De um lado, uma gigante global da comercialização e processamento de grãos. De outro, a maior produtora de ovos da América do Sul.
A parceria entre Bunge e Mantiqueira Brasil poderia ser simplesmente uma “permuta” de insumos. Afinal, a trading possui os grãos que alimentam as galinhas e a produtora de ovos, por sua vez, tem também uma fábrica de fertilizante orgânico, que pode ser usado nas lavouras dos produtores parceiros da Bunge.
O acordo, porém, foi fechado em função de outra aspiração que as duas empresas têm em comum: a descarbonização da cadeia de alimentos.
Desde 2023, a Bunge possui um programa de agricultura regenerativa, que busca dar suporte a produtores rurais que estejam buscando práticas sustentáveis no campo.
O projeto começou com 250 mil hectares e na atual safra já contabiliza 345 mil hectares. São ao todo mais de 1 mil produtores rurais, incluindo fazendas que recebem o apoio individualmente e aquelas menores atendidas por meio de acordos com cooperativas.
A iniciativa engloba lavouras de soja, milho, trigo, além de sementes de baixo índice de emissões e alto teor de óleo, como mamona e canola, para a rotação de culturas.
O carro-chefe é a soja. Segundo a Bunge, na última safra já foram produzidas mais de um milhão de toneladas de soja dentro do programa de agricultura regenerativa.
O volume crescente reforça a necessidade da busca de parceiros ao longo da cadeia de alimentos que possam também valorizar o projeto e acelerar a abrangência das ações.
“A Bunge está numa posição central da cadeia, temos a oportunidade de conectar os nossos produtores com os consumidores. Toda a necessidade de descarbonização da indústria traz muita oportunidade para a gente poder cumprir com nossos compromissos, mas também conectar com nossos clientes. A Mantiqueira é um exemplo”, explicou Pamela Moreira, diretora de sustentabilidade da Bunge, em entrevista exclusiva ao AgFeed.
As duas empresas fecharam uma parceria comercial, baseada, neste primeiro momento, no fornecimento de farelo de soja rastreável e de baixo carbono. São 12 mil toneladas que a Bunge já está comercializando para a Mantiqueira e que devem ser entregues até março de 2026.
“Todo esse farelo vem de áreas livres de desmatamento com todas as práticas mapeadas, emissões calculadas (pegada de carbono) com produtos rastreados por uma tecnologia de blockchain”, disse Moreira.
A Bunge estima que a pegada de carbono deste farelo de soja seja “entre 40% e 70% menor em relação à média para o Brasil, considerando as principais metodologias de mercado, como EcoInvent, The Global Feed LCA Institute (GFLI) e AgriFootprint”.
O indicador adotado pela trading, auditado por empresa terceira, inclui dados primários das fazendas coletados com ferramentas digitais.
Leandro Testa, diretor de originação da Mantiqueira Brasil, também participou da conversa com o AgFeed. Ele diz que a agricultura regenerativa faz parte do DNA da empresa e que por isso o projeto da Bunge “encaixou como uma luva”.
O executivo menciona como pilar central da preocupação da Mantiqueira os esforços para melhorar a saúde do solo, em diferentes culturas. Além da produção de ovos, a companhia também tem um braço dedicado ao uso do chamado “chicken manure”, o esterco das aves, que é uma excelente matéria-prima para fertilizantes orgânicos.
A parceria comercial com a Bunge também inclui uma série de testes em fazendas para o uso do fertilizante Solobom, produzido pela Mantiqueira. Foram fornecidas 100 toneladas do adubo.
“Hoje vendemos para usinas de cana, produtores de café e agora estamos entrando na soja e no milho. A base desse nosso produto é voltar matéria orgânica para o solo. Um dos pilares da agricultura regenerativa é cuidar da longevidade do solo”, destacou Testa.
Segundo a Bunge, os primeiros resultados de trabalhos feitos com o milho safrinha são promissores, por isso a tendência seria incluir a recomendação aos produtores como mais uma alternativa de insumo para quem busca melhores práticas. Este adubo, no entanto, ainda não está oficialmente atrelado ao programa de agricultura regenerativa da Bunge.
Os produtores que participam do programa, segundo Pamela Moreira, recebem assistência técnica individualizada e recomendações de produtos, por meio da Orígeo, a joint venture que a Bunge tem com a UPL, com foco no relacionamento com o agricultor. Mas não há obrigatoriedade de compra de itens produzidos ou indicados pelas duas empresas.
