Uma reunião fora de agenda entre o secretário de Comércio e Relações Internacionais do Ministéro da Agricultura, Luís Rua, e o embaixador da França no Brasil, Emmanuel Lenain, pode colocar fim na crise que envolveu o grupo Carrefour e toda a cadeia da indústria brasileira de proteína animal.
No encontro, Lenain entregou uma carta enviada ao ministro Carlos Fávaro pelo CEO global da rede varefista francesa, Alexandre Bompard, com um pedido de desculpas por ter colocado em dúvida a qualidade da carne produzida no Brasil e em outros países do Mercosul.
O posicionamento foi expressado em uma mensagem enviada ao presidente da federação de agricultores franceses na semana passada. Nela, Bompard declarou que a empresa não compraria mais proteína animal dos países do bloco econômico da América do Sul, gerando repercussões econômicas e políticas por aqui.
“Sabemos que a agricultura brasileira fornece carne de alta qualidade, respeito as normas e sabor. Se a comunicação do Carrefour França gerou confusão e pode ter sido interpretada como questionamento de nossa parceria com a agricultura brasileira e como uma crítica a ela, pedimos desculpas”, escreveu Bompard na carta endereçada a Fávaro e obtida em primeira mão pelo portal NeoFeed.
A entrega da carta foi confirmada pelo Ministério da Agricultura duas horas depois da publicação do conteúdo da mensagem. Em nota, o Mapa destacou o trecho acima e reiterou “os elevados padrões de qualidade, sanidade e sustentabilidade da produção agropecuária brasileira”.
Na nota, o mapa ressaltou a reação do setor às declarações de Bompard. “O Mapa enaltece o trabalho desempenhado pelo setor, a gestão ativa das associações e seus associados na defesa de uma produção de excelência que chega às mesas de consumidores em mais de 160 países do mundo”.
A carta de Bompard a Fávaro foi elaborada após essa escalada de reações do agronegócio brasileiro. O que começou como protestos evoluiu para um boicote de algumas das principais indústrias de carne bovina do País, que deixaram de fornecer seus produtos às lojas das redes Carrefour e Atacadão.
O impacto econômico da decisão começou a ser sentido no fim de semana e foi admitido na segunda-feira pela própria empresa, em nota em que lamentava a decisão dos grupos brasileiros.
Na mesma segunda, também empresas do segmento de aves e suínos decidiram aderir ao boicote, que foi aplaudido pelo ministro Fávaro em declaração à Globonews.
“Estou feliz com a atitude de nossas plantas frigoríficas. Se para o povo francês o Carrefour não serve para comprar carne brasileira, o Carrefour que também não compre carne brasileira para colocar em suas gôndolas aqui no Brasil”, disse o ministro.
Fávaro afirmou estar indignado com o argumento “sanitário” de Bompard para justificar o anúncio de suspender as compras de carne oriunda do Mercosul.
“O primeiro parágrafo da manifestação dele é com relação à qualidade sanitária das carnes brasileiras, o que é inadmissível. O Brasil tem uma das melhores sanidades de produtos alimentícios do mundo. Não dá nem para comparar com a qualidade francesa de tão melhor que é a brasileira”, explicou.
Também o presidente da Câmara dos Deputados, Artur Lira, decidiu se posicionar e anunciou sua intenção de colocar em pauta um projeto de lei para proibir que o Brasil assine acordos com países que não possuem o mesmo rigor ambiental, numa clara referência à França.
Aos impactos políticos e econômicos somou-se a pressão de acionistas brasileiros do grupo, que tem no País seu segundo maior mercado. Restou a Bompard recuar.
A nova posição do executivo do Carrefour pode ajudar a esfriar o clima com os prosutores brasileiros. Consultado mpelo AgFeed na manhã desta terça-feira, 26 de novembro, sobre o teor da carta, Ricardo Santin, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Proteína Animal, afirmou acredtirar que, a partir dela, a tendência é o boicote do setor à rede ser encerrado.
Já a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) emitiu nota afirmando que "a agroindústria no Brasil recebe com satisfação o pedido de desculpas e o reconhecimento da excelência do produto e do produtor brasileiro por parte do CEO Global do Carrefour, Alexandre Bompard". A expectativa da entidade é de que as operações da rede francesa sejam reestabelecidas.
Confira, a seguir, a íntegra da cartade Bompard a Fávaro, publicada pelo NeoFeed:
Ao Excelentíssimo Ministro da Agricultura e Pecuária do Brasil,
Senhor Carlos Fávaro,
A declaração de apoio do Carrefour França aos produtores agrícolas franceses causou discordâncias no Brasil. Como Diretor-Presidente do Grupo Carrefour e amigo de longa data do país, venho, respeitosamente, esclarecê-la.
O Carrefour é um grupo descentralizado e enraizado em cada país onde está presente, francês na França e brasileiro no Brasil.
Na França, o Carrefour é o primeiro parceiro da agricultura francesa: compramos quase toda a carne que necessitamos para as nossas atividades na França, e assim seguiremos fazendo. A decisão do Carrefour França não teve como objetivo mudar as regras de um mercado amplamente estruturado em suas cadeias de abastecimento locais, que segue as preferências regionais de nossos clientes. Com essa decisão, quisemos assegurar aos agricultores franceses, que atravessam uma grave crise, a perenidade do nosso apoio e das nossas compras locais.
Do outro lado do Atlântico, no Brasil, compramos dos produtores brasileiros quase toda a carne que necessitamos para as nossas atividades, e seguiremos fazendo assim. São os mesmos valores de criar raízes e parceria que inspiram há 50 anos nossa relação com o setor agropecuário brasileiro, cujo profissionalismo, cuidado à terra e produtores conhecemos.
O Grupo Carrefour Brasil é profundamente brasileiro, com mais de 130.000 colaboradores, se desenvolveu e continua se desenvolvendo sob minha presidência em parceria com produtores e fornecedores do Brasil, valorizando o trabalho do setor produtivo e sempre em benefício de nossos clientes.
Nos últimos anos, o Grupo Carrefour Brasil acelerou seu desenvolvimento, dobrando tanto o volume de seus investimentos no país quanto suas compras da agricultura brasileira. Mais amplamente, o Brasil é o país em que o Carrefour mais investiu sob minha presidência, o que confirma nossa ambição e nosso comprometimento com o país. Assim seguiremos prestigiando a produção e os atores locais e fomentando a economia do Brasil.
Sabemos que a agricultura brasileira fornece carne de alta qualidade, respeito as normas e sabor. Se a comunicação do Carrefour França gerou confusão e pode ter sido interpretada como questionamento de nossa parceria com a agricultura brasileira e como uma crítica a ela, pedimos desculpas.
O Carrefour está empenhado em trabalhar, na França e no Brasil, em prol de uma agricultura próspera, seguindo nosso propósito pela transição alimentar para todos. Asseguro, Senhor Ministro, nosso compromisso de longo prazo ao lado da agricultura e dos produtores brasileiros.
Aproveito a oportunidade para renovar os protestos de estima e consideração.
Atenciosamente,
Alexandre Bompard
Diretor-Presidente do Grupo Carrefour