Com várias metas climáticas no horizonte, companhias de todo o mundo estão procurando alternativas para cumprir os prazos que estabeleceram a si mesmas.
Uma das opções para resolver esse problema são os sistemas agroflorestais, em que árvores convivem no mesmo ambiente com culturas agrícolas e são potenciais armazenadores de carbono no solo, de acordo com diferentes estudos acadêmicos.
Muitos agricultores, mais conservadores na forma de produzir, preferem, entretanto, se manter nas práticas convencionais a se arriscar nesse tipo de manejo, que não dominam.
Uma startup de Santa Catarina viu nessa situação uma oportunidade de negócio para, ao mesmo tempo, destravar a adoção de sistemas agroflorestais no campo e atender à demanda de empresas que querem compensar suas emissões.
“A gente paga os agricultores para plantar a árvore. E, basicamente, empresas pagam a gente para fazer a sequência de ação”, resume o engenheiro florestal Gabriel Neto, criador e CEO da startup.
Depois de ter plantado mais de um milhão de árvores no Brasil e recém encerrado uma rodada de investimento de equity crowdfunding de pouco mais de R$ 1 milhão, coordenada pela Arara Seed, a AgroForestryCarbon quer se internacionalizar.
Neto atendeu a reportagem do AgFeed em meio a uma agenda cheia na Holanda, onde a startup possui clientes e investidores.
Na Europa, ele diz ter encontrado um ambiente muito mais favorável para negócios envolvendo sustentabilidade.
O interesse no continente europeu decorre de duas condições, segundo ele. A primeira delas é o fato de que a maior parte do faturamento da empresa nos últimos dois anos veio da Europa.
E a segunda, de acordo com ele, é a disponibilidade dos europeus em aportar recursos em negócios envolvendo sustentabilidade, um apetite que não aparece da mesma forma no Brasil.
“O Brasil não paga pelo meio ambiente. Vou fazer uma proposta para um cliente no Brasil, mando um proposta de R$ 2 mil e ele chora, quer pagar 500 reais”, diz.
“Se envio para a Europa uma proposta de 20 mil euros e o cara fala: ‘Não, é pouco, vamos pagar 50 mil’. Ou seja: estou no tempo certo, no produto certo, com o sistema certo, mas no lugar errado”, afirma Neto.
A Agroforestry Carbon também acaba de ser selecionada pelo programa Startup Visa, do governo de Portugal, com o objetivo de atrair empreendedores estrangeiros para desenvolverem projetos de inovação no território português.
Independentemente do caminho a ser seguido, o destino já está claro para Neto: “Uma coisa é certa: vamos para a Europa.”
Pés na floresta
A startup almeja também chegar a 2030 com um bilhão de árvores plantadas, segundo Neto.
O número parece distante, mas o criador da startup afirma que já tem 500 mil árvores plantadas e entende que as mudanças climáticas devem se aprofundar nos próximos anos e estimular uma maior conscientização da sociedade.
“A gente vai ter que acordar e a gente está acordando, querendo ou não. Até 2030 vai ter muita tragédia para acontecer ainda”
Criada há apenas três anos, em 2021, a startup não é o primeiro negócio de Neto. Ele havia tido outros negócios nos anos anteriores, como um delivery de orgânicos, mas após um período viajando de motorhome, entendeu que o seu caminho era o dos sistemas agroflorestais.
“Quando eu conheci alimentos agroecológicos, eu vi que era o caminho mesmo, para a gente conseguir resgatar a saúde do solo, ser humano do planeta”, afirma ele.
Mas ele também percebeu as dificuldades financeiras enfrentadas pelos sistemas agroflorestais.
“O impacto maior foi que eu vi aquele sistema melhor em termos de ter muito impacto social e ambiental, mas que no financeiro não parava de pé. Eu comecei a falar uma frase: Não adianta o negócio de verde fechar no vermelho.”
O modelo encontrado, então, foi unir empresas que queriam compensar emissões de carbono e agricultores interessados nas agroflorestas.
Inicialmente, Neto reuniu um grupo de 50 produtores que conheceu ao longo do tempo em um grupo de WhatsApp e o negócio foi crescendo – até pelo fato de ter aproveitado um momento em que o mercado de carbono vinha ganhando força.
Ao longo do primeiro ano, veio o primeiro aporte, de R$ 300 mil, da Regenera Ventures, que investe em iniciativas agroecológicas.
A evolução foi rápida. Hoje, a startup tem quase 1 mil propriedades parceiras, em todos os Estados e biomas do Brasil, segundo Neto, com mais de 350 mil árvores plantadas, mais de 40 mil toneladas de carbono sequestradas e cerca de 7 mil toneladas de alimentos produzidos por ano.
O faturamento também cresceu, passando de R$ 50 mil em 2021 para cerca de R$ 2 milhões no ano passado, número que deve ser repetir este ano.
Desde o começo de suas atividades, a Agroforestry Carbon já atendeu mais de 120 clientes, abrangendo clientes como as marcas VidaVeg, de produtos veganos, e Wewi, de refrigerantes orgânicos.
A empresa tem planos de assinatura que vão de R$ 99 a R$ 1.650 por ano, permitindo que, no plano mais baratos, até mesmo pessoas físicas e microempreendedores individuais financiem o plantio de agroflorestas.
A startup também faz o inventário de gases do efeito estufa de seus clientes, conseguindo encontrar projetos e sistemas mais adequados para o tamanho da compensação que a empresa contratante necessita – trabalhando, por exemplo, com a mitigação do impacto ambiental de grandes eventos – e projetos personalizados.
As agroflorestas são monitoradas pela equipe da empresa, que consegue fazer o rastreio de cada árvore e sistema agroflorestal via geolocalização para entender remotamente o que está acontecendo no campo.
“Todos os agricultores da nossa rede têm um aplicativo e, dentro desse aplicativo, geolocalizam as árvores, inserem os dados”, afirma Neto.
Apesar de a startup levar, no nome, a palavra carbono, Neto tem incertezas sobre a geração de crédito de carbono a partir das agroflorestas.
“É uma dúvida que bate na nossa porta todos os dias” diz ele sobre a possibilidade de participar diretamente desse mercado. Por enquanto, prefere conectar as empresas que desejam comercializar os créditos gerados nas suas áreas de atuação com os produtores e deixar que eles tratem do assunto.
Mas a maior barreira de entrada para a startup, segundo o fundador, hoje não é a tecnologia, a rastreabilidade ou mesmo o financiamento de toda essa operação. São os produtores.
“O agricultor é o bicho mais desconfiado que existe no planeta. Se choveu muito, ele toma risco; se choveu pouco, ele toma risco. De todo jeito ele toma risco. Ele não quer de jeito nenhum tomar risco”, afirma ele.