Frederico Azevedo, atual superintendente da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) em Mato Grosso, é o exemplo de uma geração mais profissionalizada no agro, com vários MBAs no currículo e, por isso, bastante mobilizada ao se deparar com a realidade do momento no estado: a explosão das recuperações judiciais entre produtores rurais.
O executivo, que já foi diretor por muitos anos de entidades como Aprosoja-MT e Aprosoja-MS, passou as últimas semanas fazendo reuniões com órgãos como Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT), Ministério Público, OAB, lideranças do governo e, principalmente, produtores que já decretaram ou estão pedindo recuperação judicial para fechar um diagnóstico desta situação.
“Nós sabemos que tem muito produtor mais desesperado este ano, podendo cair na conversa de advogados que prometem algo que não é verdade, não é simples”, alertou Frederico Azevedo, em entrevista ao AgFeed.
“O fato é que o produtor passa a não ser mais gestor de seu negócio, a ter o crédito restrito seja por custo ou por não concessão, e todos os seus credores, sejam agentes de crédito ou um pequeno comerciante da cidade, passam pelo mesmo problema”.
Neste levantamento recente que fez, Azevedo diz que o TJ-MT já contabilizou, somente entre janeiro e fevereiro deste ano, 14 casos de recuperação judicial. É praticamente o mesmo número de RJs que a Serasa Experian reportou para Mato Grosso em todo o ano de 2022.
O ritmo mais acelerado vem se acentuando desde o semestre passado, segundo a Serasa. O ano de 2023 fechou com 43 pedidos de RJ de produtores rurais em Mato Grosso. Em todo o Brasil o crescimento no número de RJs de um ano para outro foi de 535%.
Nas conversas que teve com produtores que já estão nessa situação, o superintendente da OCB-MT relata que a maior queixa é fato de não conseguirem mais adquirir um maquinário simples para a propriedade ou comprar e vender um carro da família, por exemplo, sem que haja autorização do “administrador judicial”, o que requer uma série de balanços customizados e acaba afetando até as decisões sobre a safra. “Eles perderam autonomia e ainda precisam arcar com custos judiciais”, diz.
Nos 14 casos deste começo de ano, Azevedo diz que os valores de cada processo variam de “R$ 1 milhão a R$ 120 milhões cada um”, por isso a entidade está se mobilizando para trazer esclarecimentos e um alerta aos produtores rurais do estado.
Um efeito negativo que está sendo destacado pela entidade é o reflexo para a economia dos principais municípios agrícolas do estado.
“É um direito do produtor entrar com a RJ, mas tem muito crédito que não está incluso na recuperação judicial e ele poderá gerar um efeito negativo para o PIB dos municípios, porque o borracheiro, o cara do supermercado, do posto de gasolina, está na lista na lista dos credores que ficarão sem receber”, explica.
A situação preocupa em meio ao aumento das “propagandas” que vem sendo divulgadas em diferentes meios, seja localmente, ou na publicação de conteúdos na internet, “vendendo” a ideia de que a RJ é a melhor forma de resolver os problemas das dívidas dos produtores.
Azevedo afirma que “esta não é uma estratégia de solução de longo prazo para o produtor, que acaba vendo um rebaixamento do seu credit score, ou seja, o índice que avalia a solvência do produtor, levando a maiores dificuldades em apresentar garantir, acessando crédito bem mais caro. É uma falsa proteção temporária”.
Questionado se a preocupação está reforçada pelos problemas no setor que representa, as cooperativas de Mato Grosso, o executivo disse que se trata de “uma questão sistêmica”, já que o cooperativismo, especificamente, está amparado na lei e fica fora da RJ.
“Mas há riscos para as cooperativas de produtores, de crédito, de transportes, entre outros segmentos ligados diretamente ao agronegócio”, afirmou.
Com a RJ, o produtor passa a não operar mais com a cooperativa até que se solucione a questão do crédito, segundo ele, sendo que a cooperativa vai ter que executar a dívida.
Criada em 2005 e atualizada no fim de 2020, com novas regras vigentes a partir de 2021, a Lei de Recuperação Judicial e Falências é um mecanismo usado por empresas e empresários judiciais registrados há mais de dois anos, inclusive produtores rurais pessoas físicas, como forma de recuperar a empresa em crise financeira antes do fechamento por falência.
Entre as vantagens para quem solicita a RJ está a de que, caso deferido pela Justiça, o processo inicia e por um período de 180 dias ficam suspensos, assim como os processos e execuções contra a empresa ou produtor rural devedor.
Deferido o pedido de recuperação, a empresa ou produtor tem até 60 dias após o início do processo para apresentar o Plano de Recuperação.
O processo tem a supervisão da Justiça por dois anos. Mas a execução do plano de recuperação costuma ser mais longa, até que o acordo seja cumprido. “Os processos dos produtores tem levado até mais de 3 anos”, alertou o executivo da OCB-MT.
“Nem tudo pode entrar na RJ”
Um dos pontos que vem sendo ressaltados pela OCB-MT é que inúmeros créditos, que hoje são comuns no dia a dia das atividades do produtor, não estão incluídos na recuperação judicial.
“Um exemplo é a Cédula de Produto Rural (CPR), emitida para liquidação física ou financeira, extinta das recuperações, como prevista na Lei n° 8929/1994, art. 11, assim como operações realizadas com cooperativas, que são consideradas de uma relação societária e não de comércio”, destacou Azevedo, que também é advogado.
