Setor econômico tão influenciado por fatores que fogem ao controle de pessoas e empresas, como as condições climáticas, o agronegócio é um campo aberto para exercícios de previsibilidade. Sem a possibilidade da precisão em estimativas até para períodos curtos, quanto mais estudos, pesquisas, debates e trocas de informações acontecerem, maiores serão as chances de se pavimentar um futuro próspero.
Essa é uma das contribuições do Itaú BBA para o agronegócio, setor que tem relação direta com sua história. Exemplo disso foi a realização da edição 2024 do encontro Agro Vision, no dia 17 de outubro, em São Paulo, mais um convite à discussão sobre os cenários para os próximos anos neste segmento que representa cerca de 25% do PIB e 48% das exportações brasileiras.
“O evento foi planejado com o olhar para o futuro”, afirmou o presidente do Itaú BBA, Flávio Souza. Exatamente por isso, a organização escolheu como temas centrais sustentabilidade e tecnologia, mais especificamente “O que esperar dos biocombustíveis no Brasil” e “Inovação e IA no Agro”. O encontro foi marcado ainda por outro conceito fundamental para o banco, a evolução coletiva.
Entre os convidados para o debate, estavam conceituados representantes de diferentes áreas. Na plateia, clientes, parceiros, acadêmicos, destacados profissionais de vários segmentos do agronegócio. A soma de visões tão distintas e privilegiadas multiplicou as possibilidades de respostas, soluções e direcionamentos.
“O Brasil tem um papel crucial na segurança alimentar e também na transição energética, integrando o agronegócio às novas demandas globais por sustentabilidade. E não estamos falando apenas no aspecto ambiental, mas também social e econômico”, disse Souza.
Promover o debate sobre os próximos anos do setor é, mais do que uma contribuição, um compromisso do banco com o setor. O agronegócio representa a maior carteira setorial de créditos da instituição, com R$ 110 bilhões, tendo quadriplicado sua participação nos últimos cinco anos.
“Isso nos coloca na posição de maior banco privado do agronegócio do Brasil”, disse o executivo. “Para 2025, esperamos expandir nossa carteira em mais R$ 20 bilhões.”
Biocombustíveis – Desafios e oportunidades
A conversa sobre o papel do Brasil no mercado dos bicombustíveis teve moderação da diretora de Relações Institucionais e Sustentabilidade do Itaú Unibanco, Luciana Nicola. E contou com a participação de Erasmo Carlos Batistella, CEO da Be8; Tomás Manzano, CEO da Copersucar; Ciro Possobom, CEO da Volkswagen Brasil; e Diogo Youssef, head de Combustíveis da Azul Linhas Aéreas.
Antes do debate, o professor de economia agrícola Scott Irwin, da University of Illinois, apresentou um panorama dos biocombustíveis nos Estados Unidos, onde também há um avanço nesse campo, com um crescimento considerável principalmente do diesel renovável. Irwin chamou a atenção para o cenário de incertezas sobre o estímulo ao segmento por conta de questões políticas, com as próximas eleições para a presidência dos EUA.
Enquanto isso, por aqui, a recente aprovação da Lei do Combustível do Futuro favorece as iniciativas voltadas à mobilidade sustentável de baixo carbono e ao posicionamento do Brasil como líder da transição energética global. Como não poderia deixar de ser, a nova legislação entrou na pauta do Agro Vision.
Os participantes foram unânimes sobre os benefícios e as oportunidades resultantes dessa lei. Erasmo Batistella ressaltou, inclusive, que os biocombustíveis são fundamentais para o agro brasileiro, até porque a receita de muitos agricultores vem em função da precificação da parcela de grãos ou da cana que vai para a produção de energia.
O CEO da Be8 destacou a relevância das políticas públicas para a transição energética. “Apenas com a intenção é muito difícil avançarmos nesse processo”, afirmou. Também ponderou sobre um desafio imediato nessa conjuntura. “Agora temos de regulamentar tudo o que foi aprovado. E avançar na questão da fiscalização de toda a cadeia.”
Tomás Manzano, da Copersucar, acrescentou mais três desafios para impulsionar o mercado de biocombustíveis. O primeiro deles é promover o entendimento de que a migração para uma economia de baixo carbono envolve duas dimensões, uma dos próprios biocombustíveis e outra da segurança alimentar. O objetivo é deixar claro que, no caso do Brasil, não cabe a discussão de que a produção de combustível toma espaço da comida.
O segundo desafio é a compreensão das pluralidades e necessidades locais, pois não há solução única para todas a situações. “Cada país tem sua vocação, sua realidade socioeconômica, sua infraestrutura”, afirmou o executivo.
Fechando essa trinca, Manzano acrescentou a importância de haver um arcabouço regulatório com normas e incentivos que de fato considerem as emissões no ciclo de vida inteiro da cadeia.
Não há como falar sobre o avanço dos biocombustíveis sem passar pela participação da indústria automobilística. Ou pela grande responsabilidade do setor, como deixou claro Ciro Possobom, da Volkswagen.
