Quem já passou pela experiência de visitar a região paranaense chamada de Campos Gerais, certamente conheceu um dos pedaços da Europa no Brasil, como o município de Castro, considerado a capital nacional do leite, onde está a sede da cooperativa Castrolanda.
Fundada em 1951 por imigrantes holandeses, a Castrolanda diz que busca preservar até hoje os pilares de sua criação: “cooperação, a questão da fé e a educação”.
Foi o que disse o presidente da cooperativa, Willem Berend Bouwman, já nos primeiros minutos de entrevista ao AgFeed. O dirigente é neto de famílias que vieram da Holanda.
“Hoje os associados, na maioria, não são mais holandeses. Mas como cooperativa agropecuária, procuramos atender os anseios de todos os produtores rurais, nas regiões de nossa atuação, com assistência técnica, com tecnologia, insumos agrícolas, com a parte financeira também, para que ele possa se empenhar na sua ação na propriedade”, ressaltou Willem.
O interessante é que o foco em qualidade do produto e a disciplina europeia não impediram que, ao longo do tempo, a cooperativa fosse identificando novas oportunidades de negócio e ampliando as atividades.
Cerca de 25% do faturamento de R$ 6,7 bilhões alcançado em 2023 vieram na produção e industrialização do leite, calcula o presidente da Castrolanda. Ele diz que quando se soma a receita de todos os grãos, como soja, milho, trigo e feijão, o percentual é até maior que o do leite, mas não revelou números exatos.
Castro é apontado como o município que concentra a maior produção de leite do País, levando o Paraná ao segundo lugar no ranking nacional.
A cooperativa e seus cooperados, porém, vêm diversificando bastante suas atividades. O grupo atua em suinocultura, ovinocultura e também na produção de batatas.
O passo mais recente foi a entrada, com mais força, no mercado da cevada, por meio de uma parceria com outras cooperativas que viraram fornecedoras de matéria-prima para os grandes grupos do setor de cerveja, como Ambev e Heineken.
A estratégia da “intercooperação”
Assim como a Castrolanda, mais duas cooperativas em municípios vizinhos têm trajetórias semelhantes de cultura europeia e crescimento constante. É o caso da Frísia (antiga Batavo) e a Capal, de Carambeí e Arapoti, respectivamente.
Willem Bouwman conta que até o início dos anos 2000 as três vizinhas tinham uma cooperativa central, que produzia os produtos com a marca Batavo. Mais tarde, por motivos econômicos, se desfizeram da indústria. A marca de laticínios Batavo foi vendida para a Lactalis, em 2015.
“O que aconteceu, em determinado momento, foi que estourou um problema da febre aftosa, mais no noroeste do Paraná. E o nosso leite, produzido aqui na região, ia de forma in natura para as indústrias São Paulo. Mas, com o problema, a barreira fechou e impediu levar o leite para São Paulo”, lembrou Willem.
“Para não deixar o produtor desamparado”, a Castrolanda decidiu montar uma fábrica para industrializar o leite. Dois anos depois a Frisia também construiu uma indústria “igualzinha”, diz ele.
Foi então que os dirigentes conversaram e concluiram que a melhor opção seria deixar de competir uma com a outra e “juntar forças” na administração das fábricas. A opção foi definir um “gestor” para o negócio que, no caso do leite, passou a ser a Castrolanda.
“A partir daquele momento, então, é que nasceu a intercooperação”, explicou Bouwman.
É um modelo que algumas atividades são feitas em conjunto e outras seguem totalmente separadas, o que fazia mais sentido, principalmente do ponto de vista tributário.
O trabalho no campo, na parte da produção agropecuária, com o associado, cada cooperativa faz de forma independente. “Só o braço industrial entra no modelo de intercooperação”.
Bouwman diz que a produção maior melhora a competitividade da indústria e a parte financeira também é beneficiada.
“Temos reuniões mensais, onde os nossos gestores sentam juntos em volta de uma mesa e discutimos assuntos relativos à intercooperação, mas sempre existem trocas de ideias e de informações, então, todos aprendem, também, de maneira indireta com isso. Só que, na essência, é fundamental a questão da confiança. No caso do leite, todos confiam na gestão da Castrolanda”, ressalta.
A vantagem em relação à fusão, segundo Bouwman, é que a cooperativa continua agindo localmente, com relacionamento próximo do associado. “Se virar uma empresa gigante, perde essa proximidade, acaba se afastando do produtor”.
A intercooperação da Castrolanda, Frisia e Capal, atualmente, foi denominada “Unium”.
Em 2023, o grupo Unium ultrapassou a marca de 1 bilhão de litros de leite captados ao longo de todo o ano, o que significa uma produção diária de cerca de 2,8 milhões de litros, sendo o segundo maior produtor do Brasil.
Recentemente o grupo anunciou a intenção de construir uma nova unidade de leite em pó. Estão previstos investimentos de R$ 450 milhões, com recursos de todas as cooperativas. A previsão é de que a nova unidade processe mais de 1 milhão de litros de leite por dia.
“Nós temos já a nossa indústria de beneficiamento de leite e, anexo a ela, provavelmente dentro de 4 anos, nós estaremos investindo em mais uma torre de secagem para fazer leite em pó”, explicou o presidente da Castrolanda.
Ele lembra que, no Paraná, o leite é uma atividade que cresce historicamente em torno de 8% ao ano. “Nossos produtores estão constantemente aumentando a produção de leite e nós temos que fazer frente com investimentos também, ter capacidade pra receber esse leite”.
