Entre os endocrinologistas, já existe um termo para descrever o pavor de quem quer emagrecer tem de carboidratos: a carbofobia
O que pouca gente sabe, entretanto, é que dois dos mais populares alimentos classificados entre os carboidratos, o milho e o trigo, estão na verdade auxiliando muita gente a emagrecer e com a ajuda da agricultura regenerativa.
“Na Novo Nordisk, usamos glicose como principal ingrediente nos processos de fermentação que produzem nossos medicamentos”, explica Dorethe Nielsen, vice-presidente de responsabilidade ambiental da fabricante do Ozempic e do Wegovy, duas das mais populares canetas emagrecedoras do planeta.
Essa glicose é obtida a partir de um xarope derivado de milho e trigo cultivados na União Europeia e nos Estados Unidos.
O insumo não faz parte da formulação dos medicamentos, mas é usado como fonte de carbono para a levedura utilizada em muitos dos produtos da empresa, incluindo insulina e as canetas emagrecedoras, explica Dorethe.
A farmacêutica dinamarquesa, que faturou neste ano fiscal 12% a mais que em 2024 com medicamentos contra diabetes e obesidade, chegou a vender no período US$ 33,5 bilhões com esse fármacos.
Não por acaso, a companhia mantém uma atenção especial na sua relação com fornecedores agrícolas – cujos nomes e localização são mantidas em sigilo.
No total, por ano, eles cultivam 17 mil hectares de milho e trigo só para a Novo Nordisk, nos Estados Unidos e na Europa. E têm sido cada vez mais observados de perto pelo cliente em relação à forma com que produzem.
“Entre todas as matérias-primas adquiridas pela Novo Nordisk, a glicose está entre as que mais geram impacto climático, em termos de emissões de gases de efeito estufa, e ambiental, com efeitos negativos no solo, água e na biodiversidade”, diz Dorethe.
Por isso, a fabricante decidiu migrar para a agricultura regenerativa, sistema que ajuda a recuperar a saúde da terra, a biodiversidade do solo e dos ecossistemas, ao mesmo tempo em que aumenta a produtividade.
“A agricultura convencional vai extraindo do solo, mas a regenerativa vai, de pouquinho em pouquinho, regenerando o solo, por meio de diversas práticas como cobertura do solo, cultivo simultâneo de leguminosas, adubação verde, terraciamento (criação de terraços em terrenos inclinados para reduzir a erosão)”, explica o engenheiro florestal Valter Ziantoni, da empresa PretaTerra, especializada em projetos nessa área.
As práticas que a Novo Nordisk ajuda agricultores a implementar na Europa e nos EUA variam de fornecedor para fornecedor.
A companhia paga um prêmio (um extra) por resultados para cada um deles, conforme algumas métricas. “Algumas são baseadas em toneladas de xarope de glicose ou grãos; outras, em toneladas de remoção ou redução de carbono, mas todos incluem um ‘prêmio verde’ vinculado aos volumes”, diz a executiva.
Segundo Dorethe, a empresa firma contratos plurianuais com seus fornecedores, que por sua vez repassam os compromissos ao longo da cadeia.
“Acreditamos em contribuir financeiramente para a transição rumo à agricultura regenerativa e pagamos um preço “premium” aos nossos fornecedores que, em contrapartida, entregam resultados mensuráveis para o clima e a natureza”, afirma.
Essa medição é bem técnica. A farmacêutica utiliza os parâmetros do SAI Regenerating Together Framework (RTF) como referência para definir agricultura regenerativa, seus resultados e suas práticas.
SAI é a sigla em inglês para a “Iniciativa de Agricultura Sustentável”, plataforma global sem fins lucrativos para empresas de alimentos e bebidas, criada em 2002, para promover o uso de melhores práticas agrícolas no campo.
Cerca de 120 grandes companhias globais desses setores, como Heineken, Nestlé, Unilever e Hershey’s, são usuárias da SAI. No Brasil, a maltaria Agrária, no Paraná, é uma das companhias que utilizam os padrões da plataforma.
No caso da Novo Nordisk, nenhuma das práticas de que a agricultura regenerativa lança mão é imposta aos produtores.
“Há flexibilidade para que os produtores escolham o que faz sentido para seus sistemas produtivos. Suas práticas, que são específicas ao contexto de cada um, são eles que escolhem”, diz Dorethe.
A virada da Novo Nordisk para a agricultura regenerativa é recente. As primeiras 200 toneladas de glicose gerada com milho e trigo de agricultura regenerativa foram produzidas em 2024. “Mas nossas compras passaram a acontecer de fato este ano, quando adquirimos mais de 10% da nossa glicose proveniente de agricultura regenerativa”, diz Dorethe.
Por isso, os programas da companhia ainda estão em diferentes estágios e não há um balanço, por exemplo, de quanto carbono foi capturado na cadeia de produção. Mas a Novo Nordisk, que é acostumada com bilhões, espera resultados bem gordos.
Resumo
- Novo Nordisk depende de xarope de milho e trigo — cultivados em 17 mil ha nos EUA e Europa — como fonte de glicose para processos de fermentação
- Empresa paga prêmios e firma contratos plurianuais para incentivar agricultura regenerativa e reduzir impactos de solo, água e carbono
- Programas seguem padrões do SAI RTF, dão liberdade técnica aos produtores e avançam em estágios distintos rumo a metas ambientais mensuráveis