O sobrenome Rezende Barbosa dispensa apresentações no setor sucroenergético. Durante quase oito décadas, a família por trás do grupo NovAmérica tem sido reconhecida não apenas como a dona de uma das maiores operações de produção de cana-de-açúcar no Brasil, mas também como uma das que mais cedo abraçou a tecnologia e a transportou para os canaviais.
No universo das agtechs e do venture capital, porém, o clã tem uma presença mais discreta – por enquanto. Fábio de Rezende Barbosa, CEO da NovAmérica, tem atuado de forma quase silenciosa na seleção de startups com produtos inovadores. E feito apostas que vão além do fornecimento para usinas de açúcar e do etanol.
Até o momento, a Lambarin, empresa de investimentos que ele mantém em sociedade com Ricardo Tucunduva Nardon, já emitiu cheques para quatro empresas, sempre em estado inicial.
O olhar é diversificado: há uma fabricante de insumos (farelo e óleos) para a indústria de rações produzida a partir de insetos; uma companhia que desenvolve, com resíduos agrícolas (sobretudo de cana) e biorreatores, suplementos para nutrição humana; uma empresa especializada em microalgas para aplicações que vão da nutrição animal a cosméticos; e uma fintech com foco no crédito aos pecuaristas.
“Minha relação com a tecnologia é antiga”, afirma Barbosa ao AgFeed. “Já na produção de cana, passei a discutir os processos para ganhar mais eficiência operacional sem perder performance”.
Segundo ele, enquanto muito se perguntavam o que deviam fazer a mais para atingir melhores resultados, ele passou a questionar “o que não devo fazer mais”.
E, então, passou a adotar inovações que permitiam conhecer melhor as reais necessidades dos canaviais que cultiva e investir apenas naquilo que entregava resultado real.
A experiência com a chamada “agricultura de decisão” – expressão que dá nome ao painel em que vai compartilhar sua jornada durante o Rural Summit, evento organizado pela Rural Ventures, em parceria com The Yield Lab e Arara Seed, que acontece o dia 2 de maio em Ribeirão Preto (SP) – moldou um empresário com perfil raro no agronegócio: o produtor-investidor.
“Começamos buscando ideias de diversificação para os negócios dentro da própria NovAmérica”, diz. “O projeto inicial era descobrir dentro das ferramentas que usávamos no grupo aquelas que poderiam virar um produto e serem escaladas”.
Aos poucos, entretanto, o modelo foi “pivotado”, conforme explicou Nardon, usando um termo comum no universo das startups. E o foco da dupla, com a criação da Lambarin, passou a ser a busca por produtos ou serviços que se posicionassem como alternativos a outros que já estão no mercado.
“Nosso conceito ficou mais amplo”, diz Nardon. O investimento na Cyns é um exemplo disso. Barbosa conheceu um projeto de produção de nutrientes a partir da criação de uma espécie de insetos – as moscas soldado pretas – em uma viagem ao Vale do Silício, na Califórnia.
Pesquisando o assunto no Brasil, encontrou iniciativa semelhante, mas ainda em estágio embrionária, dentro da Bug Agentes Biológicos, na região de Piracicaba. Com a venda da empresa para a holandesa Koppert, o projeto ficou de fora e carecia de um empurrão para ir em frente.
A Lambarin entrou em campo, primeiro com um empréstimo do tipo “bridge”, fazendo uma ponte para que o negócio fosse estruturado a ponto de poder partir para uma rodada de investimentos do tipo seed.
A própria empresa de investimentos entrou, posteriormente, na rodada, trazendo um parceiro de peso: a gigante química japonesa Sumitomo. O aporte foi concluído em janeiro passado, já com a Cyns operando em escala comercial, embora ainda pequena.
Barbosa acredita que o potencial de crescimento da companhia é imenso e diz que a meta é levá-la, até 2026, a uma rodada do tipo série A.
