Entre a necessidade de adaptar fórmulas de sequestro de carbono para um ambiente tropical e algumas barreiras regulatórias, o mercado de carbono ainda engatinha no Brasil. Até agora, startups e grandes iniciativas que nasceram no País estão de olho em dois temas principais: reflorestamento e conservação.

Uma climate tech, metade brasileira e metade britânica, acaba de dar um passo além e, pela primeira vez nas Américas, emitiu créditos de carbono gerados a partir da agricultura regenerativa.

A responsável é a NaturAll Carbon, que teve a aprovação oficial do seu projeto-piloto pela Verra, maior certificadora global do mercado voluntário. Os créditos foram verificados pela metodologia VM0042 da instituição e, segundo o CEO e cofundador da startup, Alexandre Leite, é um “divisor de águas para o setor no Brasil”.

“É o início formal de um mercado que reconhece e recompensa produtores por regenerar o solo, capturar carbono e alimentar o mundo de forma sustentável”, afirmou Leite, em entrevista ao AgFeed.

Os primeiros créditos emitidos vieram da Fazenda Flórida, em Cassilândia (MS), onde cerca de 3 mil hectares passaram por uma transição de pecuária extensiva para práticas de agricultura regenerativa.

Por lá, na propriedade de Ivan Oliveira Santos, Sivia Maria Lopes Santos e seus filhos, depois da transição, o manejo contou com plantio direto, cobertura vegetal, rotação de culturas e integração lavoura-pecuária.

Alexandre Leite fundou a NaturAll Carbon em 2022, depois de uma carreira de 30 anos no agro e em multinacionais. Atuou por mais de 20 anos na Cargill, principalmente na área de açúcar e etanol. Além disso, já foi diretor em outras companhias do agro como Tereos e Copersucar, e também na Petrobras.

Com o “aval” da Verra, a meta da NaturAll Carbon é escalar o modelo em um projeto que pode chegar a 150 mil hectares em até três anos, trazendo um potencial de sequestrar até 300 mil toneladas de CO2 por ano.

Leite cita que o projeto, que nasceu com a emissão dos primeiros créditos sul-mato-grossenses, pode ser aplicado em todo Cerrado e na região de transição entre o bioma e a Amazônia, atingindo o Matopiba.

“Agora aprovado, podemos trazer novas fazendas ao projeto que não precisam ser validadas novamente. Fazendas elegíveis já entram na etapa da verificação dos créditos, o que traz uma amplitude enorme para se escalar”, disse.

A NaturAll Carbon é uma desenvolvedora de projetos de carbono com foco na agricultura regenerativa e, por isso, a função de Leite e seus sócios é propiciar parcerias com produtores rurais que estejam aderindo a agricultura regenerativa e empresas interessadas, no Brasil ou no exterior, em comprar os créditos.

Com uma fazenda escolhida, a startup faz a inclusão das práticas na metodologia, quantifica e monitora ao longo do projeto a emissão dos créditos. Uma parte da compra dos créditos é destinada ao produtor rural e a outra vai para a própria NaturAll Carbon.

Como o crédito é relacionado a remoções, o agricultor que entra numa das pontas da equação tem que ser um produtor que troca seu sistema produtivo. Na prática, o agricultor precisa passar a sequestrar carbono, até para que o projeto tenha uma base de cálculo ante a prática anterior.

As práticas regenerativas que, se adotadas, estão aptas a entrar no projeto contemplam recuperação de pastagens degradadas, integração lavoura-pecuária (ILP), plantio direto, rotação de culturas, cobertura vegetal e um manejo eficiente de fertilizantes, irrigação e resíduos.

“Ou é uma nova área, como no caso de uma pastagem degradada que passa a ser agricultura, ou um novo tipo de manejo praticado que é necessário para elegibilidade do projeto”.

“Esse é um tema forte para COP 30. O governo e grandes agentes estão focados na parte florestal e amazônica, mas existe uma agenda forte para discutir agricultura regenerativa”, acrescentou o CEO.

Alexandre Leite cita que há uma demanda forte de big techs na compra de créditos, mas que a área de supply chain, incluindo empresas de agricultura como trading e indústrias de alimentos, podem ser players desse ecossistema.

Além da receita com o crédito, Leite acredita que a credencial do projeto pode ajudar produtores a comprovarem práticas regenerativas e, com isso, acessarem financiamentos diferenciados. “Existe um interesse grande dos bancos em dar crédito verde. Na cadeia de suprimentos, tem comprador disposto a pagar prêmio para grãos certificados”, disse.

Fora da meta de 150 mil hectares, a NaturAll Carbon já mantém uma parceria com a Amaggi para um programa de crédito de carbono por agricultura regenerativa em uma área de 25 mil hectares da fazenda Carolinas, localizada em Corumbiara (RO).

A expectativa é que a empresa da família Maggi tenha um retorno médio de 2 toneladas por hectare de sequestro de carbono por ano, trazendo um sequestro de 50 mil toneladas nesta área estabelecida.

O número exato ainda depende de definições e contabilizações anuais, feitas pela própria NaturAll Carbon e ratificadas em uma auditoria. A emissão e a venda dos créditos começará em 2026.

Leite criou a NaturAll Carbon com outros dois sócios: Marcio Facas e Felipe Antoniazi. Segundo o CEO, a ideia saiu depois de sua saída da Petrobras, em 2021.

Posicionado em Londres, Leite percebeu que o mercado de crédito de carbono estava começando a discutir a entrada da agricultura regenerativa, mas ainda sem metodologias homologadas e uma dificuldade de quantificar o carbono armazenado no solo.

Depois de uma modelagem feita lá fora, a DayCent, estabelecida na Universidade do Colorado junto do USDA, a dificuldade seguinte foi tropicalizá-la. “Trouxemos uma modelagem para calibrar o modelo no Brasil e fomos certificados pela Verra”, resume.

Segundo Leite, existem seis projetos do tipo aprovados globalmente, mas somente dois validados pela Verra: o da NaturAll Carbon e outro na Romênia. O que falta para os outros quatro são a validação dos créditos de carbono.

A startup foi desenvolvida e financiada pelos próprios fundadores, mas Leite conta que tem conversado com alguns investidores externos para uma captação no futuro.

Resumo

  • Créditos foram emitidos para uma área de 3 mil hectares no MS, aprovados pela Verra e modelados com a ferramenta americana DayCent
  • NaturAll Carbon já tem parceria com a Amaggi para programa de 25 mil hectares em Rondônia
  • Meta da startup é escalar projeto para 150 mil hectares, com foco em produtores que adotem novos manejos agrícolas

Alexandre Leite (CEO e cofundador da NaturAll Carbon), Ivan Oliveira Santos, proprietário da Fazenda Flórida, Márcio Facas (COO e cofundador) e Felipe Antoniazi (CTO e cofundador)