O uso de dados e a inteligência artificial (IA) na agricultura são os caminhos para seguir aumentando a produção, de forma cada vez mais sustentável. O recado é da gigante mundial de tecnologia Microsoft, que vem buscando ampliar a oferta de produtos para o agronegócio.

Em entrevista exclusiva ao AgFeed, a CEO da Microsoft no Brasil, Tânia Cosentino, disse que a mais recente tecnologia lançada pela empresa, o “Copilot", inspirado na inteligência artificial do ChatGPT, deve surpreender os agricultores brasileiros em breve.

A executiva conversou conosco um pouco antes de falar para uma plateia de centenas de produtores e empresários do agronegócio, durante o evento One Agro, promovido pela Syngenta.

Ao grupo, Cosentino falou sobre os compromissos globais da Microsoft com a sustentabilidade e a necessidade de "fazer mais, com menos”.

Neste sentido, a chamada IA generativa, uma técnica de aprendizado de máquina para a criação de novos conteúdos escritos, visuais e auditivos a partir de dados existentes, é a grande tendência nas soluções corporativas e já vem sendo trabalhada com foco no agronegócio.

A aposta recente da Microsoft está relacionada ao acordo fechado no ano passado com a OpenAI, responsável pelo "robô” que vem revolucionando o acesso mais amplo a inteligência artificial, o Chat GPT.

Para Cosentino, a agroindústria está em um ponto crucial, já que a produtividade precisa crescer 70%, enquanto a emissão de carbono precisa ser reduzida em 26%.

Os principais trechos da entrevista completa da CEO da Microsoft ao AgFeed você confere a seguir.

A Microsoft tem buscado se aproximar do agronegócio. Que recado a empresa quer passar a este segmento brasileiro, especialmente no que se refere ao uso da tecnologia?
Acho que o poder dos dados e o poder da inteligência artificial na transformação do negócio tem grande foco em agro. Estamos olhando o agro da fazenda até a mesa e realmente o trabalho é envolver desde o produtor, toda a cadeia de suprimentos, a distribuição e a chegada do produto final na mesa.

O agro é um setor muito importante para o Brasil, para a economia brasileira e para o mundo, e tem todos os seus desafios de contínua produção de alimentos à medida que a população do mundo cresce.

Precisamos produzir mais alimentos, ainda há muita gente em vulnerabilidade alimentar. Ao mesmo tempo, sabemos que tem muito desperdício de alimento e que precisamos ser mais sustentáveis. Quer dizer, é preciso produzir mais, emitindo menos carbono.

Do discurso à prática, porém, há um grande percurso...
Toda essa combinação traz uma equação bastante complicada. E a única resposta para essa equação é a aplicação de tecnologia. Acreditamos no agro baseado em dados e gerando insights. Aí entra a inteligência artificial e até a inteligência artificial generativa, em que eu posso conversar com os algoritmos em linguagem natural, como fazendeiro, como agrônomo, como agente financeiro, e obter insights para o meu negócio.

Isso já é uma realidade?
Até hoje a gente ainda tem os dados de forma muito fragmentada. No agro isso é caro porque é preciso uma grande sensorização. Mas agora o avanço da tecnologia e algoritmos permitem a utilização muito menor de sensores. E a nuvem é uma grande alimentadora dos dados. E como eu entro na nuvem? Com conectividade para garantir que eu posso usar dados de diferentes fontes em tempo real, gerando insights para o produtor, para ele ser mais produtivo e mais sustentável.

Há quanto tempo a Microsoft está dando mais atenção ao agronegócio? Começou primeiro fora do Brasil?
Em todas as indústrias, há muitos anos, a Microsoft está presente em todos os mercados. O que a gente vem fazendo nos últimos anos é desenvolver tecnologias mais dedicadas a segmentos. E eu posso dizer que eu tenho anos já de experiência dentro do agro. A nuvem, que é um negócio mais recente, a gente no Brasil trouxe em julho de 2014. Temos desenvolvido algumas coisas específicas por lá.

