Os irmãos André e Alan Glezer já haviam passado por vários “sustos” ao longo do extenso currículo que possuem no mercado financeiro. O “ajuste do agro” de 2023 foi, no entanto, o teste final (com emoção) para a tese da Agrolend: financiar o produtor rural de pequeno e médio porte, de forma rápida, digital, aliviando o peso sobre as revendas e indústrias de insumos.
No início de 2023, a Agrolend chegava a prever que na safra 2024/2025 poderia ter uma carteira de R$ 2 bilhões, mas acabou decidindo “diminuir o ritmo”, como disseram os dois sócios ao AgFeed, o que levou a um crescimento próximo de 100% no ano passado, na comparação com 2022.
A expectativa em 2024 é fechar o ano com uma carteira de R$ 700 milhões, mais uma vez dobrando de tamanho, porém, com salto menor do que o projetado inicialmente. Quando começaram a conceder crédito a produtores, em 2021, a carteira era de R$ 40 milhões.
“De fato nós desaceleramos, escolhemos fazer menos. Se você olha o nosso balanço, o modelo de funding que temos, a distribuição e a capacidade de captação, é possível sim fazer esse volume (de R$ 2 bilhões), mas diante desse cenário mais adverso no agro, preferimos ser mais conservadores, e crescer menos”, afirmou André Glezer, que é CEO da Agrolend.
Os dois irmãos – que contam com mais três sócios, Carlos Fagundes, Valéria Bonadio e Leopoldo Vettor – gostam de frisar que a Agrolend é uma empresa financeira, que atua no agro, e não o oposto.
Por isso, se dizem muito mais próximos da mentalidade de grandes banqueiros do que das “agfintechs”, que, segundo eles, apenas viabilizam plataformas de crédito, mas não são elas mesmas que captam os recursos no mercado para depois emprestar.
O modelo de negócio da Agrolend é realmente diferente do que o mercado está acostumado, não apenas pela forma de liberar o crédito, mas também pela origem do recurso que é emprestado.
O produtor que chega numa revenda de adubos ou peças para o maquinário, por exemplo, ao invés de ser “financiado” pelo revendedor, recebe a opção na hora da compra de pedir o dinheiro diretamente à Agrolend, pelo whatsapp. Toda a operação é fechada por ali. Não há aplicativo da fintech para baixar nem burocracias a cumprir, como costuma ocorrer em agências bancárias tradicionais.
O outro diferencial é o fato de que este recurso que está sendo oferecido foi captado pela própria Agrolend, que conquistou um certificado de financeira junto ao Banco Central em abril de 2023, do mesmo modelo que empresas como Nubank e Mercado Livre possuem.
Nesta condição, de Sociedade de Crédito, Financiamento e Investimento (SCFI), a fintech pode emitir suas próprias LCAs (Letras de Crédito do Agronegócio), que são oferecidas aos investidores pessoa física.
Os papeis chegam aos clientes, atualmente, por meio dos bancos BTG, Daycoval, Nubank, Toro e XP. Em breve a Agrolend espera começar a trabalhar também com Itaú e Banco Safra.
“Nosso ticket médio é de R$ 250 mil por produtor e o prazo é a safra, ou seja, entre 6 e 9 meses. Quando a operação é assinada, o dinheiro é enviado ao parceiro e ele entrega o insumo ao produtor”, explica André.
Atualmente, a empresa conta com 3 mil produtores rurais na carteira e 150 parceiros, entre revendas e indústrias de produtos como defensivos, fertilizantes, sementes e peças. As empresas parceiras incluem nomes como AgroGalaxy, Belagrícola, Nutrien, Albaugh, Superbac, entre outras.
Do outro lado do negócio, que a Agrolend chama de “passivo”, está a relação com os investidores. Segundo os irmãos, a LCA é um veículo muito atrativo porque é isento de imposto de renda e tem a garantia do FGC, portanto, com risco muito baixo.
Até agora a empresa já emitiu mais de R$ 200 milhões em LCAs, que foram compradas por 10 mil clientes.
“O custo de funding para nós é muito competitivo. Captamos com uma taxa marginalmente abaixo do CDI, por causa do benefício do IR e FGC. Captamos abaixo de 10% ao ano, se comparar com qualquer outro veículo, é difícil ter algo próximo”, ressaltou Alan Glezer, o irmão que além de cofundador, é CFO da empresa.
Na outra ponta, o produtor rural, segundo eles, tem contratado financiamento para comprar os insumos com taxa de juros entre 18% e 22% ao ano.
“A nossa proposta não é ter o juro mais barato. Primeiro o produtor pega os recursos do crédito tradicional, com taxa mais baixa, faz negócio com a trading com a produção em garantia. Mas se ele estiver no meio da safra precisando fazer alguma coisa, nós somos muito rápidos para atender”, diz o CEO.
Por enquanto, o foco é o custeio da safra, mas a Agrolend também pretende passar a oferecer crédito para investimento. Segundo André Glezer, a empresa está em processo de credenciamento junto ao BNDES para oferecer linhas de financiamento de longo prazo, algo que deve se concretizar somente em 2025.
A operação da empresa ocorre em 15 estados, principalmente na região Sul, mas com presença crescente também em estados como Mato Grosso do Sul, Rondônia e Tocantins.
Os pequenos e médios produtores atendidos, em geral, têm faturamento entre R$ 200 mil a R$ 5 milhões por ano e propriedades entre 40 e 7 mil hectares, dependendo da característica de cada estado. A maioria está em culturas como soja, milho, cana, café, trigo, amendoim, mas também já há clientes em pecuária.
Segundo os executivos, a inadimplência (considerando um atraso superior a 90 dias), que ficava próxima de zero, chegou a 1% em 2023.
