Os problemas que o CEO da Bayer, Bill Anderson, tem que enfrentar, parecem não acabar. No cargo há menos de um ano, Anderson e a empresa acabaram de apresentar seu primeiro resultado anual. Os números, como se esperava, não vieram no azul.
Se em 2022 a gigante alemã de químicos teve um lucro de 4,1 bilhões de euros, em 2023 o resultado foi negativo em 2,9 bilhões. As vendas totais do grupo atingiram 47,6 bilhões de euros, uma queda de 1,2% frente ao ano anterior, considerando também o ajuste cambial.
A projeção para 2024 é de um ano mais parecido com o último do que com 2022. A Bayer espera vendas iguais a de 2023, mas vê sua dívida líquida subindo do patamar atual de 32,5 bilhões para 33,5 bilhões no final deste ano.
Por área, a divisão Crop Science deve ter um pequeno avanço no faturamento, junto com a Consumer Health, de medicamentos isentos de prescrição. Já o segmento da indústria farmacêutica deve cair em 2024, nas projeções da Bayer.
Na manhã desta terça-feira, 5 de março, Bill Anderson, no seu estilo direto, não deixou margens a especulações sobre uma possível cisão no grupo, desejada por alguns investidores, como forma de tentar buscar soluções para seus prob lemas financeiros.
Anderson disse, com todas as letras, que a empresa está “muito quebrada” e destacou que a empresa tem sérios desafios pela frente, como a a esperada perda de sua exclusividade em patentes de medicamentos essenciais, o alto endividamento, os bilionários litígios relacionados ao herbicida Roundup e a grande burocracia hierárquica interna.
Segundo afirmou ao Financial Times, esses desafios “limitam muito a nossa capacidade de escolher o nosso destino, seja como uma empresa de três divisões ou em partes menores”.
Anderson havia prometido detalhar, juntamente com o balanço, um severo plano de reestruturação da companhia. Ao longo de uma apresentação a investidores, o CEO afirmou que espera superar os quatro problemas num universo de dois a três anos e planeja reduzir os custos da empresa em 2 bilhões de euros por ano.
Em janeiro, a empresa já havia anunciado que cortaria em 95% o valor dos dividendos a serem pagos aos acionistas. A projeção é que sejam tirados do bolso dos investidores, os mesmos que pressionam a empresa por uma reestruturação mais radical, algo em torno de 2,2 bilhões de euros.
Anderson deixou claro que manterá o facão afiado nos próximos dois anos e que planeja "pagar o mínimo legalmente exigido" em 2024 e 2025. A mudança é drástica, já que o compromisso da gestão anterior da Bayer previa o pagamento de 30% dos seus lucros principais, o que, segundo analistas, deveria ficar em torno de 6 euros por ação por ano entre 2023 e 2025.
O corte também será interno. Junto ao balanço, Bill Anderson declarou que os pagamentos de bônus aos funcionários foram reduzidos em 1,4 bilhão de euros no ano passado, após a empresa não bater suas metas.
Pecado original
No campo legal, a empresa trabalha para superar bilhões de dólares em problemas legais que ameaçam o plano de reestruturação da empresa. Anderson terá de lidar, ao longo de 2024, com os processos judiciais associando o Roundup, produto da empresa, a casos de câncer em fazendeiros norte-americanos.
Somente com indenizações relacionadas a litígios em torno dos efeitos do pesticida, a empresa deve desembolsar nos próximos anos cerca de US$ 16 bilhões (em torno de R$ 80 bilhões).
Existem milhares de ações correndo na justiça americana afirmando que o produto, desenvolvido pela Monsanto, é agente causador de câncer. A empresa sempre negou a relação entre a doença e o glifosato, ingrediente ativo do defensivo.
A própria Monsanto, que foi comprada pela empresa em 2018, tem sido outro pé no sapato de Bill Anderson. Segundo a Bloomberg, o valor de mercado da Bayer já caiu mais de 70% após comprar a empresa por US$ 63 bilhões.
Ainda de acordo com o veículo internacional, Anderson está trabalhando para “reconquistar a confiança dos investidores, devastados por anos de fraco desempenho e pelos efeitos prejudiciais do acordo com a Monsanto”.
Por isso, a alternativa, para alguns investidores, seria a separação da divisão agrícola do negócio todo da Bayer. Para alguns investidores ativistas, grande parte do problema atual da Bayer foi provocado pela compra da companhia americana, em 2018.
Segundo eles, o negócio não teria agregado valor à Bayer e só serviu para sobrecarregar a empresa com dívidas e problemas legais. A BlueBell, gestora ativista que tem participação na empresa e que já havia se movimentado para substituir o CEO anterior, Werneu Baumann, é uma das favoráveis ao tema.
Outra que atuou para a substituição do antecessor de Anderson e tem simpatia pela cisão é a Inclusive Capital, do investidor ativista Jeff Uben. Na semana passada, ele passou a integrar o conselho consultivo da Bayer.
Em relação à cisão, Bill Anderson foi claro: “Agora não”, disse à Bloomberg, mas afirmou que essa negativa não é definitiva. “Nossa prioridade é enfrentar nossos desafios, aumentar o desempenho e criar flexibilidade estratégica.”
Os números de 2023, no detalhe
A divisão Crop Science, responsável pelos produtos agrícolas da empresa e liderada pelo brasileiro Rodrigo Santos, teve uma queda nas vendas de 3,7% em 2023 frente ao ano de 2022, atingindo 23,2 bilhões de euros.
Segundo a Bayer, essa baixa ocorreu por preços mais baixos do glifosato e só não foi maior por ganhos de mercado na Europa, Oriente Médio, África e Ásia.
Os herbicidas derivados do glifosato sofreram com preços menores dos genéricos, e ocasionaram uma baixa de 26% na comparação anual nas vendas de herbicidas.
“Num ambiente de mercado impulsionado pela inflação, o resto da carteira registrou uma evolução geral positiva dos preços, impulsionada por produtos inovadores e preços mais elevados das matérias-primas”, pontuou a Bayer.
Nesse sentido, a empresa citou que os produtos de milho avançaram 13,8%, as vendas de fungicidas cresceram 8,8% e os produtos de soja tiveram uma alta de 5,5% na comparação anual.
Esse último avanço foi impulsionado pelos resultados da América Latina, que segundo a Bayer, trouxeram mais receitas de licenças no continente.
O segmento farmacêutico teve uma receita de 18 bilhões de euros, em linha com o ano anterior. Já a parte de medicamentos sem receita avançou 6,3%, e fechou 2023 com um faturamento de 6 bilhões de euros.