O que estão fazendo?
Trazendo conectividade. Tem uma solução específica nesse sentido, que se chama TV White Space. Já que a gente não tem 5G ou mesmo 4G para todos os lados, temos uma proposta de levar a frequência livre usada pelas TVs, que é uma tecnologia barata e em que você não vai ter obstáculos que impeçam a transmissão. É algo que já tem alguns anos.

E o que há de mais recente?
O que é mais recente nosso dentro do agro é o Copilot. Trata-se da aplicação da IA generativa dentro do agro. Uma inovação que a Microsoft vem fazendo é especializar a tecnologia por segmentos industriais. Eu tenho soluções usando a nuvem, usando o IoT (internet das coisas) e usando conectividade. Mas eu desenvolvo soluções específicas para a geração de sites específicos dedicados à manufatura, ao varejo, ao agro, ao governo, à educação, etc, algo que estamos investindo há muitos anos.

Pode nos explicar em detalhes como funciona?
Bom, há alguns anos a gente fala de IoT, conectar sensores em uma plataforma. Pode ser um hardware ou pode ser na nuvem. Eu capturo esses dados de diferentes sensores e começo a gerar recomendações através desses dados. Analisando esses dados, os algoritmos vão gerar recomendações.

Lançamos há alguns anos um produto chamado Farm Beats e ele treinou o algoritmo para que ele trabalhe de uma forma que reduza significativamente o número de sensores. Ele vai usar diferentes fontes de dados e reduz na proporção de 1 para 100 a necessidade do uso de sensores. Isso reduz drasticamente o custo para o agricultor, fica menor o investimento necessário na agricultura de precisão.

E quando entra a inteligência artificial nos moldes do Chat GPT?
Eu tenho um sensor que leva os dados e estes são tratados pela nuvem. A nuvem começa a gerar insights. E então incorpora a IA generativa.

E o que é isso?
É quando você consegue conversar com o algoritmo em linguagem natural. Não é o cientista de dados criando uma forma para poder fazer a pergunta e obter uma resposta. É você, como agricultor, querendo saber como está a sua colheita em função de alguns dados.

Aí você pode perguntar diretamente para o algoritmo e ele vai te responder ou vai te dar desenhos e gráficos do seu plantio, da sua área específica. É isso que a gente está chamando de Copilot para o agro, que é essa novidade da Microsoft deste ano. É uma parceria nossa com a Open AI, criadora do Chat GPT, fechada no ano passado.

Foi um lançamento global?
É uma tecnologia lançada praticamente em tempo real. Quando eu comecei minha carreira, você lançava um negócio na Europa e nos Estados Unidos, mas demorava cinco anos para chegar no Brasil. Hoje em dia o cliente sabe o lançamento quase que ao mesmo tempo que eu.

Lançamos de forma simultânea, em outubro, nossa parceria com o Open AI, é o GPT 3,5 aplicado ao Bing, o que começou a turbinar a nossa ferramenta de busca. Na sequência, a gente lançou o Copilot aplicado a diferentes produtos nossos como, por exemplo, o CRM.

Vou usar a inteligência artificial para pegar informações e, como vendedor, fica mais fácil a minha vida. Eu vou perguntar algumas coisas e vou ter direto a resposta do CRM dentro do Office, dentro do PowerPoint.

É o copiloto de qualquer operação...
É aquele teu parceiro, que vai fazer o e-mail, vai fazer proposta. A gente trouxe isso para dentro também do Azure Data Manager for Agriculture, que é a nossa nuvem pública. Aqui começamos a usar a inteligência artificial na manipulação de documentos em escala.

Nos bancos, por exemplo, imagina quantos contratos de crédito uma instituição financeira tem para avaliar? Eu peço para o Copilot padronizar esses contratos e isso ajuda de forma significativa a produtividade.

A gente brinca: vai acabar o jurídico? Não é verdade, porque ele não vai funcionar sem uma pessoa dando ordens e uma pessoa verificando o trabalho, mas ele amplifica a produtividade daquele grupo de pessoas de forma significativa.

