A Tereos, gigante global sucroalcooleira, não tem dúvidas: a aprovação do projeto de lei do “Combustível do Futuro” (PL 528/2020) pelo Congresso brasileiro, na semana passada, já permite vislumbrar novos horizontes para o setor bioenergético.
Prova disso é a mudança na estratégia da própria companhia, que até recentemente não falava – pelo menos publicamente – em buscar alternativas para ampliar a produção de etanol, além da cana-de-açúcar utilizada nas suas usinas.
Agora, atento às possíveis oportunidades, o CEO da companhia no Brasil, Pierre Santoul, sinaliza que uma nova estrada se abriu para a empresa e admitiu pela primeira vez, em declaração ao AgFeeed, a intenção de ampliar os negócios para outras culturas.
Apesar de dizer que ainda não tem “condições de fazer anúncios oficiais”, Santoul afirmou que a produção de etanol de milho está na mira da companhia — movimento analisado “com muita atenção”, segundo o executivo.
O posicionamento indica uma revisão recente de planos. Em junho passado, ao comentar os resultados da Tereos na safra 2023/2024, ele foi enfático ao afirmar que o foco dos próximos investimentos da companhia estaria na cana, sobretudo para a produção de açúcar.
Na ocasião, classificou o mercado de etanol como“bem complicado, local e influenciado por interesses políticos”, além de oferecer rentabilidades baixas.
A visão, um trimestre depois, é diferente. “A incorporação do etanol a 30% poderia também gerar um movimento de demanda no Brasil, enquanto eventualmente pensar em ampliação de produção de etanol a 10% ou até etanol de milho, é uma coisa que estamos enxergando”, afirmou Santoul à reportagem durante evento realizado pela Tereos nesta segunda-feira, 16 de setembro, para debater os desafios e caminhos para a descarbonização do setor sucroenergético.
Entre as principais mudanças da nova legislação, que aguarda sanção do presidente Lula, está justamente a alteração dos percentuais mínimos e máximos de mistura dos combustíveis.
O texto prevê nova margem de mistura de etanol à gasolina passando de 22% a 27% e podendo chegar a 35%. Atualmente, a mistura pode chegar a 27,5%, sendo, no mínimo, 18% de etanol.
Com o novo marco regulatório, são esperados investimentos ao redor de R$ 200 bilhões no setor, além de aumento na produção de biodiesel no Brasil de aproximadamente 9 bilhões de litros para 15 bilhões de litros até 2030, conforme estimativa da Frente Parlamentar Mista do Biodiesel (FPBio).
Além do milho, o trigo também poderia ser uma aposta da companhia para a produção de etanol, dado o extenso conhecimento da Tereos nesta tecnologia – o grupo francês é um dos principais produtores de etanol de trigo na Europa.
O entrave nesse sentido seria a baixa produção de trigo no Brasil, especialmente nas regiões onde a Tereos opera — suas usinas estão concentradas no Estado de São Paulo. Assim, o milho surge como uma alternativa mais viável e competitiva.
SAF sobre a mesa
Um terceiro ponto no radar da Tereos é o Sustainable Aviation Fuel, conhecido como SAF, na sigla em inglês.
O combustível sustentável da aviação é produzido a partir de fontes renováveis, como o etanol de segunda geração (E2G) obtido a partir de resíduos agrícolas a exemplo do bagaço da cana-de-açúcar, e tem sido apontado como uma solução essencial para reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
Comparado aos combustíveis fósseis convencionais, o SAF pode diminuir as emissões de carbono em até 80% ao longo do ciclo de vida, ajudando companhias aéreas e governos a atingirem metas climáticas globais.
Com a demanda por esse biocombustível em ascensão, a Tereos tem buscado se posicionar também nesse segmento, que embora já estivesse no radar, ainda não era tão relevante no discurso da companhia.
“Estamos conversando com várias empresas para construir contratos de longo prazo de abastecimento de etanol baixo carbono para esse negócio de SAF, seja nos Estados Unidos, seja no Japão”, disse o executivo sem mencionar a previsão de fechamento destes contratos.
Queimadas em São Paulo
Além das oportunidades relacionadas à produção de etanol, o diretor-presidente da Tereos, Pierre Santoul, também comentou as perdas da companhia com as queimadas no interior de São Paulo.
Segunda maior produtora de açúcar do Brasil, a Tereos opera sete unidades industriais na região Noroeste do Estado.
Os cálculos da empresa indicam perda de 10% dos canaviais da companhia, o equivalente a 30 mil hectares. A estimativa é que a produção seja afetada em 1,7 milhão de toneladas de cana-de-açúcar, com prejuízo financeiro estimado em R$ 100 milhões.
Mais do que isso,os incêndios devem ter impacto significativo na estratégia industrial da empresa, declaradamente focada produção de açúcar, carro chefe da companhia – e, junho, Santoul afirmou que a perspectiva da Tereos para a safra 20024/2025 era ampliar o mix açucareiro de suas unidades de 67% para 70%, enquanto a média do mercado é de 49%.
Agora, Santoul avalia que a produção nos canaviais deve ser especialmente prejudicada a partir da primeira quinzena de setembro. A princípio, a empresa acredita ser possível manter a moagem na casa de 21 milhões de toneladas, conforme as primeiras previsões, pois atua com margens na produção nos canaviais. Além disso, lembra, “a cana queimada ainda pode ser processada”.
Entretanto, o nível de ATR (índice que aponta o teor de açúcar que pode ser extraído da cana) nesse caso fica comprometido, o que deve impedir a empresa de atingir a meta estabelecida. “O índice (“mix”) ficará em 67% ou um pouco abaixo disso”, afirmou Santoul.
E os efeitos serão duradouros, acredita. “Nossa preocupação hoje não é a safra 2024/2025, é realmente o ano que vem”, disse, alertando que o cenário climático até abril do próximo ano irá ditar o potencial da safra 2025/2026.