Desde que a multinacional alemã KWS chegou ao Brasil, em 2012, estava acostumada a crescer dois dígitos e lucrar com o avanço acelerado da safrinha no País, já que é especialista em sementes de milho.

O famoso “ajuste do agro”, porém, desde a queda do preço das commodities no ano passado, acompanhado dos problemas climáticos da safra 2023/2024, está trazendo uma nova realidade para a companhia.

“Por três anos seguidos fomos a empresa que mais cresceu no mercado brasileiro. Um dos nossos híbridos foi o que mais vendeu no País, dois anos atrás”, lembrou Marcelo Salles, CEO da KWS no Brasil, em entrevista exclusiva ao AgFeed.

Na safra 2023/2024, porém, a KWS prevê queda na comercialização de sementes para 1,9 milhão de sacas, cerca de 100 mil a menos que o ano anterior.

Quando foi contratado pela multinacional alemã, em 2016, Salles conta que o faturamento no Brasil era de R$ 300 milhões e que, na safra 2022/2023, alcançou R$ 1,5 bilhão.

Agora, com o cenário mais difícil de preços e condições climáticas, deve haver um recuo na receita de pelo menos 5%, segundo o executivo.

Percentual semelhante de queda está sendo previsto para a área plantada de milho segunda safra, que é o carro-chefe dos negócios da empresa no mercado brasileiro.

O CEO da KWS explica que a rentabilidade do produtor já estava diminuindo com o preço da commodity mais baixo, mas a situação piorou com o atraso da safra de soja por causa do clima e o consequente aumento do risco para que o produtor plante a segunda safra de milho.

“Foi um ano bastante complicado. Veremos uma necessidade de ajuste tanto pelo produtor, que precisa entender essa rentabilidade menor, que não foi o que viveu nos últimos 3 anos, mas também pela indústria, que terá que operar dentro de um custo aceitável ao produtor, na nova realidade”, afirmou o CEO.

Ele diz que o mercado seguirá de olho na safra argentina e também nos Estados Unidos, porém acha difícil uma reação significativa nos preços das commodities para o período 2024/2025, “a não ser que surja um fator muito novo de quebra de safra nestes países”.

Até a primeira semana de fevereiro, cerca de 80% das vendas de sementes de milho para a safrinha já tinham ocorrido, mas a KWS ainda espera negócios de última hora, uma vez que o produtor, em meio ao atual cenário, deixou de antecipar compras como fazia nos últimos anos.

Uma das regiões que compra mais tarde é o Matopiba, considerado estratégico para a companhia também.

Investimentos mantidos

Marcelo Salles garantiu que a KWS seguirá com o plano de expansão dos negócios no Brasil porque está “olhando para o médio e longo prazo”.

Ele ressaltou que na soja dificilmente haverá redução de área e que as culturas do milho e sorgo, que são foco da empresa, crescem na carona, com o avanço da segunda safra, nestas mesmas áreas.

“Estamos investindo muito no Brasil para cada vez mais trazer uma genética adaptada aos diferentes ambientes. Por isso temos estações de pesquisa espalhadas em diversas regiões. Melhoramento genético é a nossa fortaleza”, destacou Salles.

O executivo lembrou também que nos momentos de baixa é importante organizar a empresa para quando o mercado volta, uma demanda que costuma vir muito rápido.

“Em 2017/2018, quando mercado estava muito ruim, foi quando nós construímos a nossa unidade nova. Depois pegamos o mercado crescendo e estávamos preparados”, disse.

O investimento que o CEO menciona foi a ampliação, concluída em 2019, da unidade de beneficiamento em Minas Gerais, que passou de 800 mil sacas, para 2,2 milhões de sacas. O valor investido foi de R$ 150 milhões.

“Agora, estamos planejando com mais cautela, estamos nos preparando em fases, mas vamos continuar investindo para ter mais capacidade, porque hoje ela já está limitada”, destacou o CEO.

A nova obra, que poderia ter começado no início do ano, terá início a partir de julho, segundo Salles, e será feita em ritmo menos intenso.

A previsão é investir US$ 20 milhões, ou aproximadamente R$ 100 milhões pela cotação atual, para expandir a capacidade novamente, chegando a 3,3 milhões de sacas. A conclusão é esperada para daqui a 3 anos, “mas vai depender muito do mercado”, segundo ele.