Os demais investimentos da Lambarin são também recentes e sempre do tipo seed. Segundo Nardon, os cheques ficam entre R$ 1 milhão e R$ 2 milhões e a busca por startups em seus estágios iniciais permite com que a empresa consiga participações relevantes.
Além dos recursos, as investidas contam também com a “consultoria” em Barbosa questões operacionais. “Não estamos diretamente na gestão, mas conseguimos dar nossos pitacos”, afirma ele.
A Biogrowth, que utiliza fermentação bacteriana em biorreatores na produção de nutrição humana, já possui um laboratório, mas ainda produz em escala de desenvolvimento. A ideia, quando estiver em escala comercial, montar uma fábrica para fornecer para indústrias ou licenciar os processos, sempre no modelo B2B.
A Algabloom, com sede em Santa Catarina, também ainda atua com um piloto, nas fases iniciais de desenvolvimento. Entre os usos potenciais das microalgas está a produção de rações para peixes e crustáceos e também ômega 3 para fornecimento a indústrias de alimentos, como uma alternativa ao nutriente hoje obtido a partir de peixes.
O quarto cheque foi entregue à @Bank, agfintech que se define como “banco digital do pecuarista para o pecuarista”, lançada em dezembro de 2022.
“Buscamos sempre empresas que tenham como sócios gente com experiência anterior em seus mercados”, diz Barbosa.
Os dois sócios da Lambarin não têm pressa e são criteriosos nessa escolha. Segundo Nardon, há mais duas ou três empresas no seu pipeline, com possibilidade de novos aportes no segundo semestre deste ano.
Cana high-tech
A NovAmérica nasceu em 1944, quando o avô de Fábio, Renato de Rezende Barbosa, adquiriu a fazenda Nova América e instalou a primeira usina no Vale do Paranapanema, na divisa de São Paulo com o Paraná.
Ao longo das décadas seguintes, o grupo expandiu-se, posteriormente com o comando de Roberto, pai do empresário. Em 2008, as operações industriais e portuárias foram incorporadas pela Raízen, tornando os Rezende Barbosa em um dos maiores acionistas individuais da Cosan.
A operação agrícola, que comprendia operações em São Paulo e Mato Grosso do Sul, ficou com a família. Há cerca de três anos, Roberto deu lugar aos filhos, que compraram dele o controle da empresa. Fábio ficou como CEO, o irmão Cláudio comanda o Conselho de Administração e a irmã Rita, apenas como acionista, sem participação na gestão.
A NovAmérica hoje opera em mais de 47 mil hectares na região de Assis, no sudoeste paulista – cerca de 7 mil próprios e o restante de terceiros, mas sob administração da companhia. Ainda aparece como um dos maiores fornecedores independentes de cana do País.
Na safra 2024/2025, que para o grupo começa nesta segunda-feira, a ordem é levar para toda essa área um conceito que, nos últimos anos, vinha sendo adotado em parte dela: o foco exclusivo em performance.
“Nossa ideia é sair da busca desenfreada por custo. Quando a gente olha só a performance, consegue ajustar melhor a operação”, diz Barbosa.
Ele compara suas operações a uma equipe de Fórmula 1, que utiliza tecnologia e processos de ponta para extrair o máximo de seus carros e pilotos. Na NovAmérica, 100% do maquinário é conectado e equipado com computadores de bordo e piloto automático.
Na agricultura de decisão de Barbosa, a análise dos dados obtidos a partir dos equipamentos é quase obsessiva. O grupo foi pioneiro em elaboração de planos de altimetria e de mapeamento de solo em toda a área plantada. Barbosa mantém parcerias com empresas de tecnologia e montadoras de máquinas para a realização de testes, sempre em busca da próxima inovação capaz de lhe trazer mais performance.
Atualmente, por exemplo, a empresa roda um projeto que analisa a qualidade da argila para a condutividade elétrica do solo e suas aplicações na agricultura.
Com uso intensivo de tecnologia, por exemplo, a NovAmérica obteve, nos últimos cinco anos, uma redução de 30% do consumo de diesel em suas operações.