Fora dos grandes centros urbanos, como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre ou Belo Horizonte, o acesso às artes, principalmente visuais, pode ser bastante restrito. A falta de infraestrutura, como museus e galerias, e o alto custo envolvendo a montagem de exposições fazem com que as opções sejam limitadas.
Para tentar reverter a situação, ao menos no interior de São Paulo, a família Chateaubriand, tradicional investidora em artes, inaugurou um instituto para expor parte da vasta coleção de obras montada ao longo de décadas.
O Instituto Cultural Gilberto Chateaubriand, ou ICGC, está instalado na Fazenda Rio Corrente, em Porto Ferreira, a cerca de 50 quilômetros de São Carlos e a 90 quilômetros de Ribeirão Preto.
Ocupa uma antiga tulha, à beira da estrada, que há muitos anos não era usada. Após o atraso provocado pela pandemia, o espaço finalmente foi inaugurado no início de agosto.
O projeto é antigo. "Era um desejo do meu pai, Carlos Alberto, como forma de homenagear meu avô", conta Flávia Chateaubriand, neta de Gilberto e diretora-executiva da instituição.
"Mas meu avô queria que as obras fossem vistas. Ele dizia que a arte era para ser vista, e não para ficar guardada em uma casa ou apartamento", diz ela.
A família tem uma longa conexão com as artes. O jornalista, empresário e mecenas Assis Chateaubriand (1892-1968), o Chatô, pai de Gilberto, fundou o Museu de Arte de São Paulo (MASP), em 1947, com uma coleção que ele mesmo construiu.
Nas viagens à Europa, comprou quadros de grandes mestres por preços convidativos. Também doou o primeiro acervo para o Museu Regional de Campina Grande, na Paraíba, que foi rebatizado de Museu de Artes Assis Chateaubriand (MAAC) em 1967.
Gilberto seguiu os passos do pai e reuniu uma das mais notáveis coleções de arte, com obras de ícones brasileiros como Portinari, Di Cavalcanti, Antônio Bandeira, Amílcar de Castro, entre outros.
A escolha da fazenda para expor parte desse acervo foi natural. "Era o canto dele, onde ele se sentia em casa. Ele adorava o campo, os animais", afirma Flávia. A estrutura também permitia que sejam expostas esculturas, além dos quadros.
"Foi uma coisa muito orgânica. Muita coisa que meu avô comprava vinha para cá mesmo". Além das obras que ficavam expostas na propriedade, havia um cômodo dedicado ao acervo, repleto de peças aguardando o momento de serem exibidas.
A fazenda Rio Corrente já produziu café, algodão e gado leiteiro. Depois que a família assumiu, em 1972, a produção mudou. O café e o algodão deram lugar a plantações de citros.
O rebanho de gado leiteiro foi sendo reduzido e hoje é pequeno, apenas para garantir leite e queijo frescos. A laranja persistiu por décadas, mas no início dos anos 2010 ela foi abandonada de vez por conta do baixo valor de mercado dos frutos.
Hoje, boa parte da fazenda é arrendada para usinas de cana de açúcar. A família ainda cultiva eucalipto, abacate, mandioca e soja em uma parte da propriedade.
Um antigo campo de futebol foi transformado em área de aquicultura, com tanques de criação de tilápia e camarão. Há ainda uma manada de cavalos para passeio.
A tulha onde está o instituto, no entanto, fica distante da área produtiva da fazenda. Lá, as obras são expostas a partir de recortes específicos dentro da vasta coleção, que começou a ser formada em 1953 e hoje conta com 8,4 mil itens, entre quadros, esculturas, desenhos, fotografias, videoarte e esboços e estudos feitos pelos artistas.
"O objetivo é trocar a exposição ao menos uma vez por ano e convidar curadores para pensarem nas mais variadas possibilidades expositivas", conta Flávia.
A primeira mostra, "A Casa do Colecionador", reúne 165 obras, principalmente peças que estavam no apartamento de Gilberto, no Rio de Janeiro, além das esculturas localizadas na área externa.
A proposta é oferecer uma visão íntima sobre algumas das obras mais queridas do colecionador. Ao longo de 70 anos, a coleção passou a abranger uma grande diversidade de movimentos artísticos brasileiros. Gilberto Chateaubriand comprava o que gostava, e dava especial atenção a novos artistas que julgava promissores.
Boa parte do que adquiriu foi baseado em seu próprio faro. Segundo Flávia, não comprava peças apenas para ter um ou outro artista no acervo.
Hoje, a coleção encontra-se em comodato com o Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro, responsável pela guarda da maior parte do acervo, cerca de 6.400 peças.
O sistema permite que as obras sejam pedidas pela família quando outras exposições forem montadas, e também podem ser expostas pelo museu dentro de mostras temáticas.
O foco do Instituto é a formação cultural de crianças. Por isso, a prioridade durante a semana é para excursões organizadas por escolas de várias cidades do entorno.
Há um trabalho de atrair o público escolar e universitário para o instituto, uma das poucas opções de acesso às artes visuais em um raio de 100 quilômetros.
"A arte e a cultura abrem a cabeça do jovem e da criança, expandem a compreensão da realidade", diz Flávia. "Por isso, queremos receber jovens, estudantes e pesquisadores".
O instituto também recebe outros visitantes aos finais de semana, sempre com agendamento prévio. Há um limite de convidados por dia, para garantir que todos possam aproveitar as obras com calma. A entrada é gratuita.
Por enquanto, a maior parte desses visitantes vem de São Paulo e já tem um interesse maior por arte. São pessoas que aproveitam o final de semana para conhecer a cidade, comer em algum restaurante e passar a noite em uma pousada da região.
Agora, a meta é atrair os habitantes do entorno por meio de palestras e outros eventos complementares às exposições.
O Instituto terá ainda um Núcleo de Pesquisa, que começa a funcionar agora, mas ganhará corpo nos próximos meses. Inicialmente, o foco é na análise de trabalhos que integrem a coleção Chateaubriand, e o primeiro nome é Paulo Roberto Leal (1946-1991).
Para o ano que vem, a equipe vai estruturar um prêmio e um modelo de residência artística.