Atenção: esse bolinho de peixe contém peixe. Mas não é um peixe comum. Apesar de ter todos os elementos e células de um filé extraído de um robalo que nadava nas praias do Rio de Janeiro, a origem dessa proteína é um biorreator do laboratório do Campus Tecnológico do Inmetro, em Xerém, na zona norte da cidade.

Em um pequeno resumo, essa é a aposta da startup Sustineri Piscis, focada na produção de carne cultivada de pescados marinhos. Fundada pelo biólogo e empreendedor Marcelo Szpilman, a startup quer deixar de navegar em um aquário e nadar em um oceano de possibilidades.

Para isso, está em busca de R$ 8 milhões para mudar a escala de produção de gramas para quilos em dois anos. A rodada de captação está acontecendo na EqSeed, plataforma de investimento coletivo para startups.

“Estamos captando esse recurso junto à EqSeed para triplicar o tamanho do laboratório, num projeto piloto de fábrica com equipamentos de capacidade para 20, 50 ou 100 litros”, afirma.

Hoje a startup conta com um biorreator de bancada de dois litros e, com isso, consegue uma produção na escala das gramas.

A ideia é, em até dois anos, passar a produzir quilos – e, mais dois anos depois, entrar no mercado com toneladas. Com o dinheiro que está sendo captado, além da escala na produção, a Sustineri Piscis pretende baratear seus processos e reduzir custos de produção.

A rodada está acontecendo somente na EqSeed, sem participação de fundos ou outros investidores de fora. Pelas normas da CVM, quando o assunto é crowdfunding, se a companhia atingir os R$ 8 milhões ainda pode aumentar a captação em 25%, fazendo com que os valores levantados cheguem aos R$ 10 milhões.

Em pouco mais de um mês recebendo aportes na plataforma, a Sustineri Piscis já levantou R$ 5 milhões.

Antes dessa rodada do tipo seed, Szpilman já havia captado cerca de R$ 3 milhões com alguns conhecidos, num esquema “family and friends”.

O recurso serviu para colocar o primeiro laboratório de pé. Em 2022, a Frescatto, uma das líderes do mercado de pescados no País com cerca de 13 mil clientes locais e de exportação, aportou R$ 750 mil por 3% do negócio.

“A Frescatto entrou como sócia e, além do dinheiro, trouxe sua expertise (Smart Money). É uma parceria interessante pois, no futuro, vamos fazer produtos para vender e a companhia já tem 80 anos de experiência em distribuição. Já temos esse canal”, afirmou o CEO da agtech.

Hoje, a companhia produz a proteína que se apresenta numa espécie de carne moída. A ideia, no futuro, é oferecer um filé ou sashimi de peixes.

A startup já consegue produzir no laboratório proteínas de robalo, linguado, cherne e garoupa. A aposta em peixes de maior valor agregado é, segundo Szpilman, um diferencial da companhia.

“Atualmente, um quilo de peito de frango não custa R$ 20, enquanto um quilo de garoupa chega até R$ 200”, estima.

Igor Monteiro, CEO da EqSeed, afirmou que essa é a maior rodada de investimento da plataforma desde sua fundação. A Sustineri é a primeira startup de biotecnologia a passar pelo “crivo” da empresa.

“Por vezes, empresas do tipo passam cinco ou sete anos para depois conseguir faturar alguma coisa”, afirma. Segundo Monteiro, quatro fatores animaram a diretoria da plataforma para distribuir a oferta de investimento na startup para sua base de investidores, que hoje já ultrapassa 70 mil cadastrados.

Primeiro, ele considerou o produto relevante, dadas as problemáticas do mercado de peixes selvagens. Segundo, o histórico empreendedor do Marcelo deu confiança aos executivos.

Em terceiro lugar, a pesquisa avançada nos últimos anos, que envolveu até uma degustação de bolinhos fritos de robalo em um restaurante no ano passado. E por fim, a sociedade com a Frescatto, que resolve todo o problema de distribuição do produto.