Qual é a grande revolução que o agricultor brasileiro não viu ainda?
Acho que o Copilot vai empoderar muito o agricultor, que está um pouquinho mais afastado da tecnologia, porque vai deixar a tecnologia mais acessível para ele. E outra é o que a gente chama de Farm Beats, a tecnologia do algoritmo que a gente desenvolveu para diminuir a necessidade de sensores, porque torna menos caro o investimento do agricultor, para ter uma agricultura de precisão, faz uma democratização de forma geral. Cada vez mais uma tecnologia extremamente sofisticada, mas de uma forma extremamente acessível.

Em sua maioria, os clientes da Microsoft no agro são produtores rurais?
Não divulgamos números sobre clientes, mas trabalhamos com o produtor. A gente trabalha muito também com parceiros que oferecem soluções de softwares ou serviços para o produtor. Tem grandes integradores de sistemas que conseguem construir as soluções. Tem instituições financeiras que oferecem crédito ao setor do agro.

A gente tem ainda academia e governo, porque falamos em regulamentação. É um setor que tem que respeitar certas normas e certas implementações. Falamos e trabalhamos com a cadeia de suprimentos, com a cadeia de distribuição. E vai até o consumidor. Por isso que falamos que é da fazenda à mesa.

E a participação do agro está crescendo num ritmo maior do que de outros segmentos?
Também não podemos falar em números, mas esta participação cresce de forma importante. O agro é importante dentro dos nossos negócios e como um ecossistema. Porque você vai ter na ponta a rede de supermercados que está vendendo mais, a cerveja que está produzindo mais. É o integrador de sistemas, que desenvolveu uma solução de fertilização, de adubação de uma área. Então eu trabalho com todo o ecossistema. Eu vejo essa pujança em diferentes momentos, em diferentes áreas.

Quais tecnologias que vem sendo mais adotadas?
A tecnologia da nuvem está sendo adotada de forma crescente. No IoT, o que estava faltando era conectividade. Com isso, o TV White Space passa a ser uma tecnologia importante, porque a gente não tem conectividade em todo o campo. Foi aprovado ano passado, é algo novo no Brasil, tem que ser homologado pela Anatel. Aqui tem que responder a uma série de certificações e regulamentações. Mas a gente está vendo a adoção crescente disso.

Uma das tendências no agro são as máquinas autônomas. Até que ponto a Microsoft se conecta nisso também?
É no IoT e na nuvem. A gente está presente porque você precisa ter muito sensor, muita automação por trás disso. E a nuvem ajuda você a trabalhar. Isso faz parte da indústria 4.0 e está tudo conectado. É a transformação digital, é você pegar o field, o chão de fábrica, o chão de terra mesmo do agro, conectar e levar, conectar as informações, jogar para TI. E aí você consegue extrair dados relevantes e insights para o negócio.

Como a empresa lida com o medo da inteligência artificial, especialmente para o público mais desconfiando em relação à tecnologia?
Esse é um tema que a gente reforça em todas as conversas e vou falar para este público do agro. Desde 2016, na medida que a tecnologia avança, a Microsoft trabalha na disseminação e na sua adoção, por um lado, mas trabalha com o governo na regulamentação. Acreditamos na IA responsável. Ela existe para empoderar, deve ser inclusiva, trazer produtividade, não é para substituir o humano. A IA pode ser a grande resposta para esses desafios que a gente tem de produtividade. É uma ferramenta e a forma como você vai usá-la é que vai determinar se ela vai para o bem ou vai para o mal.

A empresa atua também na questão da inclusão, no sentido de ter mais mão de obra qualificada para esse novo momento?
Essa é uma preocupação da indústria, porque falta mão de obra qualificada, um problema que já havia antes, mas a pandemia acelerou. Hoje, segundo a Brasscom (associação que representa as empresas de tecnologia), há um gap de 400 mil profissionais do mercado.

