As fábricas de panetone estão a todo vapor neste momento para atender a demanda de mais um Natal. Mas nem tudo o que é fabricado por uma indústria de alimentos necessariamente vai para as gôndolas de supermercados.

Como em todo processo produtivo, resíduos ficam pelo caminho e geralmente são incinerados ou acabam sendo destinados para compostagem.

As sobras chamaram a atenção de um player global do segmento de soluções ambientais, que viu nesse negócio uma oportunidade para transformar resíduos em um produto com valor agregado.

Trata-se da Ambipar, um gigante em seu segmento. Presente em mais de 40 países ao redor do mundo, listada na B3 e com presença também na Bolsa de Nova York, a NYSE, através de uma subsidiária, a empresa registrou uma receita líquida de R$ 4,9 bilhões no ano passado.

A companhia tem adquirido várias concorrentes, tem mais de 20 mil funcionários e viu seus papéis na B3 se valorizarem mais de 1000% em apenas um ano. As ações, que eram cotadas a cerca de R$ 15 em novembro do ano passado, hoje estão sendo negociadas a R$ 164.

Mais conhecida pelo negócio de coleta, gestão e tratamento de resíduos, a companhia também desenvolve projetos de geração de energia a partir dos materiais que recebe.

O projeto EcoÁlcool é uma das frentes na linha de produtos agrícolas da empresa, que também fabrica fertilizantes orgânicos e condicionadores de solo a partir de resíduos industriais, nas linhas Ecosolo e Ecocorretivo – e que entram também no negócio de reflorestamento da companhia, auxiliando na recuperação de áreas degradadas.

Para além do agro, a Ambipar presta serviços para diversos outros setores, como mineração, óleo e gás, papel e celulose, construção civil, entre outros, oferecendo serviços de resposta a emergência ambientais, consultorias, gestão de risco, limpeza industrial, entre outras atividades.

Tudo começou no momento em que eclodiu a pandemia do coronavírus, em 2020. Quando os primeiros casos de covid-19 começaram a ser confirmados no Brasil, entre fevereiro e março daquele ano, houve uma corrida dos consumidores aos supermercados e, em questão de dias, já praticamente não havia mais álcool para desinfecção nas prateleiras.

Diante da falta de oferta e do excesso de demanda, rapidamente as indústrias começaram a se mexer.

Naquele momento, a Ambipar começou a estudar formas de produzir álcool a partir de outras matérias-primas e encontrou a possibilidade de fabricar o produto a partir de resíduos da indústria de alimentos como sobras de balas, panetones, chocolates, entre outros produtos e também a partir de rejeitos de produtos agrícolas como açúcar, soja, milho, trigo.

O start veio a partir de uma demanda de um cliente grande, um dos maiores produtores de açúcar do Brasil, com operação no Porto de Santos, em São Paulo.

A empresa fazia a varrição de materiais que caiam no chão ou que são oriundos da limpeza de equipamentos, e tinha problemas em lidar com esses materiais, que atraem insetos e trazem mau-cheiro para áreas urbanas.

Na sequência, recorda o diretor corporativo de pesquisa, desenvolvimento e inovação da Ambipar, Gabriel Estevam, uma companhia de bebidas começou a querer testar novas destinações para sucos de uva e laranja que estavam próximos do vencimento ou que passou por alguma avaria durante seu processo produtivo.

A Ambipar, então, partiu também para estudar possibilidades de negócio com indústrias de alimentos.

“Hoje a gente está fabricando álcool com sobra de bala, de chocolate, com wafer, tudo que tem amido e açúcar conseguimos transformar em produto”, afirma Estevam.

O processo de produção envolve a degradação das moléculas de açúcar presentes nos alimentos, que ocorre via fermentação.

O álcool pode vir até mesmo de produtos que não são tão óbvios como uma bala cheia de açúcar.

“O panetone, por exemplo, é feito basicamente de trigo, que é uma das matrizes que mais produz álcool”, acrescenta ele.

A Ambipar firmou um contrato com uma grande companhia do setor de alimentos, que Estevam prefere não revelar o nome por sigilo contratual, para fabricar álcool a partir de sobras de bolachas, balas e outros alimentos produzidos por essa empresa.

