Horizontina (RS) – Cerca de três quilômetros separam o passado e o futuro da John Deere em Horizontina, no Noroeste do Rio Grande do Sul.

No centro da cidade, que tem apenas 19 mil habitantes, está o passado. Ali ficava o terreno da antiga fábrica da montadora, hoje ocupado por um memorial que preserva a história das máquinas agrícolas.

Já às margens da rodovia ERS-342, em outro ponto do município, está a base do futuro da empresa: uma moderna fábrica de 150 mil metros quadrados, onde são produzidas plantadeiras e colheitadeiras e que, recentemente, se tornou a primeira da John Deere no Brasil a operar com rede privada 5G.

Em fase inicial de implementação na planta, a adoção do 5G vai acelerar a automação e o fluxo de dados na operação, com potencial para aumentar a produtividade e a eficiência dos processos.

Além dos avanços em conectividade, a linha de produção também foi reforçada neste ano. Em maio, a unidade iniciou a fabricação da plantadeira modelo 1200 e, em agosto, passará a produzir também o modelo 3100.

Trata-se de uma virada importante na fábrica de Horizontina (e na companhia) após um momento difícil em 2024, quando a unidade teve sua operação interrompida durante 60 dias no começou do ano e concedeu férias coletivas a 1,1 mil funcionários, em decorrência das vendas enfraquecidas.

Mais tarde, em setembro, foram demitidos pelo menos 150 trabalhadores. Hoje, a fábrica trabalha em um turno apenas, com algumas atividades em dois turnos e emprega cerca de 1,5 mil funcionários.

Sandro Bertagnolli, gerente operacional da fábrica, disse ao AgFeed que as mudanças foram feitas para trazer mais estabilidade. “Foi para a gente evitar que este ano fosse um ano de oscilações. E o que acaba acontecendo agora? Obviamente, à medida que os volumes de produção aumentam e que novos produtos são introduzidos, as contratações também voltam”, afirmou.

Bertagnolli evitou comentários sobre números atuais de volumes de vendas da fábrica de Horizontina em si, mas disse acreditar que as condições do mercado poderão melhorar mais à frente.

“Esse mercado é cíclico: a cada período, cai e depois sobe. O que a gente sabe e tem essa convicção é que o mercado vai retomar e, quando ele retoma, ele retoma também com força, não só de volumes, mas de uma demanda por produtos novos e tecnologias novas”, afirmou. “O mercado vai agora, aos poucos, retomando. O difícil é prever o quanto.”

A fábrica de Horizontina, com 150 mil metros quadrados de área construída em um área total de 840 mil metros quadrados, tem capacidade instalada de produzir 24 máquinas por dia.

A unidade já fabricou mais de 100 mil colheitadeiras e 725 mil linhas de plantio ao longo de sua história, que começa antes mesmo de a John Deere chegar ao Brasil, no fim da década de 1970.

Muito antes da criação da SLC Agrícola, que hoje possui mais de 700 mil hectares de terras produtivas, a família Logemann por muito tempo se concentrou na fábrica de máquinas agrícolas SLC, no município gaúcho.

A história começou em 1946, com a criação de uma oficina mecânica por Frederico Jorge Logemann e Balduíno Schneider – as iniciais dos sobrenomes formam a sigla SLC. Pouco tempo depois, eles passariam a fabricar trilhadeiras de grãos, inicialmente feitas de madeira.

Pouco menos de duas décadas depois, a empresa gaúcha foi a primeira do País a fabricar uma colheitadeira automotriz, a 65-A, lançada em 1965 e inspirada no modelo 55 da John Deere.

Outros equipamentos viriam posteriormente. O voo solo continuou até 1979, quando a SLC firmou uma joint-venture com a John Deere, aproximação que já vinha dos anos anteriores à parceria. A partir de 1983, as máquinas da nova companhia passaram a levar a cor verde da companhia norte-americana, ainda conservando a marca SLC.

Investimentos foram feitos no período, como o início da produção de plantadeiras, em 1984, e a inauguração da fábrica até hoje utilizada pela John Deere, em 1989.

O fim do casamento entre as empresas veio na década seguinte: primeiro, no fim de 1995, a John Deere aumentou a sua participação na SLC de 20% para 40% e a marca passou a se chamar SLC-John Deere.

Poucos anos depois, em 1999, a montadora americana comprou o percentual restante da empresa e, em 2001, deixou de utilizar o nome SLC.

A família Logemann, então, passou a se dedicar à SLC Agrícola, que cresceria consideravelmente nos anos seguinte, e ainda manteve um negócio no setor de máquinas agrícolas, a rede de revendas SLC Comercial, que hoje é a a SLC Máquinas, concessionária da John Deere no Rio Grande do Sul.

Ainda hoje as marcas da antiga SLC aparecem nos corredores da fábrica hoje operada pela John Deere, seja nos painéis e placas comemorativas do passado até hoje afixados nas paredes, seja pelos funcionários com longo tempo de casa.

Logo após assumir totalmente o controle da fábrica de Horizontina, a John Deere inaugurou uma fábrica de colhedoras de cana em Catalão (GO). Nove anos depois, em 2008, a montadora implantou uma unidade de produção de tratores em Montenegro (RS), de forma que Horizontina, que antes produzia tratores, ficou apenas com a produção de colheitadeiras, plantadeiras e plataformas.

