A Danone compra, por mês, cerca de R$ 40 milhões em leite de 275 produtores que têm contrato de fornecimento exclusivo com a multinacional. Agora, inicia uma jornada para promover o bem-estar das vacas e bezerras que garantem a matéria-prima de seus iogurtes e demais produtos lácteos.
Uma das estratégias é enfatizar que cuidar bem dos animais também é lucrativo para o produtor rural.
A companhia anunciou nesta quinta-feira, dia 23, durante um encontro com seus fornecedores, chamado Jornada Flora, investimentos de R$ 3 milhões até 2025 somente para este fim.
O evento foi todo voltado para mostrar a importância de cuidar bem dos animais para emitir menos carbono, produzir leite de maior qualidade e promover as chamadas práticas regenerativas na pecuária leiteira, com a meta de atingir 30% dos principais ingredientes da Danone sendo obtidos nas fazendas que adotam essas práticas.
Na teoria, somente fazer bem ao animal e ao meio ambiente poderia convencer um fazendeiro a adotar maiores cuidados com seu rebanho. Mas na prática, como disse Cristiano Nascif, diretor da consultoria Labor Rural, o produtor também precisa sentir “o dinheiro no bolso”.
Nassif foi o responsável por apresentar aos produtores os argumentos econômico-financeiros para adotar melhores práticas de gestão e bem-estar animal em uma fazenda leiteira. E os números impressionam.
A Labor Rural atende diversas empresas do setor de alimentos, inclusive laticínios, e tem uma parceria com a Danone. Ao analisar dados de vários produtores, a consultoria fez uma comparação entre as fazendas que emitem mais e as que emitem menos carbono.
No grupo com maior emissão de carbono, o volume jogado na atmosfera é quase o dobro em relação ao grupo menos emissor.
Em relação ao consumo de matéria seca, que consiste na massa de alimentos consumida por um bovino descontando-se a água contida nela, a diferença diária por vaca é de 700 gramas a mais para os bovinos das fazendas que emitem menos carbono.
Apesar disso, quando se considera as receitas geradas por cada vaca, já descontadas as despesas com alimentação, há uma diferença grande entre os dois grupos. Segundo a Labor Rural, cada vaca de uma fazenda com mais sustentabilidade resulta em uma média de R$ 44,50 de receita líquida, contra R$ 23,40 nas propriedades mais emissoras.
“É uma questão de produtividade. Uma vaca melhor cuidada fica mais tranquila, mais feliz, e por isso, produz mais com despesas praticamente iguais àqueles produtores que não adotam um bom manejo”, diz Nascif.
Outro ponto destacado pelo consultor é o que ele chama de “estrutura de rebanho”, ou seja, quanto do plantel total está em fase de produção de leite. Segundo o levantamento, no grupo com maior índice de emissão de carbono, as vacas em lactação não chegam a 34%. No de menor emissão, esse índice salta para quase 46%.
Com isso, o grupo de menores emissões consegue produzir mais que o dobro de leite por hectare, com quase 14 mil litros por ano, contra pouco mais de 6,3 mil do outro grupo. Em litros por vaca ao dia, a diferença é de 18,4 litros contra 30,3 litros.
Na hora de vender o leite, o levantamento feito pela Labor Rural mostra uma curiosidade. O preço médio por litro conseguido pelas fazendas mais emissoras é ligeiramente maior, em R$ 2,70, contra R$ 2,66 do outro grupo.
No entanto, a diferença no custo operacional total por litro, desta vez a favor das menos emissoras, é maior. As propriedades mais sustentáveis têm custo médio de R$ 1,92 por litro, contra R$ 2,21 do outro grupo.
Assim, a margem líquida por vaca em lactação é o triplo para as fazendas menos emissoras, ficando em R$ 7.542, contra R$ 2.408 para aquelas com gestão menos sustentável.
Quando se mede a margem líquida por hectare, e diferença é ainda maior, de R$ 9.543 para as menos emissoras contra R$ 2.281 para as propriedades mais emissoras de carbono.
Depois de tudo isso, Nascif apresentou o número que realmente significa o “dinheiro no bolso” do produtor de leite. Aqueles mais sustentáveis conseguem uma taxa de retorno do capital imobilizado em terra de quase 17% ao ano, em média, já descontada a inflação. Para os maiores emissores, o retorno fica abaixo de 5,5% ao ano.
“Se apresentar esse retorno para qualquer investidor da bolsa de valores, ele vai ficar muito impressionado. É uma atividade muito rentável”, diz Nassif.
Danone quer “100% regenerativo”
Henrique Borges, diretor de Compras da Danone Brasil, tem um relacionamento muito direto com os fornecedores. Ele afirma que o objetivo é que as práticas regenerativas atinjam os 1,4 mil hectares das 275 fazendas que hoje produzem leite para a empresa.
“São 550 mil litros de leite por dia, e 70% dos nossos fornecedores são pequenos produtores. Nós queremos que eles tenham todas as condições para aderir a esse compromisso”, diz Borges.
“A Danone tem uma cultura global de apoio às práticas regenerativas. Mas aqui no Brasil, além dos cuidados com o solo e com a água, achamos importante incluir nesse compromisso o bem-estar animal, e a valorização e os cuidados com as pessoas que trabalham nas fazendas”, explica Taísa Costa, gerente de Sustentabilidade da Danone.
Borges explica que as fazendas mais eficientes que têm contratos com a Danone emitem 50% menos carbono, e têm margem cinco vezes maior. “A lucratividade de uma fazenda sustentável é de 24% ao ano, e a não sustentável tem 12% de retorno”, afirma.
Os produtores têm contrato de exclusividade com a Danone, de longo prazo, e usam algumas variáveis para estabelecer o preço, como o índice levantado pela USP, e até mesmo a qualidade do leite, medida pela proporção de gordura e proteínas.
Um dos produtores presentes ao evento, Maurilio de Souza Siqueira já tem mais de 30 anos de relação com a Danone. Ele afirma que adotar as práticas mais sustentáveis é “uma questão de sobrevivência” para os produtores de leite.
“Estamos passando por uma crise de preço, com as margens achatadas. Se eu não tiver uma boa produtividade, não consigo continuar. E para atingir isso, preciso ter um bom manejo, preciso cuidar bem dos animais”, afirma Siqueira.
O produtor conseguiu crescer muito desde que começou sua relação com a Danone. No começo, ele produzia cerca de 50 litros de leite por dia. Agora, sua média é de 20 mil litros diários.
“Se nós tratamos bem os animais, temos uma mortalidade menor. Com mortalidade menor, temos mais vacas, e assim, mais receita. Eu sempre digo para quem trabalha comigo que as vacas são as patroas da fazenda”, diz Siqueira.
Atualmente, o produtor tem 560 vacas, e cada uma produz 38 litros de leite por dia, em média. “Nós reciclamos água para usar no biodigestor, somos praticamente autossuficientes em energia. Usamos painel solar. Até mesmo a areia usada na cama das vacas, nós reciclamos”, conta.