“No mundo, o transporte representa mais de 20% das emissões de CO2”, disse. “E só para terem uma ideia, há alguns anos, o grupo Volkswagen, com todas suas marcas, era responsável por quase 2% do CO2 emitido no planeta.”
A evolução tecnológica dos veículos tem permitido, segundo ele, mudar esse panorama. No entanto, também é preciso entender como esse aprimoramento chegará ao consumidor final. Se o preço de um carro mais sustentável for inviável para a população, o problema continua.
Para Possobom, o melhor caminho é colocar os avanços a favor dessa transformação, adequando e combinando soluções. “É nossa responsabilidade, em um país continental como esse, adaptar a tecnologia. A gente acredita muito no etanol como opção para carros de passeio e, para os caminhões e ônibus, está muito focado no biodiesel.” A montadora também aposta alto nos veículos elétricos e híbridos.
Por falar em aposta alta, o Combustível Sustentável de Aviação, também conhecido como SAF (na sigla em inglês), deve ganhar ainda mais relevância para o setor de bioenergia. A partir de 2027, os operadores aéreos terão de reduzir suas emissões de gases do efeito estufa nos voos domésticos por meio do uso do biocombustível sustentável, começando com 1%, índice que vai aumentar gradativamente até chegar aos 10%, em 2037.
Além de atender à nova exigência, a ampliação do uso de biocombustíveis no setor aéreo precisa levar em consideração a questão de custos. “Há muito tempo a aviação busca economia de combustível, que representa 40% de nosso custo operacional. E o Brasil é o país com o combustível mais caro do mundo”, afirmou Diogo Youssef.
O executivo da Azul reforçou que o SAF será essencial para cumprir não só as metas de descarbonização do setor como o compromisso de net zero assumido pela companhia para 2045.
“E o SAF do Brasil é o que vai ter o maior atributo para isso. Essa é a razão de buscarmos a proteção na legislação e nas leis complementares, é o que vai trazer segurança, oportunidades e fechar uma conexão importante entre nós, companhias aéreas, como a ponta consumidora e o agro como a ponta produtora.”
Pelos depoimentos, ficou claro que o biocombustível representa uma agenda de oportunidades para o Brasil. E nessa janela, vem também o desafio de comunicar ao mundo como o país tem conduzido a cadeia produtiva, com boas práticas e garantia da sustentabilidade.
Para Luciana Nicola, a realização da COP30, no Brasil, no ano que vem, será uma ótima chance de mostrar a estrangeiros e a “não convertidos” como o país pode de fato contribuir para essa agenda.
“Vamos poder demonstrar como o Brasil realmente é para players que levarão essa mensagem lá para fora, contribuindo para divulgar a imagem de que a gente tem um mercado de grande potencial para essa agenda mais sustentável”, ela disse.
A inovação é um processo
Se o biocombustível é uma pauta obrigatória quando se fala sobre sustentabilidade, a inovação e a inteligência artificial têm o mesmo peso quando o assunto é a transformação tecnológica do campo. E tudo está interligado. Tanto que, para muita gente que vive de perto o agronegócio, esses tópicos são componentes de uma nova revolução do setor.
Quem abriu a conversa no painel sobre o tema no Agro Vision foi o CIO do Itaú Unibanco, Ricardo Guerra, contando a jornada de evolução tecnológica do próprio banco, provocada por demandas que vinham da sociedade.
Segundo ele, as transformações de segmentos como mobilidade, entretenimento, viagem, música, redes sociais e compras, criando um novo normal para as pessoas, também chegaram ao sistema financeiro. E onde se via concorrência também se enxergava oportunidade de entregar mais valor.
“Há dez anos, paramos e nos perguntamos como entregar mais valor às pessoas. Não sabíamos as respostas”, disse.
A busca começou, então, pelo Vale do Silício, e a primeira percepção foi de que a inovação era promovida pela interação de múltiplos players – empreendedores, investidores, universidades e grandes empresas, um ecossistema que gira numa velocidade muito rápida. Foi a partir daí que o banco passou a trilhar seu próprio caminho de inovação.
Os ganhos ao longo dessa jornada indicam que a direção estava correta. “Somos o número um em velocidade de crédito, temos mais de R$ 3 bilhões em carteiras ESG no agro e mais de R$ 1,5 bilhão desembolsados apenas no programa Reverte (uma parceria iniciada com a Syngenta em 2019 para transformar áreas degradadas em produtivas)”, afirmou Guerra.
Esse processo evolutivo do banco é baseado em cinco pilares: as pessoas, a tecnologia, o uso de dados de inteligência artificial em abundância, o design e os produtos. É por meio da combinação desses fundamentos que o Itaú consegue oferecer um atendimento eficiente, moderno e que satisfaça a demanda do público. Por isso, a inovação não é uma área do banco, e sim uma prática de cada um de seus negócios.
“A gente precisa ter conversas com nossos clientes constantemente para entender o que podemos melhorar”, disse o CIO do Itaú Unibanco. “Devido a nossa honestidade intelectual, acreditamos que nunca chegaremos à perfeição, mas temos a necessidade de evoluir o tempo todo”, acrescentou Guerra.
