O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu em Brasília, no início da semana, o seu par paraguaio, Santiago Penã. Entre outros temas, trataram do avanço no projeto da ponte que interliga os dois países na fronteira entre Mato Grosso do Sul e a cidade de Carmelo Peralta, no departamento de Alto Paraguai.
A obra cria a conexão intercontinental que, finalmente, deve tirar do papel a chamada Rota Bioceânica, que tem projeção para estar funcionando totalmente em 2026.
Também chamada de Rota de Capricórnio, por ter traçado paralelo à linha do Trópico, o corredor rodoviário conectará o Brasil ao Chile, passando pelo Paraguai e por províncias no noroeste da Argentina.
O objetivo é abrir um caminho para que o Brasil comece a escoar sua produção pelo Oceano Pacífico e, assim, crie condições de ampliar o acesso a mercados da Ásia, além dos Estados Unidos e Oceania.
Com 3.320 quilômetros de extensão, o trajeto já tem parte de sua infraestrutura pronta. Do lado brasileiro, vai receber R$ 472,4 milhões que vão financiar a construção do Centro Aduaneiro de Controle de Fronteira, além do acesso rodoviário de 13 quilômetros que ligará a BR-267, em Mato Grosso do Sul, à ponte de 685 metros de comprimento e 25 metros de altura que está sendo construída sobre o Rio Paraguai, para conectar Porto Murtinho, no lado brasileiro, a Carmelo Peralta.
O Paraguai concentra o maior volume de investimentos. Além da construção da ponte, que contou com US$ 85 milhões da Usina de Itaipu, o país aportou US$ 850 milhões para asfaltar 650 quilômetros de estrada que ligam a região norte do país à fronteira com a Argentina – dos quais 70%, ou 450 quilômetros, já estão concluídos.
“Entendemos que na Argentina, por conta da situação econômica do país, pode faltar dinheiro para avançar, mas não vejo risco do ponto de vista político ou diplomático”, afirmou ao AgFeed Jaime Verruck, secretário de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc) do governo do Mato Grosso do Sul.
Por lá, a obra consiste em asfaltar os restantes 40 quilômetros da estrada que cruza as cidades de Misión La Paz e Tartagal, na província de Salta, até Jujuy na fronteira com o Chile.
Apesar de o presidente Javier Milei ainda não ter se pronunciado sobre o projeto, a expectativa é de que nada mude, considerando que os acordos que fixam prazos para a realização das obras foram ratificados pelos governadores das províncias de Jujuy e Salta, por onde passa o trajeto.
Além disso, o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) aprovou a liberação de US$ 600 mil para financiar obras do corredor rodoviário, recurso que pode ajudar a viabilizar as obras no trecho argentino. No Chile, a infraestrutura está praticamente 100% construída.
Os desafios
Apesar de estar bem avançada pela perspectiva logística, a Rota Bioceânica ainda precisa superar desafios práticos e burocráticos para que possa, efetivamente, se tornar uma opção competitiva para os exportadores brasileiros.
A implementação de acordos fitossanitários, alfandegários e de integração aduaneira entre os países estão entre alguns deles.
“A melhora na governança do projeto é um dos desafios que temos e no qual já estamos trabalhando”, diz o secretário Verruck, que também é integrante da comissão que vem liderando as negociações entre os países para dar viabilidade ao projeto e deixá-lo totalmente pronto até 2026.
Para endereçar esse problema, o Instituto de Economia Aplicada Regional (Idear) da Universidade Católica do Norte (UCN), do Chile, e o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), do Brasil, mapearam em estudo o arcabouço legal dos países que integram o projeto.
O resultado foi a definição de diretrizes para a construção de um modelo de gestão capaz de integrar informações e padronizar processos de análise tarifária e alfandegária, incluindo ainda questões fitossanitárias e de tratados comerciais.
De acordo com os pesquisadores Pedro Silva Barros e Julia de Souza Borba Gonçalves, do Ipea, trata-se de um modelo de unificação de informações baseado na adoção de tecnologia que permitirá reduzir o tempo de tramitação aduaneira, melhorando a eficiência logística da rota, já que hoje os países adotam instrumentos distintos de fiscalização e regulação comercial.
Montanha e deserto
A logística do percurso, especialmente no território chileno, é outro desafio. Para chegar aos portos de Antofagasta, Mejillones e Iquique, que operam no Oceano Pacífico, ao lado de Valparaíso, os caminhões de carga terão que transpor a Cordilheira dos Andes, em estradas sinuosas que suportam veículos com no máximo 28 toneladas.
“Esse cenário limita bastante o tipo de produto que será escoado por essa rota”, explicar Edeon Vaz, Diretor Executivo do Movimento Pró-Logística de Mato Grosso.
Ele percorreu todo trajeto numa expedição com o objetivo de mapear o percurso, que no passado era chamado de Rota da Integração Latino-Americana (RILA). “Para o transporte de commodities como soja, milho e farelos, a Bioceânica não é competitiva”, diz.
De fato, a limitação de tamanho dos caminhões impede a circulação dos chamados bitrens, compostos por dois semirreboques e com capacidade de transportar até 57 toneladas de carga.
São esses os modelos utilizados para escoar a produção de grãos do Centro-Oeste, especialmente a soja do Mato Grosso, para o porto de Santos, no litoral de São Paulo.
Maior valor agregado e competitividade
O transporte de grãos não é, de fato, o foco do projeto – pelo menos do lado brasileiro. O objetivo é criar uma alternativa para escoar produtos de maior valor agregado, como celulose, algodão, carnes (bovina, suína e frango) e alimentos processados. Na lista estão ainda itens industrializados, como calçados e vestuário, além de automóveis, ônibus e caminhões.
Jaime Verruck lembra que o projeto tem o potencial de transformar o Mato Grosso do Sul em um hub logístico, um verdadeiro centro de distribuição de mercadorias para países que se abastecem pelas rotas comerciais no Pacífico, como China, Índia e Estados Unidos. Atualmente, 65% de tudo que o Estado exporta tem a Ásia como destino.
A estimativa da Semadesc é de que o transporte de cargas pela Rota Bioceânica reduza em pelo menos 8 mil quilômetros a distância entre o Brasil e a China, que respondeu por 33% das exportações brasileiras em 2023.
“A saída pelo Oceano Pacífico encurtaria em até 15 dias o tempo de traslado de mercadorias entre as duas regiões, com redução de até 20% nos custos com logística”, afirma Verruck.
Hoje, os navios que saem do Porto de Santos, com destino à Shanghai, percorrem 24,1 mil quilômetros ao cruzar o Oceano Atlântico pelo Cabo da Boa Esperança para chegar ao Pacífico por meio do Canal do Panamá.
É trajeto que dura, em média 55 dias, com custo estimado de US$ 2.000,00 por contêiner.
O mesmo percurso feito pelo porto de Antofagasta, no Chile, demora 42 dias, num trajeto de 18,67 mil quilômetros.
Na visão de Verruck, o projeto reduz custo portuário e tempo de transporte, o que dará ao Brasil mais competitividade, especialmente nas exportações e produtos como carnes e bens industrializados.
“É uma obra que muda a geopolítica da América do Sul, pois vamos concorrer diretamente com o Canal do Panamá, que é a ligação atual entre o Atlântico e o Pacífico”, comenta Verruck, lembrando que além da China, a abertura de uma rota pelo Pacífico pode pavimentar as relações comerciais do Brasil com outros países da Ásia, como Índia, Indonésia e Coreia do Sul.