A indústria argentina de vacinas contra a febre aftosa vive uma guerra entre suas principais companhias. Mas a personagem principal da última batalha é a brasileira Ourofino Saúde Animal.
No centro da disputa estão, de um lado, a Tecnovax, que iniciou a importação da Ourovac Aftosa, produzida pela empresa com sede em Cravinhos (SP). Do outro, aparecem o Centro de Diagnóstico Veterinário (CDV), tradicional produtor, e a Biogénesis Bagó, maior fabricante e líder no mercado argentino.
O novo capítulo da disputa entre as empresas começou há pouco mais de dez dias, quando a Tecnovax relatou ter recebido o primeiro lote de 200 frascos da vacina brasileira bivalente - contra duas cepas do vírus da aftosa - para estudos e testes no Serviço de Saúde Animal (Senasa) argentino.
Diferentemente do Brasil, país livre de aftosa sem vacinação, a imunização na Argentina é obrigatória para bovinos e bubalinos nas regiões central, norte e fronteiriças. Trata-se de um mercado que movimenta de US$ 100 milhões a US$ 150 milhões por ano no país vizinho, que exporta US$ 3 bilhões em carne bovina.
Sem negócios por aqui - o imunizante nem consta mais no catálogo da empresa - a Ourofino encontrou na Tecnovax uma parceira para escoar estoques de vacinas produzidas, algumas prestes a vencer. Foi o que alertou o CDV em comunicado, sem citar nominalmente a concorrente.
“O laboratório CDV alerta sobre os perigos da importação de vacinas contra a febre aftosa com vencimento próximo, provenientes de uma planta desativada e com características não adaptadas às necessidades biológicas da pecuária argentina. Já sabemos o que aconteceu quando tratamos o tema aftosa de forma leviana, perdendo mercados que até hoje não foram recuperados", relatou.
O AgFeed apurou que as doses enviadas à Argentina vencem em agosto de 2025.
A Tecnovax rebateu as acusações e informou que seguirá todo o procedimento e aguardará os testes do Senasa – a agência de vigilância sanitária argentina – para ofertar o produto aos pecuaristas locais.
Nos testes, o órgão vacina um animal da Patagônia, área livre sem vacinação, em um centro de biossegurança e, em seguida, o infecta com o vírus. O animal é sacrificado e avaliado para descobrir a eficácia do imunizante.
“Num contexto em que a saúde animal é crucial para manter a posição da Argentina como um dos principais exportadores de carne do mundo, observamos manobras questionáveis que colocam em risco não só o estado sanitário do país, mas também a confiança dos produtores e dos mercados internacionais”, relata o CDV
Em nota, a Biogénesis Bagó adotou um tom formal e sem acusar a concorrente.
“Como fazemos há mais de 20 anos em cada processo de registro e validação dos seus produtos, a Biogénesis Bagó aposta no cumprimento dos protocolos estabelecidos pela regulamentação local. O caso da vacina bivalente é mais um exemplo deste tipo de protocolos que estamos habituados a realizar não só a nível local, mas nos diferentes países do mundo onde estamos presentes”.
A indústria argentina de imunizantes contra aftosa precisou se adaptar às novas regras de produção. Desde março deste ano, somente as doses bivalentes e trivalentes podem ser produzidas e, a partir de 28 de fevereiro de 2025, a venda das as tetravalentes, mais comuns, serão proibidas.
Para isso, novos produtos precisaram ser desenvolvidos. “Desde que houve a mudança na regulamentação e foi exigida a reformulação, todas as empresas tiveram que iniciar o registro do zero e passar pelas diferentes etapas que fazem parte do processo de autorização. Isso representou para a Biogénesis Bagó mais de oito meses de trabalho, desenvolvimento de tecnologia e investimento”, informou.
Segundo a companhia, etapas e trâmites foram cumpridos e uma nova vacina bivalente “atendeu e cumpriu com todas as exigências”. O produto depende de trâmites administrativos para ter a produção iniciada.
“Graças às nossas equipes de profissionais e à nossa experiência em nos adaptarmos aos requisitos das autoridades sanitárias mais exigentes do mundo, esperamos poder oferecer em breve uma nova vacina de qualidade”, completou.
Cartel e expulsão
A guerra aberta pela Tecnovax remonta a abril deste ano, quando a companhia encaminhou documento ao Senasa criticando o veto à importação de vacinas e atacando fornecedores locais.
“É um desafio ao bom senso que durante todos estes anos nenhuma vacina importada tenha conseguido entrar na Argentina”.
A empresa, sem citar o nome da Biogénesis Bagó, informava que havia um “mercado cartelizado e um monopólio” do imunizante, cujo preço da dose nacional seria de duas até quatro vezes maior que o da importada.
O governo do ultraliberal Javier Milei cedeu à pressão da Tecnovax e autorizou as importações da vacina bivalente pela empresa. Como resposta, a Biogénesis Bagó denunciou a Tecnovax na Câmara Argentina de Biotecnologia (CAB) pelas declarações públicas e atitudes em relação às regulamentações e o mercado de vacinas.
A entidade, que reúne mais de 30 empresas do setor, chamou a Tecnovax a se defender, o que não aconteceu, e no início de dezembro, expulsou-a por violação de estatuto e má conduta.
A Ourofino Saúde Animal foi procurada pelo AgFeed para se manifestar sobre a polêmica e também sobre o volume vendido e contratado pela Tecnovax, bem como qual a expectativa de negócios para aquele mercado. A gerência de imprensa da companhia informou estar em férias e que poderia atender a reportagem somente na próxima semana.
O retorno da companhia sobre os quetionamentos feitos foi enviado apenas na manhã da sexta-feira, 3 de janeiro, após a publicação.
Em mensagem enviada à redação, a empresa confirmou que, “por muitos anos, produziu a Ourovac Aftosa para atender à demanda do mercado interno e de alguns países da América do Sul”, tendo feito isso em sua fábrica na cidade de Cravinhos (SP).
“Em decorrência do processo de erradicação da vacinação no mercado nacional, concluído totalmente em abril de 2024, a planta encontra-se em 'stand by', mantendo a sua área de biossegurança ativa”, informou.
Da mesma forma, a Ourofino ratificou a informação de que firmou um acordo comercial com a Tecnovax para a distribuição do imunizante no mercado argentino e que um lote de 200 frascos da vacina Ourovac Aftosa, foi enviado para estudos e testes no Senasa, como parte do processo de obtenção do registro do produto.
A empresa afirma que o objetivo da parceria não tem como objetivo escoar estoques de vacinas produzidas e próximas ao prazo de vencimento, mas prefetiu não fazer comentários sobre os questionamentos adicionais a respeito das condições comerciais do contrato. "Informamos que a Ourofino Saúde Animal Ltda. é controlada pela Ourofino S.A., empresa listada no Novo Mercado desde outubro de 2014, e que não comenta projeções sobre seus negócios ou fornece guidance ao mercado”, concluiu a nota.