Esse é mais um ponto em que a modernização do sistema financeiro se assemelha com a necessária evolução tecnológica do agronegócio. Coube ao diretor de Agronegócio do Itaú BBA, Pedro Fernandes, conduzir a conversa sobre como a inovação e a inteligência artificial vão delinear o futuro do agro brasileiro.
“A gente está à beira de uma nova revolução no setor, impulsionada pela sustentabilidade e pela inovação tecnológica. Em números recentes da FAO, o Brasil terá de aumentar em 40% sua produção de alimentos ao longo dos próximos dez anos para suprir uma demanda global”, afirmou.
Mais que isso, o País deverá ser protagonista na descarbonização da indústria de transportes. E a inteligência artificial tem o potencial de transformar cada uma das cadeias produtivas agrícolas, desde previsões climáticas, gestão de pragas, utilização de insumos e automação de máquinas. “Ao redor do mundo, os investimentos em IA alcançaram US$ 142 bilhões, e até 2025 devem chegar a US$ 200 bilhões”, disse Fernandes.
Para essa conversa, o executivo do Itaú BBA teve a companhia de Ignácio Bartolomé, CEO da GDM Seeds; André Savino, presidente da Syngenta Proteção de Cultivos; Anselmo Del Toro Arce, cofundador e diretor de Relações Institucionais da Solinftec; e Edson Balfe, pesquisador em Sensoriamento Remoto na Embrapa Agricultura Digital.
Os convidados reforçaram a influência da tecnologia no desenvolvimento da agricultura, na evolução em produtividade com impactos diretos e indiretos em sustentabilidade.
É o caso do melhoramento genético de plantas realizado pela GDM, inclusive utilizando a tecnologia de edição genética por CRISPR. “E agora podemos utilizar a IA para buscar as características desejadas dentro das diferentes variedades e espécies”, afirmou Ignácio Bartolomé.
André Savino fez coro ao discurso de Ricardo Guerra sobre a inovação não ser um fim. “Ela tem de estar em todas as áreas, e a informação está no centro do processo de inovação”, disse.
Segundo o executivo da Syngenta, é a partir desse conceito que vem uma das principais contribuições da IA para o manejo agrícola. Enquanto um técnico de campo levanta, em média, 120 informações quando analisa uma lavoura, a IA é capaz de apurar 15 mil informações. “E uma pergunta que fica é qual a verdadeira disruptura que queremos criar com essa inovação em larga escala.”
Aliás, segundo Savino, está aí um ponto fundamental nesse processo de inovação e de utilização da IA: quais são as perguntas certas a se fazer na busca da evolução? Para ele, encontrar um profissional que saiba colocar as questões certas pode se tornar mais valioso do que ter alguém que conheça as respostas, pois essas podem vir com os dados, com as informações apuradas.
Após o levantamento, também é essencial que se faça uma interpretação adequada das informações. Anselmo Del Toro comentou que a Solinftec, agtech brasileira fabricante de robôs para uso agrícola, gera cerca de 3,7 trilhões de dados por ano, mas a funcionalidade dessa montanha de informações está diretamente relacionada à capacidade de decidir o que fazer com ela.
“A Solinftec é uma empresa que nasceu delineada pela inovação, e sempre acreditamos que a informação é um meio, portanto precisamos aproveitá-la para melhorar os processos.”
Se atualmente o uso de IA ganhou notoriedade por conta de aplicativos como o Chat GPT, na produção agrícola a tecnologia já vem sendo usada há tempos. E o que afirmou Edson Bolfe, da Embrapa.
“E não me refiro ao ano passado, mas a 15 ou 20 anos atrás. Em 2001, eram usados os primeiros algoritmos de IA para planejamento, condição de safras, zoneamento agrícola”, disse, aproveitando a oportunidade para destacar que a estatal de pesquisa agropecuária nasceu exatamente de uma visão de futuro.
Para os próximos anos da agricultura brasileira, é certo que todas as definições de avanço passarão pelos temas sustentabilidade e tecnologia, provavelmente com mais especificidade. Seja atendendo a uma demanda pontual em relação às características dos alimentos, seja auxiliando os produtores e demais integrantes das cadeias agrícolas com as tomadas de decisão, com o apoio da IA.
A tecnologia também passará por definições sobre o que é ferramenta e o que é desenvolvimento, assim como contribuirá para que a produção agrícola tenha rastreabilidade total, aumentando a segurança dos alimentos e da própria cadeia produtora.
Outra contribuição das inovações tecnológicas, sobretudo com a IA, é encontrar soluções para se produzir mais com menos, um grande desafio da atualidade e, com certeza, do futuro. Ainda entra nesse pacote de aprimoramentos a gestão do negócio, incluindo até processos de sucessão rural, mantendo os jovens no campo. Temas de outras conversas que têm permeado as relações do Itaú BBA com os diferentes elos do agronegócio.