O que era um "sítio", de 90 hectares, praticamente um hobby para o patriarca José Vick em 2005, hoje é uma fazenda de 1,2 mil hectares que acaba de entrar no seleto grupo da Bayer Foward Farming, iniciativa da gigante alemã que promove a agricultura sustentável e regenerativa em "fazendas inteligentes" em todo o mundo.
A propriedade conhecida como Fazenda Estância passa por uma sucessão familiar e cada vez mais está sendo liderada pelas filhas Nathalia e Aline. Foi a segunda fazenda no Brasil a entrar na iniciativa. São 29 fazendas referência global em práticas de agricultura regenerativa espalhadas em 14 países.
No Brasil, a outra propriedade do Bayer Foward Farming é a Fazenda Nossa Senhora Aparecida, em Água Fria de Goiás (GO), e pertencente à família Fiorese. Por lá, são 5,7 mil hectares que cultivam soja, milho, feijão, trigo, sorgo e pecuária de corte.
O AgFeed conheceu a propriedade em Pirassununga esta semana para entender como funcionam, no campo, as práticas de agricultura regenerativa.
A fazenda comprada por José Vick há 20 anos tinha uma peculiaridade. Foi ali, algumas décadas antes, que sua esposa Doralice havia nascido, e onde seu sogro mantinha uma produção de leite.
O que era um hobby virou uma paixão para José Vick, que foi comprando propriedades vizinhas e expandindo áreas ao longo dos anos.
A chave da sustentabilidade foi virada entre 2019 e 2021, quando suas filhas iniciaram o processo de sucessão e colocaram os dois pés na agricultura regenerativa. “Meu pai nos deixou tomar a frente da bandeira de sustentabilidade”, contou Aline Vick.
Antes disso, contudo, ela afirma que a fazenda já fazia plantio direto desde 2009 e, em algumas safras, era cultivado o girassol após uma safra de verão de soja e uma de inverno de milho.
“Hoje, preferimos abrir mão de um cultivo comercial para manter a palhada no solo para regenerar. Meu pai comprou a ideia”. Aline é economista e sua irmã, Nathalia, formada em administração de empresas e gestão para o agronegócio. Apesar disso, garantem que aprendem a tocar o negócio no dia a dia, na prática, de sol a sol.
A transição da carreira financeira para a agrícola foi natural, segundo Aline. Ela afirma que o que manteve ela no negócio foi o caminho da sustentabilidade. Foi nessa época que a fazenda aderiu ao programa PRO Carbono, também da Bayer, e colocou as práticas regenerativas em um primeiro talhão.
“Começamos tudo sempre por um talhão. Gostamos de testar muito e depois vamos expandindo o que vemos que dá certo”.
Boas práticas, na prática
A propriedade adota, além da rotação de culturas e da cesta de insumos, a rotação de raízes. Quando a análise de solo detecta algum talhão que está mais compactado, com menos atividade biológica, ou com problemas de nematoides, aquele pedaço da fazenda entra em um período de descanso.
Nesse momento, Aline Vick e a equipe de campo entram com culturas de cobertura para melhorar a qualidade daquele solo para a próxima safra.
“Num solo compactado, usamos nabo forrageiro, que vai ter um volume de raiz que vai descompactar. Se tem problema de nematoides, escolhemos uma cultura que corte esse ciclo. Às vezes só queremos produzir palhada e nitrogenar, escolhemos mix como milheto com crotalária”, exemplifica a gestora.
Ela explica que com isso, a fazenda cria seu próprio banco de dados, o que facilita saber qual cultura é melhor para cada pedaço da propriedade.
Nos insumos, além de trocar com frequência as moléculas químicas utilizadas, para evitar resistência de ervas daninhas e de pragas, a Fazenda Estância já tem usado biológicos.
Na safra atual, ela conta que nos nematicidas, metade da área recebeu algum produto biológico. Além disso, ela conta que todo plantio conta com bactérias fixadoras de nitrogênio.