“Estávamos com mais apetite. Já era para ter começado esse investimento na unidade e já tem até máquinas compradas, mas postergamos e vamos fazer por fases”, explicou.

De olho na cigarrinha (e no sorgo)

Os últimos investimentos da KWS têm ocorrido nas chamadas estações de pesquisa. Uma delas fica em Petrolina (PE), onde foram aplicados US$ 10 milhões, com bastante foco em buscar o melhor gene de milho para a segunda safra do Brasil

Na soja, a empresa não trabalha com melhoramento, apenas comercializa materiais licenciados, mas além do milho, está investindo na genética do sorgo, uma cultura que vem crescendo no Brasil como alternativa para a segunda safra.

Mais recentemente, a empresa inaugurou uma estação de melhoramento genético em Uberlândia (MG), que começou a operar na safra 2023/2024. Como esta era uma área que pertencia a Syngenta, o executivo disse que o investimento necessário foi menor.

“Queremos ter mais estações espalhadas pelo Brasil, cobrindo cada vez mais ambientes”, ressaltou Salles. O próximo passo deve ser um centro na região do Matopiba, mas ainda sem local definido, nem data para a instalação. Para atender a região, hoje a KWS usa a unidade de Sorriso (MT).

Nos campos experimentais, o foco tem sido buscar híbridos cada vez mais resistentes à cigarrinha do milho, praga que tem causado fortes prejuízos aos produtores no Brasil.

“Hoje o que mais investimos energia, tempo e dinheiro é tentar trazer uma genética mais adaptada ao ambiente de produção, tentar híbridos cada vez mais tolerantes a cigarrinha do milho, já que o melhor controle que se tem para o problema é com a genética”, afirmou Marcelo Salles.

Ao mesmo tempo, a empresa segue buscando sementes com ciclo rápido para ajudar nos desafios climáticos. No Paraná, por exemplo, diversas áreas estão mais expostas ao risco de geada na segunda safra de milho, portanto quanto menor o ciclo, melhor para o produtor.

O desenvolvimento de híbridos ocorre em paralelo com a adoção das biotecnologias disponíveis no mercado. Hoje a KWS já trabalha com a Syngenta e diz que futuramente atuará também com a Bayer.

Em paralelo ao milho, as pesquisas e a produção avançam no mercado de sorgo.

“Quando o produtor não consegue plantar milho na época certa, pode optar pelo sorgo, que é mais rústico, precisa investir menos, e aguenta mais a seca”, lembra o CEO.

Em termos de proteína, é considerado um produto semelhante ao milho e é cada vez mais utilizado como ração animal.

Líder em beterraba

Com 168 anos de existência, a KWS hoje tem negócios em 70 países. A chegada mais forte na América Latina ocorreu quando a empresa comprou a Riber Sementes, em Patos de Minas (MG), em 2012, adquirindo 100% do controle em 2016.

Lá fora, a empresa é conhecida pela liderança no melhoramento genético da beterraba açucareira, mas também possui uma grande fatia em sementes de milho.

Com esta história tão longa, as famílias fundadoras já superaram até as dificuldades da segunda guerra mundial, quando a antiga União Soviética tinha interesse na genética da beterraba e tiveram que se retirar às pressas de uma região de fronteira.

As duas famílias hoje possuem 65% das ações da empresa, que tem o restante negociado na Bolsa da Alemanha. O modelo de gestão é considerado peculiar, por ser horizontal. São 4 gestores que têm o mesmo poder de voto. Só quando há empate, o tema vai para o conselho e é necessário envolver as famílias majoritárias.

No Brasil, a empresa tem atualmente 600 funcionários. A estação de pesquisa de Petrolina é considerada um centro global, porque também presta serviço para as demais unidades da KWS, de outros países.

Além das culturas principais do mercado brasileiro, nos campos são testados, por exemplo, o girassol vendido na Europa e também diversos vegetais.

O investimento global da empresa em pesquisa e desenvolvimento equivale a 18% de sua receita.

Segundo a companhia, pesquisas recentes mostram que a KWS está entre as cinco maiores do mundo e é a terceira maior na Europa, perdendo apenas para Corteva e Bayer.