O álcool é fornecido à empresa em embalagens de 1 litro, 5 litros e 50 litros, na versão 46%, utilizado em limpeza e 70%, destinado à higienização.

“É muito caro às vezes você mandar esse material para compostagem ou incineração. Esse produto traz uma economia de custo de disposição e é nobre, até na embalagem, que é feita com plástico reciclado”, afirma Esevam.

Por mês, são processadas mais de 500 toneladas de resíduos da indústria de alimentos. A cada uma tonelada de resíduo, é possível produzir em torno de 350 litros concentrados de álcool.

Até o momento, a Ambipar já conseguiu obter aproximadamente 200 mil litros de álcool, segundo Estevam. A produção começou a ganhar fôlego entre o fim de 2021 e o começo de 2022.

Como a Ambipar não é uma empresa sucroalcooleria, a companhia terceiriza o processo produtivo de fermentação do álcool para uma usina do interior de São Paulo de pequeno porte.

“No começo, tive muita dificuldade porque eu batia na porta das usinas e como elas já estão habituadas com a cana-de-açúcar, é muito difícil a empresa parar o seu processo produtivo para eventualmente testar outras matrizes. Foquei, então, nas indústrias menores, que eram mais flexíveis”, afirma Estevam.

A usina faz o processo de fermentação do álcool e entrega o produto à Ambipar, que faz o processo de envase em sua unidade em Nova Odessa (SP).

Apesar de contínuo desde que o trabalho iniciou, o volume de produção é inconstante, segundo Estevam, porque depende da disponibilidade de resíduos do processo industrial.

“Agora no final do ano, a tendência é aumentar bastante, porque as indústrias produzem muito, muito doce, muito chocolate, muito panetone”, afirma.

Gabriel Estevam, diretor corporativo de pesquisa, desenvolvimento e inovação da Ambipar

Etanol e perfumaria

Como o álcool também serve para abastecer carro, a Ambipar está testando há oito meses possibilidades de utilização do biocombustível feito a partir dos resíduos industriais para abastecer sua frota própria e de veículos alugados.

Recentemente, em agosto, a companhia fez uma negociação para renovar sua frota via leasing como forma de reduzir sua alavancagem. A Ambipar vendeu 502 máquinas e equipamentos de linha amarela para o grupo CHG-Meridian e 1.607 caminhões para a Addiante, assinando contratos de locação com essas empresas para alugar parte dos veículos comercializados e renovar outra parte.

Estevam diz que os veículos alugados também poderão receber o biocombustível fabricado com rejeitos. A ideia é utilizar parte desse etanol na frota já no primeiro trimestre de 2025.

A intenção, no entanto, não é levar o biocombustível para fora da empresa, ao menos nesse primeiro momento.

“Não é o core business da empresa, mas deixo de comprar etanol, deixo de utilizar a matriz convencional e atingir uma boa parte do que eu economizo. Para nós é um grande resultado”, afirma Estevam.

Apesar de não comercializar o produto, Estevam diz que a Ambipar segue padrões de pH, acidez e condutividade estabelecidos pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) para a fabricação do biocombustível. “O mesmo etanol que uma grande bandeira vai ter, eu vou ter também em termos de qualidade.”

Outra frente, ainda em fase de testes preliminares, é também disponibilizar o álcool que é gerado para o setor de perfumaria, de olho nas estratégias ESG das companhias do setor.

Ao contrário do que parecer, o grande desafio de escalar a produção do álcool não está no processo produtivo em si, mas na logística de recebimento da matéria-prima, que encarece o custo de produção.

Estevam diz que uma forma de contornar esse problema seria ter usinas produtoras de álcool próximos à unidade produtiva de originação do resíduo.

“Se você tem, por exemplo, uma fábrica de doces no Sul, que produz bastante doce, é invável trazer o resíduo para São Paulo”, afirma Estevam. “Se eu conseguir clientes que justifiquem um volume de produção, é possível criar unidades menores próximas do resíduo”, acrescenta.