União nas sementes e no malte
Willem Bouwman adiantou ao AgFeed que acaba de iniciar mais uma intercooperação, desta vez somente com a Frísia, na área de sementes, em produtos como soja, trigo e feijão.
“Cada uma das cooperativas tem uma unidade de produção de sementes. E nós vamos para o mercado e lá nós competíamos. Agora nós estamos, então, nos ajustando para ir ao mercado em conjunto”, disse ele.
O projeto piloto já começou, segundo Bouwman, e na safra 2024/2025 produtores já poderão adquirir sementes pelo novo modelo. Os vendedores vão oferecer as duas marcas aos clientes.
A Castrolanda também atua com intercooperação no moinho de trigo e, recentemente, fez um acordo no mesmo modelo com a Cooperativa Aurora, que assumiu a gestão de seu frigorífico de suínos.
No início de junho foi inaugurada, em Ponta Grossa-PR, a chamada Maltaria Campos Gerais, mais um projeto que a Castrolanda toca no modelo de intercooperação com outras cooperativas: Agrária, Frísia, Capal, Bom Jesus e Coopagrícola.
O investimento total foi de R$ 1,6 bilhão e a fábrica, que já está fornecendo o produto para Ambev e Heineken, tem capacidade para produzir 240 mil toneladas de malte por ano.
“Ela é praticamente toda dedicada para essas duas cervejarias, pelo menos 85% da produção”, disse Willen.
O objetivo é incentivar a produção e o uso de cevada nacional. O projeto inclui parcerias com instituições de pesquisa para viabilizar variedades mais adaptadas de cevada.
“Hoje em torno de um terço da cevada é produzida localmente já. Nós estamos, então, avançando para que no futuro se chegue a 80% da cevada produzida aqui”, afirmou o presidente da Castrolanda.
Ele admite que “sempre vai ter que importar um pouco, já que culturas de inverno são sempre uma safra muito incerta”. Mas a expectativa é no prazo de cinco anos chegar a volumes próximos da necessidade da maltaria.
Rumo ao Norte
Apesar das condições privilegiadas – clima e solo favoráveis e proximidade do porto de Paranaguá – garantirem diferenciais competitivos para a Castrolanda e suas vizinhas, o presidente da cooperativa disse que os desafios de 2023 também impactaram a região.
Entre as dificuldades estariam os preços mais baixos das commodities, na hora de vender a safra, e a queda de preços nos insumos, que agora tendem a impactar a receita da cooperativa, importante fornecedora de insumos aos associados.
A produção de grãos foi maior nas principais regiões abrangidas pela cooperativa. E os preços do leite também reagiram, o que trouxe benefícios ao produtor, disse Willem Bouwman.
De qualquer forma, a expectativa é de queda na receita em 2024 em função do negócio de suínos ter passado para a gestão da Aurora. “Só ali nós faturávamos mais ou menos R$ 1,2 bilhão por ano.
Nesse cenário, a receita da Castrolanda é estimada em no máximo R$ 5,4 bilhões este ano. Mas será uma pausa breve no crescimento, já que a partir de 2025 novos saltos estão sendo projetados.
O principal projeto de expansão é a construção de uma unidade na cidade de Colinas, no Tocantins.
“Nos últimos quatro anos, nós estávamos muito focados em arrumar a casa, porque nós crescemos muito antes disso. Daqui pra frente, nós estamos voltando novamente a um crescimento como cooperativa. Então, estamos ampliando as nossas atividades”, afirmou Bouwman.
Ele diz que era um pedido dos associados seguir expandindo a produção, mas na região do Paraná já não há terras disponíveis. Por isso, o caminho foi partir para o Norte do Brasil.
“Já adquirimos o terreno e vamos iniciar os trabalhos de terraplanagem já no mês de agosto, para instalar uma unidade de recepção e armazenagem de grãos lá em Colinas”, contou o dirigente.
Segundo Bouwman, alguns associados já se mudaram para o Tocantins para começar o plantio de milho em áreas de pastagens degradadas, uma área “com potencial muito grande”.
O presidente da Castrolanda diz que o investimento em Tocantins, “até a metade de 2025”, ficará próximo de R$ 140 milhões. A unidade terá capacidade para armazenar 42 mil toneladas.
O objetivo é cultivar 60 mil hectares em até 6 anos, sendo “basicamente milho”. Dessa a forma, a cooperativa prevê exportar o cereal pelo Arco Norte, rota que vem impulsionando o crescimento da segunda safra de milho no Brasil.
No Paraná, os associados da Castrolanda contabilizam cerca de 125 mil hectares cultivados com grãos, incluindo uma pequena parte em São Paulo.
“A gente entende, lógico, que o País como um todo está passando por um momento desafiador com o agro. Mas nós entendemos que a vocação brasileira é o agro, o Brasil é especialista em produção de alimentos. Estamos prospectando esses investimentos com base nisso também”, diz.
A Castrolanda não descarta investir, futuramente, em uma unidade esmagadora. E admite também estar de olho no segmento do etanol de milho, o que seria uma oportunidade, inclusive, em Tocantins. “Mas não no curto prazo. A prioridade agora é montar a unidade, tudo a seu tempo”.
Para a safra 2024/2025, Bouwman acredita que as margens devem voltar à normalidade. Ele avalia que os preços de soja e milho caíram, mas que os insumos também tiveram queda de cerca de 15%, o que contribui para esta perspectiva.