O tempo em que bastava madeira e arame para separar os animais no curral virou passado na pecuária brasileira, que hoje conta com máquinas e equipamentos automatizados, priorizando não apenas a eficiência no manejo, mas principalmente o bem-estar do rebanho.

A Beckhauser, empresa fundada por uma família do Paraná, em 1970, conhece bem essa história. No começo era uma espécie de marcenaria que fabricava itens em madeira para auxiliar os pecuaristas na contenção e manejo nos animais.

A atual CEO da empresa, Mariana Beckheuser, é neta dos fundadores e diz que a preocupação em trazer inovações com foco em bem-estar animal – que na época nem tinha esse nome ainda, hoje tão difundido – começou no início da década de 1990.

“Meu pai foi influenciado pelas ideias de um veterinário, que tinha muito contato na época. Com base nas observações de campo, ele enfatizou que o boi era um usuário do equipamento. Fomos mudando a forma de fazer, desenvolvendo tecnologias utilizando aço, por exemplo, o que foi transformando o mercado”, contou Mariana, em entrevista ao AgFeed.

O resultado disso é que os antigos “troncos”, como alguns ainda chamam até hoje, se transformaram em estruturas mais complexas para a contenção dos animais. Os equipamentos atuais são feitos principalmente a base de aço e polímeros, trazendo menor estresse nas atividades de manejo, como pesagem, aplicação de vacinas ou inseminação.

O produto que mais vende é o chamado “total flex”, uma linha de equipamento de contenção que funciona como um quebra-cabeça ou automóvel, em que o cliente vai escolhendo os opcionais, se quer cabine dianteira, traseira, e sistemas automatizados.

O segundo salto em inovação que a empresa deu, segundo Mariana, foi o lançamento da automação a partir de 2005. Ela conta que a Beckhauser foi procurada por um grupo da Unesp, que estudava soluções de bem-estar animal para um grande frigorífico.

“Criamos a solução e patenteamos. Hoje a maioria da carne para a exportação é produzida em plantas que usam nosso equipamento”, disse.

Enquanto um equipamento manual custa cerca de R$ 60 mil, um sistema completo de automação chega a custar o dobro. Porém, as vendas destes equipamentos mais caros aumentaram em 2023, em pleno período de preços mais baixos na pecuária.

“Desde que colocamos a automação é sempre a linha que mais cresce. No ano passado, foi a única linha que cresceu mesmo no Brasil. Atribuo isso à mentalidade do produtor que compra esse equipamento. Em geral, são pecuaristas que consideram mais custo-benefício, mais tecnificados, que estão olhando mais o negócio a longo prazo e menos suscetíveis à emoção do momento, de queda na arroba”, ressaltou.

Foco internacional

A Beckhauser diz ter encerrado 2023 com queda de 12% no faturamento na comparação com o ano anterior, quando a receita estava em R$ 57 milhões.

O principal motivo para o recuo é o período difícll para a pecuária brasileira, que durante boa parte do ano teve preços da arroba do boi mais baixos e rentabilidade apertada para o produtor.

Mariana Beckhauser lembra que, neste cenário, o setor mais afetado é o de infraestrutura, já que “o cliente pensa três vezes antes de investir em máquina nova, preferindo manter investimentos em nutrição ou em protocolo de genética”, por exemplo.

“Tivemos um pico entre 2020 e 2021, o setor como um todo cresceu muito acima da curva. Agora está havendo uma reacomodação, acredito que estamos voltando aos patamares normais, mas ainda crescentes”, afirmou a CEO.

A executiva ressalta que a indústria de máquinas e equipamentos voltados a agropecuária teve queda bem mais significativa e que os resultados da Beckhauser foram garantidos por um avanço na exportação.

“Colocamos mais energia no plano de expansão internacional e funcionou muito bem. A exportação, que há 2 anos representava 2% do nosso negócio, fechou 2023 com uma fatia de 8%”, afirmou.