Ao longo da última década, a John Deere foi ampliando ainda mais sua presença no país, com fábricas de equipamentos para construção em Indaiatuba (SP), expansão das fábricas de Catalão e Montenegro e a aquisição da empresa PLA, que tem uma unidade em Canoas (RS), e a absorção da joint-venture que mantinha com a japonesa Hitachi.

Investimento no futuro

Com o passado ainda ecoando na memória da unidade, o momento agora é de olhar para o futuro, através da adoção da rede de internet 5G nas unidades.

Se no passado Horizontina se destacou por abrigar a primeira fábrica a produzir colheitadeiras automotrizes do Brasil, mais recentemente foi pioneira novamente ao receber, em janeiro do ano passado, a primeira rede privada de 5G da John Deere no país.

Com esse tipo de banda de internet, os dados podem trafegar de forma mais rápida e segura, ampliando também a possibilidade de conectar mais dispositivos às máquinas e equipamentos da linha produtiva.

A rede também passou a ser implantada na unidade de Montenegro no primeiro semestre deste ano. De acordo com Karine Zaccari, gerente de TI para infraestrutura das fábricas da John Deere na América Latina, a ideia da montadora é que suas unidades industriais operem quase que exclusivamente com a rede 5G no futuro. “Queremos 80% de rede 5G, 10% em cabo e 10% em wi-fi”, explica.

A ideia não é que toda a rede seja 100% 5G por equipamentos específicos que exigem outro tipo de conectividade. “Câmeras de segurança exigem cabeamento, até por uma questão legal. Como a tecnologia é muito nova, no futuro, pode ser que isso mude”, explica Zaccari.

A John Deere não estima, no entanto, quando vai levar o 5G até todas suas unidades brasileiras e nem quando as fábricas de Horizontina e Montenegro chegarão a 80% de tráfego de rede em 5G, uma vez que depende também de seus fornecedores, que precisam adaptar as máquinas à conectividade.

“Hoje nós estamos na fase de aprendizado, de entender como a gente consegue fazer com que máquinas que não estejam nativas, preparadas para essa tecnologia, se tornem adaptáveis a essa tecnologia”, diz Zaccari.

Além do Brasil, a John Deere também está inserindo o 5G em suas fábricas nos Estados Unidos no momento, com resultados positivos. “Temos uma linha que já está com 74% nos Estados Unidos com 5G conectado nos dispositivos e eles têm tido uma experiência muito agradável.”

A John Deere não é a única a apostar nas redes privadas 5G dentro de sua estrutura industrial. A paulista Jacto saiu na frente ao inaugurar, no fim de 2023, uma nova fábrica em Pompeia (SP), com equipamentos e sistemas conectados à banda de internet, em parceria com a empresa de tecnologia Nokia.

Um museu de grandes novidades

Ao mesmo tempo em que investe no futuro, a John Deere também abraça o passado de glórias em Horizontina para consolidar as bases da empresa no presente.

Dessa forma, a montadora inaugurou, no fim de 2023, o Memorial de Evolução Agrícola (MEA), que está instalado em uma área de 64 mil metros quadrados na região central de Horizontina e que, no passado, foi ocupada pela primeira fábrica da antiga SLC na cidade.

Em um ambiente moderno, assinado pela agência Straub Design e que não deve nada aos equipamentos culturais dos grandes centros do País, o memorial apresenta aos visitantes a evolução tecnológica das máquinas agrícolas.

Dessa forma, quem anda pelo memorial vai acompanhando a passagem do tempo da tecnologia agrícola, vendo desde a primeira trilhadeira de madeira fabricada pela SLC nos anos 1940 – um exemplar original, que foi restaurado – até as máquinas mais recentes, já com a marca John Deere.

Também há uma réplica fidedigna da primeira oficina das famílias Schneider e Logemann, uma pequena construção de madeira onde tudo começou.

Além disso, o memorial também mostra em textos, fotos e vídeos interativos a evolução da agricultura no Rio Grande do Sul, o berço da soja no Brasil, e do País como um todo.

No lado de fora, no entorno do memorial, há várias quadras de esportes, áreas de lazer e ginástica. “É o Ibirapuera de Horizontina”, brinca a museóloga Karina Muniz Viana, responsável pela coordenação técnica e de governança do memorial, fazendo referência ao mais famoso parque da cidade de São Paulo.

O memorial possui 18 projetos educacionais e culturais, trabalhando em integração com a comunidade local. O projeto trata-se de uma iniciativa do Instituto John Deere, com investimento total de R$ 73 milhões, sendo que R$ 53 milhões foram captados a partir da Lei Rouanet de Incentivo à Cultura, do governo federal. O projeto teve como patrocinadores-master a John Deere e a SLC Agrícola.

O repórter viajou a convite da John Deere.

Resumo

  • Horizontina abriga uma histórica fábrica da John Deere no Brasil, que no passado pertenceu à SLC, responsável pela produção da primeira colheitadeira nacional
  • Após um período difícil em 2024, com paralisações e demissões, a unidade retomou sua produção com a introdução de novos modelos na linha de produção
  • Fábrica também foi a primeira da John Deere no país a adotar a rede privada 5G no Brasil, projeto que está sendo desenvolvido e ampliado

Vista aérea da unidade de Horizontina

Antiga fábrica da SLC em Horizontina. Hoje, no mesmo local, está instalado o Memorial da Evolução Agrícola (MEA)

Prédio do Museu de Evolução Agrícola

Primeira trilhadeira da SLC, modelo SLC 100, lançada em 1947

Colheitadeira modelo 65-A, da SLC, de 1965