Além de entrar para o programa PRO Carbono, da Bayer, Aline conta que conduziu, junto com a USP, um mapeamento de todos os solos da fazenda. A pesquisa serviu para mapear as enzimas e indicadores de vida do solo. Segundo Aline Vick, esses dados ajudam a fazenda a entender como fazer um manejo melhor e qual talhão “descansar”.
“Para nós, o carbono é um indicador de vida, e não um gerador de créditos. Quanto mais carbono no solo, vimos que temos mais produtividade. Isso tudo mostra que a agricultura regenerativa não demanda uma perda produtiva, muito pelo contrário”, contou.
Além do inventário de carbono dentro do solo, Aline Vick afirmou que a Fazenda Estância começou a medir a pegada de carbono acima do solo, para calcular o balanço.
A propriedade está localizada numa região de transição entre a Mata Atlântica e o Cerrado. Com isso, conta com alguns tipos de floresta e abriga uma fauna diversa, segundo Aline. Além das minhocas presentes em partes do solo, a propriedade conta com dois hotéis de abelhas. “Nos entornos encontramos tatus, cotias, lobos, onças-pardas e até uma jiboia”, conta.
A Fazenda Estância não possui irrigação, portanto, depende muito da quantidade e periodicidade correta das chuvas. Nos últimos anos, Aline Vick conta que a precipitação foi variada, e mesmo assim, a produtividade se manteve em níveis próximos.
Em 2019, foram 1,2 mil milímetros de chuva, quantidade que caiu para 872 milímetros em 2020. Nos anos seguintes, a quantidade oscilou de 1,3 mil para 2 mil e 1,2 mil milímetros em 2021, 2022 e 2023, respectivamente.
Já a produtividade da soja se manteve entre 3,9 toneladas por hectare e 4,2 toneladas na fazenda da família Vick. A média de outras propriedades de Pirassununga ficou em 3,3 mil toneladas.
“Quando comparamos o volume hídrico que tivemos na região, que se alternou entre anos secos e úmidos, vimos que excesso de chuva também prejudica a produtividade. Mas apesar de volumes muito diferentes, a produção da fazenda é estável, e isso vai ao encontro do que colocamos de foco na fazenda que é a saúde do solo”, afirmou.
Uma safra difícil
Aline Vick afirma que desde que assumiu a gestão operacional da Fazenda Estância, a safra 2023/24 foi a mais difícil. Dos 1,2 mil hectares, são cerca de 760 dedicados aos grãos como soja, milho e sorgo, e o restante conta com cultivos de cana e mandioca.
Segundo ela, por questões climáticas. “Faltou chuva nos momentos principais, e tivemos plantas morrendo de escaldadura. Foram 15 dias sem chuva e com temperaturas acima de 40 graus no começo do ano”, conta.
Ainda assim, a produtividade média da fazenda na colheita de soja não teve uma grande quebra.
De acordo com a gestora, a média dos últimos anos na colheita da oleaginosa era de 72 sacas por hectare. Na safra atual, foram 68 sacas. Ela atribui essa resiliência justamente às “boas práticas de saúde do solo”.
Mesmo com as dificuldades, ela afirma que a taxa de replantio chegou aos 3% na propriedade, abaixo das fazendas vizinhas, que segundo Aline Vick, chegaram a replantar até três vezes.
Atualmente, a propriedade está no meio do cultivo de milho e de sorgo na safrinha. Dos 760 hectares de cultivo de grãos, 160 hectares estão “descansando” com culturas de cobertura nesta safra. Na temporada anterior, foram 260 hectares.
Enquanto espera para colher o milho e o sorgo, Aline já se prepara para cotar os insumos para a safra 2024/25. Segundo ela, a ideia é, na próxima temporada, fazer uma correção de solo em taxa variável.
“Já fizemos experimentos em plantio com taxa variável, e agora queremos corrigir e usar os fertilizantes dessa forma. Com base em alguns cálculos que fiz em um dos talhões, estimo uma economia de 38 toneladas de calcário por hectare”, conta.