A estratégia é baseada em distribuidores fixos que a empresa já possui no Paraguai, onde tem sido registrado o maior volume de vendas, na Bolívia e na Argentina. Vendas pontuais também estão ocorrendo em outros países, como no Panamá.

Na Colômbia, por exemplo, o plano agora é buscar um parceiro, já que diversas vendas vêm sendo efetivadas diretamente aos clientes. No Uruguai, foi realizado um evento em 2023 e a intenção também é ter um parceiro local.

Mariana conta que um dos mercados mais promissores é a Argentina, que praticamente não conta com empresas que ofereçam este tipo de tecnologia mais sofisticada.

“Estivemos na feira de Palermo e os produtores ficaram maravilhados ao ver os equipamentos com automação, pois estão acostumados com aqueles em madeira, tudo muito rudimentar”, relata.

Segundo ela, as vendas só não aumentaram mais na Argentina devido a instabilidade no País que acaba restringindo as importações em determinados períodos.

Este ano, está previsto o lançamento de uma nova versão do produto principal do portfólio da Beckhauser, com foco nas características do rebanho do Rio Grande do Sul e da Argentina. Isso porque as raças europeias são mais mansas que as zebuínas predominantes na maior parte do Brasil e, assim, demandam equipamentos com menor necessidade de alguns opcionais.

Projeções para o ano

Para 2024, Mariana Beckheuser diz estar otimista, especialmente com as exportações. “Acreditamos que começa a recuperar o Brasil, há sinais de mais otimismo no campo, mas veremos melhor em fevereiro, já que janeiro vendas ainda são lentas”, ponderou.

A executiva diz que espera um aumento significativo nas exportações para a Argentina, já que o interesse está altíssimo, mas depende das condições do País para que as transações sejam viabilizadas.

Ela descarta a possibilidade de voltar ao pico registrado em 2021, mas espera, no mínimo, voltar ao patamar de faturamento registrado em 2022.

Mariana assumiu como CEO da empresa em 2018, quando foi anunciada uma nova fábrica, em Maringá (PR).

“Pegamos o boom da pandemia. Em maio de 2020 teve um pico de vendas, dali só foi crescendo. Se não tivesse a nova fábrica não teríamos conseguido atender a demanda do mercado que veio”, lembrou.

Formada em Relações Públicas, no começo da carreira resistiu em trabalhar na empresa da família, mas disse que depois percebeu que poderia contribuir muito com o negócio e, a partir de 2005, começou criando a área de comunicação e marketing da Beckhauser. “Sempre acreditei que não existe essa dicotomia de que ONG faz bem para o mundo e negócio explora”.

Desde então, vem obtendo bons resultados. Os investimentos deste ano preveem ampliar o uso de energia solar na fábrica e fazer melhorias para o bem-estar dos funcionários, com sistemas de ventilação para enfrentar o calor que tem feito no Paraná.

A expectativa é também lançar novos produtos e seguir crescendo na linha frigorífica, com os investimentos crescentes das empresas em produtos voltados ao bem-estar animal.

Mariana Beckheuser diz que o interesse pela automação tem sido crescente porque melhora a produtividade, otimizando o tamanho da equipe envolvida nas atividades do curral. “Há um painel de controle central que pode ser gerido por uma pessoa”.

Além disso, com menos pessoas próximas aos animais o estresse deles diminui, algo já comprovado em pesquisas, segundo ela. Outro ganho importante têm sido uma maior retenção dos funcionários. Com sistemas automatizados, há maior interesse das mulheres em trabalhar na atividade, por exemplo.

Outra marca da gestão de Mariana foi a remodelação da área comercial, que deixou de ter representações e passou para uma rede de distribuição, montando uma loja própria em Campo Grande, em piloto que depois foi replicado.

“Enxugamos o número de pontos mas com parceiros mais qualificados, que tem o serviço na ponta mais perto do cliente, como assistência técnica, peças de reposição, nosso produto é um carro que não vai na concessionária, tem que ir na fazenda para atender”, acrescentou.