companhia).
Além disso, a pressão para que gigantes globais do setor intensifiquem seus esforços para conter o aquecimento mundial cresce a cada dia.
Na COP-28, finalizada essa semana em Dubai, nos Emirados Árabes, líderes da produção de alimentos como Nestlé e Pepsico se comprometeram a cobrar de suas cadeias de fornecimento ações efetivas para conter os impactos que o setor provoca no clima.
De acordo com a S&P Global, cerca de metade das empresas de alimentos e bebidas em nível mundial assumiram compromissos públicos com a agricultura sustentável e regenerativa, com 85% empregando programas para reduzir o consumo de água.
Os sistemas alimentares são responsáveis por 30% das emissões de GEE do planeta, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas).
Já é consenso que a agricultura regenerativa, que busca se afastar dos fertilizantes sintéticos, monoculturas e minimizar o uso de produtos químicos, tem papel fundamental para melhorar a saúde da água e do solo, além de produzir alimentos mais saudáveis e aumentar a produtividade e os lucros do agricultor.
“Quando meu avô começou, há mais de 50 anos, a fazenda tinha pasto, floresta e lavoura e a rotatividade de culturas garantia a saúde do solo e a melhora da produtividade. O que estamos fazendo é voltar às nossas origens”, conclui Carmelo Beloni, de Patrocínio, depois de apresentar parte da sua fazenda, onde há plantio de café, batata e soja para rotação de cultura.