Catuti (MG) – Chove pouco e faz muito sol o ano inteiro na caatinga de Catuti, cidade da região Norte de Minas Gerais, próxima da divisa com a Bahia.
As condições climáticas são desafiadoras, mas não diminuem o entusiasmo dos agricultores locais em retomar o cultivo do algodão, uma cultura que já fez da região uma das maiores produtoras da fibra no Brasil.
No auge da produção, o Norte de Minas chegou a cultivar algodão em 130 mil hectares. Mas o que veio depois foi um período de decadência.
A partir dos anos 1990, a proliferação do bicudo-do-algodoeiro devastou as lavouras, forçando muitos agricultores a abandonar a cultura. Alguns deixaram suas terras e outros migraram para atividades como a pecuária leiteira e outras culturas agrícolas.
Hoje, na região de Catuti, a área de algodão está restrita a apenas 300 hectares.
Com isso, a produção de algodão se deslocou para outras regiões do estado e ganhou força no Centro-Oeste do país, especialmente no Mato Grosso, que hoje é o maior produtor da fibra no Brasil, tendo colhido 2,67 milhões de toneladas de algodão em pluma em uma área de 1,47 milhões de hectares na safra 2023/2024, segundo levantamento feito pela Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa).
Minas Gerais hoje é o quarto maior produtor, tendo uma produção de 66,1 mil toneladas em 32 mil hectares, atrás de Bahia e Mato Grosso do Sul.
Após anos de declínio, o Norte mineiro ensaia, desde o fim dos anos 2000, uma retomada ainda modesta do algodão. A introdução de sementes transgênicas – mais resistentes à seca e às pragas – reacendeu o interesse dos produtores, embora a área plantada e os volumes colhidos ainda estejam distantes do passado glorioso.
Um dos principais entusiastas da retomada é o técnico agrícola José Tibúrcio de Carvalho Filho, gerente da Cooperativa dos Produtores Rurais de Catuti (Coopercat) e coordenador do projeto de retomada do algodão na região.
Em um dia de campo promovido pela Coopercat, a companhia de insumos agrícolas Bayer, Associação Mineira dos Produtores de Algodão (Amipa), e pelo governo local nesta semana em Catuti, Tibúrcio, como é conhecido, não conseguia ficar um minuto em silêncio.
A todo momento, produtores da região, amigos da comunidade e autoridades vinham conversar com ele, que viu o auge e a decadência do algodão na região. “Tenho 45 safras de experiência”, brinca ao conversar com o AgFeed.
O técnico agrícola chegou à região em 1980, vindo da cidade de Pirapora. “Isso aqui era muito pujante. As pessoas tinham uma riqueza incrível e ninguém precisava de conhecimento. E aí veio a praga do bicudo, que conhecia bem o algodão. Veio pra cá, pegou todo mundo sem informação e dizimou a cultura do algodão.”
O êxodo foi em massa. “Virou uma região onde só havia problema”, recorda Tibúrcio.
Custódio Lopes Martins, de 69 anos, também viu de perto essa transformação. Ao contrário de muitos agricultores, ele preferiu ficar na região. “Estou desde os 9 anos aqui. São 60 anos no campo”, diz Martins, que tem uma propriedade de 35 hectares, a fazenda Lagoa Escura – as fazendas da região são de agricultores familiares como Martins e tem uma média parecida de hectares.
No passado, ele plantava algodão. Mas com a chegada do bicudo, deixou a cotonicultura de lado e passou a se dedicar a outras culturas como milho e sorgo, além de criar gado leiteiro.
Há quatro anos, em 2021, Martins resolveu voltar ao plantio de algodão em dois hectares de sua propriedade, com a introdução de sementes transgênicas e de defensivos agrícolas que combatem pragas. “O bicudo não deixava a gente produzir, comia tudo. Não tinha um veneno que combatesse”, afirma o agricultor.
“Antigamente, nós tínhamos 25 aplicações, muitas pragas e a seca. Nós eliminamos as pragas vorazes e ficamos só com a seca. E a seca você combate com irrigação”, explica Tibúrcio, da Coopercat.
A virada na produção de Lopes Martins só foi possível com a instalação de um sistema de irrigação alimentado por poço artesiano. Antes, o cultivo de propriedades como a dele seguia o modelo de sequeiro, dependente exclusivamente das chuvas, intermitentes na região, que tem uma média anual de precipitação de 850 mm. A produtividade atingia, no máximo, 150 arrobas por hectare.
“Teve ano que ficamos 50 dias sem uma gota d’água”, diz Tibúrcio. Incontinenti, ele aponta para a plantação de algodão de Martins e diz: “Aqui choveu 19 mm no dia que nasceu, depois choveu 70 mm em 40 dias. Se fosse algodão sequeiro, nós nem estaríamos aqui.”
Martins planta o algodão em fevereiro, logo após colher o milho, e colhe em junho. O produto é entregue à cooperativa. A fibra é comercializada com a indústria têxtil, enquanto o caroço restante vai para a alimentação animal, somando cerca de 6 mil toneladas.
Com irrigação e tratamento adequados, a propriedade do agricultor alcançou uma produtividade entre 350 a 400 arrobas por hectare, superior à média das propriedades de todo o estado de Minas Gerais, que foi de 333 arrobas por hectare na safra 2023/2024. Toda a colheita é feita de forma manual.
“Aqui você planta pouco e tem que ganhar muito, tem que ganhar mais que o do Mato Grosso, por exemplo, porque lá os produtores têm extensão de terra, têm escala”, explica Tibúrcio.
Ele aventa também a mecanização da produção no futuro. Tibúrcio conta que há a possibilidade de reformar máquinas antigas para serem utilizadas no campo.