A EqSeed tem cada vez mais apostado em agtechs em sua plataforma. Por lá passaram a JetBov, CargOn, SciCrop e no momento, além da Sustineri Piscis, a agfintech Inspecto Agri.

“Colocamos o pé no setor, e é impressionante o interesse da nossa base. Seguimos muito atentos ao agro”, disse Monteiro ao AgFeed.

Única no segmento no Brasil, a Sustineri Piscis entra num hall de startups que estão desenvolvendo outras proteínas animais em laboratório.

No mundo suíno, a gaúcha Cellva já levantou mais de R$ 8,5 milhões com sua aposta em gordura feita em laboratório. Já no leite, a Future Cow recebeu mais de R$ 2 milhões para produzir seu leite de vacas sem vacas.

Fora do País, as californianas BlueNalu e Finless Food também apostam nos peixes de laboratório. A primeira captou no ano passado cerca de US$ 35,5 milhões para produzir atum. Já a segunda recebeu US$ 34 milhões, com uma atividade mais focada em frutos do mar. Ambas foram rodadas do tipo Série B.

Na Europa e também nos frutos do mar, a alemã Bluu Seafood captou 17 milhões de euros em uma rodada do tipo Série A em junho do ano passado.

O empreendedor dos sete mares

Antes de criar a Sustineri Piscis, o biólogo Marcelo Szpilman já empreendia no setor marinho. Ele foi um dos responsáveis por criar o AquaRio, o aquário marinho do Rio.

Em 2005, iniciou um projeto para colocar de pé o projeto, que traria um aquário de nível internacional à capital carioca. Em 2012, num plano de negócios de R$ 130 milhões, as obras começaram, e a atração foi inaugurada em 2016.

Hoje, segundo ele, que é presidente de honra da empresa, o aquário recebe 1 milhão de visitantes por ano, numa estrutura que também compreende pesquisa e conservação de espécies.

Desde formado, porém, Szpilman já tinha na cabeça a ideia de criar peixes. Antes dos laboratórios e biorreatores surgirem em sua vida, ele já cogitou atuar com criação de trutas e também de garoupas-verdadeiras, uma espécie ameaçada de extinção.

Com burocracias e “riscos altos no negócio”, acabou se enveredando por outros caminhos e chegou até a atuar por alguns anos no mercado financeiro, que, segundo ele, forneceu uma base sólida para empreender.

Quando o AquaRio estava em “voo de cruzeiro”, Szpilman, que se considera inquieto, queria uma nova empreitada. Diante do cenário de aumento populacional global (que aumenta a demanda por alimentos) e um cenário de intoxicação de peixes nos mares por metais pesados, ele viu uma oportunidade de resolver os dois problemas.

Ele cita que na aquicultura tradicional, por exemplo, são necessários quatro quilos de sardinhas usadas na alimentação para produzir um quilo de carne de garoupa.

“De um lado a ONU prevê que precisamos dobrar a oferta de proteína para alimentar o mundo, só que com essa piscicultura estamos indo no caminho inverso, de quatro para um. O planeta não comporta que se dobre a quantidade de cabeças de gado e frango, nem dobrar os peixes capturados”, afirmou.

Foi então que o empreendedor conheceu algumas iniciativas estrangeiras parecidas com a Sustineri Piscis, e após estudos, viu que a indagação dava negócio.

“Vi um caminho sustentável para produzir proteínas genuínas fora do peixe e sem espinha, só a proteína. É um mercado que também atende as demandas Kosher, Halal e até vegano”, comentou.

Ele afirma que a Sustineri já conseguiu “imortalizar” as células naturais. Na prática, não precisa mais coletar novas células de robalos.

Num futuro mais de longo prazo, a expectativa da startup é fornecer a tecnologia para que sejam produzidas localmente as proteínas de peixe.

“Sem gastar dinheiro com transporte e congelamento de pesca, qualquer cidade do interior do Brasil pode ter uma pequena produção para produzir carne genuína e fresca de pescados marinhos. Imagine uma cidade em Goiás ter acesso a cherne, robalos e garoupas frescos”, diz.