Este ponto, porém, é o que mais tem assustado os credores. Decisões da justiça em primeira instância admitiram as CPRs dentro dos processos de recuperação, ou seja, impedindo que garantias fossem executadas e fazendo com que tradings, por exemplo, deixem de receber os grãos que haviam financiado antecipadamente.
Na semana passada, o presidente da Cargill, Paulo Sousa, e o sócio fundador da gestora Galapagos, Carlos Fonseca, que enfrenta casos de RJ em seu Fiagro pediram ajuda ao governo, durante um painel com o vice-presidente da República Geraldo Alckmin.
A resposta foi rápida. Na última sexta-feira veio a público um ofício que foi enviado no dia 6 de março pelo ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), abordando o tema.
No texto, Fávaro lembra a importância da agropecuária para o PIB e o momento preocupante causado por preços internacionais mais baixos e problemas climáticos.
Em seguida, solicita apoio do CNJ para que reforce esclarecimentos aos juízes de primeiro grau sobre temas como CPR, cooperativas e alienação fiduciária. Também ressalta que para acessar o mecanismo da RJ, é necessário que produtor comprove no mínimo dois anos na atividade.
O ofício, ao qual o AgFeed teve acesso, é endereçado ao ministro Luís Felipe Salomão, corregedor nacional do CNJ. Nele, Fávaro solicita que sejam avaliadas “medidas cabíveis” para esclarecer estes princípios legais e também se coloca a disposição para debater o tema – uma reunião poderá ocorrer nesta segunda-feira.
Caminhos alternativos
Frederico Azevedo lembrou que, segundo a própria Serasa, a maioria dos casos de RJ está relacionada a produtores de soja.
Ele relatou que os mais prejudicados foram aqueles que plantaram variedades super precoces de soja, muito cedo, para aproveitar melhor a janela do algodão, e acabaram perdendo boa parte da produção porque não teve chuva neste período inicial.
“Porém nós sabemos que os produtores vieram de três anos muito bons, com rentabilidade razoavelmente boa, e vejo que muitas revendas e cooperativas de crédito foram atrás daqueles que estavam em dificuldades para renegociar, eventualmente prorrogar contratos. O mercado não está deste jeito como falam alguns, que o mundo está acabando”, ressaltou Azevedo.
Outro ponto destacado pelo executivo é que a quebra na safra de soja em Mato Grosso é estimada em 15% sobre a última temporada, que foi de produção recorde.
“O que nos preocupa é a indústria de recuperação judicial e o impacto que isso pode ter no resultado de todo mundo, com custo mais caro de crédito para todos”, reforçou.
“Uma redução de 15% em Mato Grosso é menos 0,8% da produção mundial de soja. Então não é porque o Mato Grosso teve um problema que o preço da soja no mundo vai subir, entende? Temos Argentina e Rio Grande do Sul, por exemplo, produzindo muito bem” acrescentou.
Na safra 2023/2024, segundo o Imea, o custeio das lavouras foi feito com 33% de recursos dos próprios produtores rurais, o que indica, possivelmente, que na próxima temporada, haja uma necessidade maior de acessar recursos de fontes como bancos e tradings.
“O produtor está esquecendo que 50% do funding dele vem de multinacionais e revendas. Como é que nós vamos fazer a próxima safra?”, questionou Azevedo.
Neste cenário, se a RJ é vista com mais arriscada e “engessada”, Frederico Azevedo apontou alguns caminhos alternativos, anteriores à essa decisão, que podem ser adotados pelos produtores endividados.
“O Manual de Crédito Rural deixa muito claro que, se ele tiver um problema de Safra e ele comprovar agronomicamente que teve o problema, levando aos agentes de crédito, eles vão prolongar o contrato dele, com a mesma taxa de juros que está prevista no contrato inicial, é direito do produtor”, afirmou.
Ele diz que sabe de casos em que os produtores têm procurado os agentes de crédito, estão sendo recepcionados e conseguindo essa renegociação.
No caso de multinacionais e revendas, segundo Azevedo, a situação também tem sido parecida, com “o produtor negociando, paga uma parte, entrega um pouco e deixa o restante para o final, fazendo uma prorrogação”. Afinal, a empresa tem interesse em garantir a originação e não perder este produtor na sua carteira de clientes, na visão dele.
Outra recomendação é procurar ajuda de um gestor de negócios, para evitar casos em que o produtor ficou com a safra inteira estocada aguardando por preços melhores, como ocorreu com frequência este ano, o que se transformou em grandes perdas financeiras.
A soja estava em R$ 130 e ele insistia que chegaria próximo a R$ 200 a saca, hoje todos torcem para que volte a R$100, segundo diferentes relatos em Mato Grosso.
Para o superintendente da OCB-MT, uma outra ferramenta que deve ajudar os produtores neste momento é a linha de crédito em dólar que já foi sinalizada pelo secretário de política agrícola do Mapa, Neri Geller.
“É uma linha que pode ser benéfica para o produtor, se fizer uma trava bem feitinha, ele vai conseguir pegar recurso com taxa de juros de 7,5%, enquanto os juros livres hoje chegam a 18%”, avalia.
De qualquer forma, Azevedo recomenda cautela ao tomar este recurso “para não sair plantando milho agora achando que milho vai ter preço melhor, enquanto a janela ideal já está acabando, pode haver mais este sofrimento”.