Além do suporte técnico, a Bunge garante que também já paga um prêmio financeiro ao produtor que integra o programa.
O diferencial por saca não é revelado, mas no ano passado a empresa divulgou a intenção de aplicar US$ 20 milhões, o que equivale a mais de R$ 110 milhões pela cotação atual, para que a área total do programa de agricultura regenerativa alcançasse 600 mil hectares até 2026.
Agora, na conversa com o AgFeed, Pamela Moreira disse que ainda não tem fechada a meta para 2026 e informou que os 600 mil hectares continuam sendo buscados “em 3 anos”.
“Tem um prêmio onde a gente paga por hectare para o produtor, mas eu acho que o prêmio não é só o financeiro. A gente oferece o que se chama de um ecossistema dentro da agricultura regenerativa, que é a ferramenta digital, para coletar os dados e aumentar a gestão desses dados, ajudando o produtor”, ressaltou.
A executiva diz que a Bunge já tem conseguido que alguns “grandes clientes da indústria de alimentos” comecem a valorizar financeiramente o produto agrícola de baixo carbono, mas que para começar, no ano passado, a companhia optou por fazer o investimento no próprio.
A Mantiqueira afirma que pagou o mesmo preço pelo farelo do programa, comparado com o produto tradicional. Leandro Testa, ao longo da conversa, fez a ressalva: “não paga nada a mais como comprador, mas temos um pacote que valoriza, não podemos abrir quanto, faz parte da relação comercial entre Mantiqueira e Bunge”.
Potencial para ampliar
As 12 mil toneladas de farelo adquiridas pela Mantiqueira representam 10% do consumo da empresa. Por isso, segundo Leandro Testa, a entrada no projeto já foi feita com planos de ampliar, futuramente, a aquisição dos produtos de baixo carbono.
“Estamos vendo isso com bons olhos para ir aumentando ano a ano. A agricultura é de longo prazo, você vai construindo o perfil do solo”, afirmou ele.
Testa defende que a motivação do produtor rural para entrar em programas do tipo é não apenas saber que terá efeitos na rentabilidade e na produtividade, mas também a preocupação com as próximas gerações. “Essa é a motivação de longo prazo dele. Porque tem retenção de água no solo, diminui a erosão, ele está cuidando do patrimônio”.
Ele explica que por enquanto não há uma linha com valor diferenciado para o consumidor final, relacionada à origem de agricultura regenerativa. “Não seria factível para o curto prazo, mas é de médio prazo, não é de longo”.
Na visão dele, cada vez há maior entendimento por parte do produtor e da população sobre as práticas regenerativas que já são feitas no campo, como o plantio direto. “Vai ficando mais palatável pra todo mundo e por que não agregar valor na escolha do consumidor no fim do dia?”.
Enquanto esse dia não chega, a meta de ampliar permanece.
“Do nosso lado, a gente fala para o time comercial da Bunge, se pudesse, a intenção seria comprar 100% proveniente de agricultura regenerativa”.
Pamela, da Bunge, diz que a oferta está aumentando e que se houvesse uma demanda de 60 mil toneladas, por exemplo, por parte da Mantiqueira, ela já teria essa disponibilidade.
“A gente já tem um volume razoável e com a Orígeo conseguimos escalar muito rápido o projeto”, ela afirma.
No lado da Mantiqueira, a expectativa é que a parceria ajude também a empresa a continuar aumentando as vendas do fertilizante orgânico. A produção do Solobom deve subir das atuais 120 mil toneladas para 140 mil toneladas em 2026, segundo Testa, podendo ser aplicado em 400 mil hectares de lavouras.
Já a Bunge diz que os próximos passos do programa passam também por outras culturas, não apenas soja, mas também milho, trigo e outras sementes. “No ano passado, houve um marco importante, que foi a digitalização de todas as propriedades a partir das ferramentas digitais que são oferecidas gratuitamente aos produtores participantes, essencial para a companhia avaliar o progresso”, destacou a empresa.
Resumo
- Bunge e Mantiqueira fecharam acordo que envolve fornecimento de 12 mil toneladas de farelo de soja produzido em fazendas de agricultura regenerativa.
- Parceria entre as empresas prevê também testes com o fertilizante Solobom, produzido pela Mantiqueiram, com produtores de milho que fornecem grãos para a Bunge.
- Farelo de soja rastreável, segundo a Bunge, oferece pegada de carbono entre 40% e 70% menor em relação à média brasileira.