Não se fala em outra coisa nos grupos de Whatsapp de produtores rurais, entidades representativas e perfis de executivos do setor da carne brasileira em redes sociais.

Em 24h, a declaração do CEO do Carrefour, Alexandre Bompard, que afirmou que a varejista não vai mais comercializar carnes vindas do Mercosul, movimentou uma série de players do agro nacional.

Depois do Ministério da Agricultura e de entidades que representam a indústria da carne, como Abiec e ABPA, rechaçarem a mensagem do Carrefour, outras lideranças no bloco se posicionaram, ao longo desta quinta-feira. O coro fez o Carrefour se justificar.

Em nota divulgada nesta quinta, 21 de novembro, a rede varejista francesa declarou que a medida “se aplica apenas às lojas na França”. “Em nenhum momento ela se refere à qualidade do produto do Mercosul, mas somente a uma demanda do setor agrícola francês, atualmente em um contexto de crise”, diz o texto.

Ainda segundo o Carrefour, toda a operação brasileira (segundo maior mercado do grupo) e argentina da varejista, seguirão funcionando sem qualquer alteração, contando com carnes do Mercosul. Nos outros países, onde há o modelo de franquia, também não há mudanças.

A grande questão é que dentre os US$ 22 bilhões que foram movimentados em proteínas animais nos portos brasileiros no ano passado, menos de 1% foi embarcado para a França. Segundo dados do Comex Stat, do Ministério do Desenvolvimento, de tudo que o nosso País vende para os franceses, apenas 0,04% do total é carne.

Apesar disso, a posição oficial de um País como a França, influente no bloco europeu e sempre ativista em termos ambientais, pode desencadear uma série de discussões sobre o futuro das exportações do agro nacional. Por isso as dezenas de posicionamentos vistos entre quarta e hoje nas redes sociais.

Nesta quinta, o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp), Tirso Meirelles, afirmou, via nota, que cabe ao Carrefour reavaliar sua posição e, eventualmente, se retratar publicamente.

De acordo com Meirelles, a decisão foi tomada unilateralmente e sem critérios técnicos, revelando uma “ falta de compromisso do grupo com o Brasil, um importante mercado consumidor”.

“A declaração demonstra não apenas uma atitude protecionista dos produtores franceses, mas um total desconhecimento da sustentabilidade do setor pecuário brasileiro, que é altamente sustentável e que conta com tecnologia inclusive sequestrando CO2. A Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo se solidariza com os produtores e trabalhará para a reversão desse fato”, disse o presidente da Faesp.

Já a Associação Brasileira de Angus e Ultrablack afirmou que “vê com extrema preocupação a manifestação do CEO do Carrefour na França, que desqualificou as carnes produzidas pelos países membros do Mercosul”.

“Trata-se de uma declaração improcedente e que acarreta sérios prejuízos à imagem e à reputação da proteína brasileira, produzida a partir de um trabalho sério e responsável feito por criadores e empresas do setor”, disse o órgão.

Também em nota, Gedeão Pereira, vice-presidente da CNA e presidente da FARM (Federação das Associações Rurais do MERCOSUL), repudiou a fala de Bompard, e pediu que o Carrefour “reveja sua posição e adote uma postura condizente com os princípios de diálogo e respeito que deveriam nortear as relações comerciais globais”.

A FARM é composta por entidades representativas da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Uruguai e Paraguai.

Pereira ainda classificou a atitude do CEO do Carrefour como arbitrária, protecionista e equivocada, e vê o bloco prejudicado com o discurso.

“A carne do Mercosul é produzida sob rigorosos padrões socioambientais e sanitários, alinhados com as mais exigentes normas internacionais. O Mercosul é líder mundial em práticas de sustentabilidade no setor agropecuário”, argumenta a nota da FARM.

Para Gedeão Pereira, mesmo que as decisões comerciais sejam de competência interna das empresas, a postura pública do CEO do Carrefour, “ao transformar uma política de compras em palco para questionamentos infundados, ultrapassa os limites aceitáveis”.

Segundo dados da instituição, em 2023, os países do Mercosul produziram 38 milhões de toneladas de carne, incluindo bovinos, suínos e aves, das quais exportou 11 milhões. A região é a principal fornecedora de proteína animal do mundo, com uma produção que atinge mais de 160 países, nos cálculos da entidade.

“Os produtores rurais da FARM e suas entidades aqui representadas não aceitarão ataques injustificados e se reservam o direito de reagir de maneira firme, seja por vias econômicas ou institucionais, para proteger a imagem e os interesses do setor agropecuário de seus países”, finalizou Pereira.

A Sociedade Rural Brasileira (SRB) também expressou sua preocupação com a declaração do CEO do Carrefour.

De acordo com a SRB, a decisão, “desprovida de fundamentos técnicos, representa um gesto protecionista que prejudica, não apenas a reputação dos produtos agropecuários brasileiros, mas também o equilíbrio do comércio internacional”.  A entidade também pediu uma retratação do Carrefour.

Na noite desta quinta, houve ainda a divulgação de uma nota de repúdio assinada em conjunto por ABIEC, ABPA, ABAG (Associação Brasileira do Agronegócio), CNA, SRB e FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

No texto, as entidades afirmam que “se não serve para abastecer o Carrefour na França, não serve para abastecer o Carrefour em nenhum outro país”.

A nota ressaltou que periodicamente as empresas de proteína nacional são auditadas e certificadas por centenas de missões sanitárias internacionais e também por clientes que confirmam a segurança de alimentos do que vai para cada destino.

“Foram necessárias décadas para que o Mercosul por inteiro avançasse em sua reputação internacional como produtor de carnes. Tudo isso demonstra a excelência da produção na região, num comprometimento que as entidades e associações que representam os 29 milhões de trabalhadores no agronegócio no Brasil reforçam todos os dias”, diz o texto.