Não conseguimos formar gente suficiente nessa área?
Todos os anos formamos 50 mil pessoas a menos do mercado precisa. E as pessoas que se formam estão desconectadas com o que o mercado precisa, conhecem um pouco de tecnologia, mas não conseguem aplicar e isso vai atrasar. Então imagina o agro vendo tudo isso que estamos apresentando e falando "eu quero isso para ontem". O grande blocker pode ser a falta de profissionais qualificados.

Como resolver isso?
Para isso temos programas, na Microsoft, de capacitação profissional. Precisamos acelerar a qualificação profissional do brasileiro e da brasileira para que o mercado possa ter mais tecnologia, o que gera ganho de produtividade e crescimento econômico. Essas pessoas, com salários maiores, geram inclusão social.

É possível requalificar profissionais cujas funções serão substituídas por máquinas autônomas movidas por IA?
Quando a gente fala também em uso responsável da IA, temos que trabalhar também a requalificação da mão de obra que está no mercado. Se você fala em veículos autônomos, está eliminando o trabalho do operador do veículo, do operador da máquina. Isso aconteceu na terceira revolução industrial, que foi a automação, nos anos 1960, 70, 80, 90. A automação eliminou muito trabalho de chão de fábrica, pessoas ficaram sem emprego.

Nós tivemos coletivamente que requalificar a força de trabalho para que eles pudessem assumir novas funções. É a mesma coisa. Hoje eu vou ter o programador do algoritmo. Eu tenho treinador do algoritmo, tem uma série de novas funções que são criadas, mas eu preciso de gente capacitada.

E esses programas de capacitação incluem o agro?
Eles têm todos os segmentos. É um trabalho que a gente faz com clientes, com parceiros, com o governo federal, com os governos estaduais. Fazemos desde o letramento digital, para quem não sabe nada, não sabe ligar o computador, não sabe escrever um currículo, até o trabalho com comunidades, cooperativas, levando educação financeira.

Vamos treinar pessoas em ciência de dados e inteligência artificial. Temos vários níveis de treinamento para diferentes públicos e, através dos parceiros. Assim a gente leva isso para a ponta, porque a gente não tem capilaridade. Tem o Sistema S, o Banco Bradesco é um grande parceiro com a Fundação Bradesco, o Banco do Brasil é um grande parceiro no programa de Menores Aprendizes.

Há alguma nova parceria no agro, com agtechs, por exemplo?
Temos programas específicos para as startups, um que se chama Founders Hub. Se você é uma startup nova que precisa construir o seu negócio em cima de tecnologia, pode procurar o nosso programa, que você consegue capacitação técnica e crédito para o uso de tecnologia. A gente doa crédito para as startups que estão nascendo e trabalha no desenvolvimento delas até o momento em que viram gente grande e aí ela pode pagar pela própria tecnologia. Temos um hub chamado Conecta+, que é um clube de conhecimento na área do ecossistema de startups, onde elas podem compartilhar conhecimento com sotaque do mundo inteiro.

Divulgam algum número sobre os projetos implementados no Brasil?
O que eu posso dizer é que mais de 7 milhões de pessoas já acessaram nossas plataformas de treinamento, em três anos de projeto. E 2 milhões de brasileiros terminaram algum tipo de treinamento conosco, nos programas de capacitação.

Treinamos quase 500 mil mulheres, porque temos programas de capacitação tecnológica com recorte em minorias, já que nós, mulheres, somos só 17% do segmento. Há um recorte específico para mulheres pretas, para pessoas trans, fizemos um trabalho específico para pessoas em áreas de prostituição. Temos uma parceria com o judiciário brasileiro para trabalhar egressas do sistema carcerário, para reinserir este grupo no mercado de trabalho, isso é muito legal.

E sobre investimentos?
Um número bacana que a gente divulga globalmente é o investimento que a gente está fazendo em sustentabilidade e inovação, que chega a US$ 1 bilhão de uma forma geral, para desenvolver novas tecnologias, para a economia circular e em captura de carbono. Mas não divulgamos números específicos por região ou por segmento.