“Uma colhedora nova chega a custar R$ 7 milhões, mas uma máquina antiga, obsoleta para os grandes produtores, pode ser reformada e utilizada. O seu Custódio, ao invés de levar 90 dias para colher, levaria um dia, por exemplo.”
O proprietário da fazenda Lagoa Escura é um dos 40 associados da Coopercat, que tem 972 membros, a apostar no algodão no momento. Tibúrcio espera que a área plantada alcance, em breve, mil hectares. “É para ontem”, exagera o gerente da cooperativa.
Um marco importante será a entrada em operação do Centro de Difusão de Tecnologia Algodoeira de Catuti (Ceditac), usina de beneficiamento que está em fase final de testes.
Já existia uma planta na região, segundo Daniel Bruxel, presidente da Associação Mineira dos Produtores de Algodão (Amipa), mas em tamanho menor e estrutura mais arcaica. A nova usina terá capacidade de processamento até quatro fardos de 200 quilos de algodão por hora, conseguindo atender uma área de 800 hectares – maior do que a produção local atualmente.
A estrutura recebeu um investimento de R$ 2,4 milhões do Algominas, um fundo criado em 2003 para garantir o financiamento do Proalminas, programa de incentivo à produção de algodão no território mineiro.
O Algominas é abastecido com recursos oriundos da desoneração fiscal do ICMS das indústrias têxteis do estado que entraram no Proalminas. “Para a usina entrar em operação, é uma questão de detalhes. O problema é que nós não fazemos a gestão da construção. Se fosse, já tínhamos terminado”, diz Tibúrcio.
A construção do prédio foi feita pela Agência Brasileira de Cooperação (ABC) do Ministério das Relações Exteriores, segundo Tibúrcio. A ABC também promove o intercâmbio de produtores e representantes de países da África e do Norte mineiro.
A região tem recebido um fluxo constante de visitantes do continente africano, que tem 18 nações produtoras de algodão, nos últmos anos.
A visita mais recente dos representantes de países africanos se deu em março passado. “Eles vêm para cá e eu vou para lá, onde há uma outra situação. Lá eles trabalham com 300 quilos de algodão, por aqui trabalhamos com 6 mil quilos. Nossa ideia é que esse intercâmbio também melhore a vida deles, até porque a terra deles é melhor que a nossa.”
Com o início da operação da planta, Tibúrcio crê que a quantidade de produtores interessados aumente, assim como o próprio faturamento da Coopercat, hoje de quase R$ 4 milhões, segundo o gerente da cooperativa.
“A hora que a nossa algodoeira estiver pronta, nós queremos exponenciar”, diz Tibúrcio, sem dizer, no entanto, qual cifra a Coopercat pretende alcançar no futuro.
Para o presidente da Amipa, Daniel Bruxel, há a possibilidade de o cultivo na região de Catuti alcançar uma área plantada de 1,2 mil hectares na safra 2027/2028, com a entrada da operação da usina de beneficiamento de algodão.
“Com empresas, as outras associações, o governo, abraçando isso aqui, através de extensionistas vindo aqui, mostrando e falando, o produtor vai sentir mais confiança de voltar a investir na lavoura”, afirma o presidente da Amipa, que é um dos apoiadores do projeto de retomada da cotonicultura local, que conta ainda com apoio da Prefeitura Municipal de Catuti, Universidade Federal de Lavras, ABC, Fundo Algominas e Proalminas, Governo de Minas Gerais, e da companhia de insumos agrícolas Bayer.
A companhia apoia a retomada há pelo menos 20 anos e intensificou mais recentemente sua atuação para atender a uma meta global de impactar positivamente 100 milhões de pequenos produtores em países emergentes até 2030.
Dessa forma, numa parceria com a Coopercat, a Bayer deu apoio técnico a 76 produtores associados da cooperativa na região. Só nesta safra, doou 150 sacas de sementes certificadas Deltapine a 40 agricultores familiares, que plantaram 250 hectares. No ciclo anterior, 100 sacas haviam sido doadas para 36 produtores, em uma área de 182 hectares.
“A biotecnologia proporcionou a possibilidade de controlar as lagartas e o agricultor focar no controle do bicudo, que ainda continua sendo a principal praga do algodão. E isso permitiu que o algodão voltasse a poder ser cultivado no Norte de Minas de maneira tecnicamente adequada e com a possibilidade de alta produtividade e rentabilidade para o agricultor”, afirma Geraldo Berger, vice-presidente e chefe de ciência regulatória para a América Latina na divisão agrícola da Bayer.
A empolgação dos produtores é grande, mas há um ponto crucial em jogo para o futuro não apenas da retomada da cotonicultura, como também da própria região: a sucessão das propriedades. Na fazenda Lagoa Escura, Custódio opera a propriedade ao lado da esposa, mas seus filhos e netos hoje residem no estado de São Paulo.
Essa realidade é comum a diversos produtores locais - e também é um fenômeno que se repete também em outras regiões produtivas do país. No evento do dia de campo, Tibúrcio, da Coopercat, fez um chamado aos jovens presentes: “Vocês são o futuro. Fiquem aqui.” O tempo dirá se a ordem vai ser cumprida.
O jornalista viajou a convite da Bayer.
Resumo
- Projeto busca retomada da cotonicultura no Norte de Minas Gerais, que, no passado, chegou a cultivar 130 mil hectares da fibra e hoje produz em apenas 300 hectares
- A queda na produção é resultante da praga do bicudo-do-algodoeiro, inseto que devastou as lavouras no fim dos anos 1980
- Produtores aguardam entrada de usina de beneficiamento de algodão na região, capaz de processar até quatro fardos de 200 quilos do produto por hora