“Mas esse número não representa a realidade. Investimos muito em sistema de cobrança, recuperação de crédito, renegociação, aprendemos a navegar num ano difícil”, disse André.
“A gente de fato queria testar se essa aeronave, esse foguete que construímos, em uma condição pior, para ver como ele se comportaria. Estamos chegando à conclusão, de forma clara, que ele performou muito bem e nos dá um conforto extra pra crescer, mas crescer com a parcimônia necessária, de forma rentável e segura, avaliou o CFO, Alan.
A tese da Agrolend, desde que foi criada, foi também resolver um problema das revendas e indústrias. O crédito subsidiado era acessado por pequenos produtores. Já os grandes, aqueles mais capitalizados, tinham maiores oportunidades de financiamento.
“O meio da pirâmide tinha essa dificuldade. A revenda financiava e ficava com o balanço super alavancado. Isso era insustentável. A revenda não tem como captar recursos da forma mais rentável possível, nós conseguimos fazer isso em formato eficiente”, destacou Alan Glezer.
Para André Glezer a inspiração da empresa são os grandes bancos, como Safra e Banco do Brasil. “Usamos o modelo e conhecimento deles para inventar um produto financeiro novo”.
Desafios em 2024
Os sócios da Agrolend avaliam que as dificuldades enfrentadas em 2023 no mercado agro devem persistir este ano.
“Acreditamos que 2024 será um ano bastante difícil. Já está mais equilibrado do que 2023, mas ainda é um ano de desalavancagem do sistema, ano de pagar contas dos anos de bonança, anteriores. Por isso diminuímos o ritmo, temos tempo e temos calma”, afirmou André.
Alan Glezer lembrou que empresas que cresceram muito rápido no crédito tiveram consequências muito ruins, citando o exemplo da Stone, uma companhia listada, “que cresceu de forma excessiva”, segundo ele.
“Nós estamos crescendo com um ritmo bom. Dobrar de tamanho de 2023 para 2024 é um crescimento considerável. A empresa não tem a necessidade de ter uma carteira enorme para ser rentável. Nós já somos, com o nosso modelo diferente de agtechs, que precisam de volumes absurdos para pagar as contas”, provocou o CFO.
Alan se refere ao spread que garante a rentabilidade em cima da carteira, “infinitamente maior do que outros players”.
A decisão de desacelerar, segundo o CEO André Glezer, foi baseada também na troca de experiência com seus pares do setor de crédito.
“Desde que começamos, falamos com quem tem experiência de verdade. Não com fintechs que estejam há três anos no mercado, mas sim com bancos que operam no Brasil há 30 anos e já sobreviveram a todos os ciclos do País”, afirmou.
André diz que estes agentes consideram a Agrolend um negócio “redondo e rentável”, por isso houve a recomendação de que seguissem com calma, crescendo bastante, mas em ritmo mais calmo se comparado ao proposto inicialmente.
Neste cenário, André Glezer prevê um ROE (retorno sobre o capital) para 2024 entre 10% e 15%, pouco acima do CDI. A partir de 2025, quer operar acima de 25%. Em 2023, o ROE “ficou próximo da inflação”, segundo ele. O capital da empresa hoje é de R$ 220 milhões, “rodando de forma rentável”.
André lembrou da frase Jacob Safra sobre a importância de construir um barco sólido “para enfrentar qualquer tempestade”. Disse que, após ter vivo o 2023 no agro, está mais confiante, considera os desafios como aprendizado.
“Não acho que o pior ficou para trás. Ainda tem chance de 2024 ser pior que 2023, mas estamos prontos, investimos muito e aprendemos muito. Aproveitamos para construir uma empresa forte”.
Planos de expansão
Desde que foi criada, em 2020, a Agrolend já teve três rodadas de captação. Começou com US$ 1,6 milhão em 2021 e foram duas grandes em 2022 – US$ 14 milhões na série A e mais US$ 27 milhões na série B liderada pela Lightrock, um fundo europeu.
Uma outra rodada foi aberta em 2023 com a intenção de captar mais US$ 100 milhões, na época que a empresa ainda projetava alcançar os R$ 2 bilhões de carteira mais rapidamente.
“Essa ainda não foi, estamos trabalhando nela. Naturalmente o cenário está mais difícil, tanto no agro como o venture capital, mas acreditamos que será possível captar ainda em 2024 entre US$ 50 milhões e US$ 70 milhões”, disse o CFO Alan.
Glezer afirma que “não há uma necessidade urgente”. Segundo ele, enquanto o total captado até agora é de US$ 42 milhões, a empresa possui em caixa mais que isso, algo em torno de US$ 45 milhões.
De qualquer forma, os irmãos Glezer reforçam que pretendem seguir buscando capital para aproveitar uma oportunidade, que segue aberta, segundo eles, de ser “o maior banco digital do agro”.
A empresa já se denomina assim, mas quer agora reforçar o projeto de não restringir sua atuação junto aos produtores rurais e ser reconhecida também pela relevância junto às indústrias e revendas, chegando aos projetos de investimento, como irrigação, por exemplo.
“É uma oportunidade enorme. Ninguém está indo nesse caminho, de ser o grande banco digital do agro. Mas para atender toda a necessidade do País precisamos de mais capital. O agro representa 30% do PIB brasileiro. Para ser o banco desse setor inteiro, precisamos de mais capital para ter o poder de fogo e atender os grandes players dessa indústria. Vamos construir aos poucos, não é nada urgente”, afirma Alan.
Os almejados US $ 100 milhões, que vão se somar aos US $ 42 milhões já captados, devem chegar até o fim de 2025, prevê o CFO.
Também para o ano que vem, está previsto mais um passo de ousadia.
“A empresa já é rentável, num segmento com muito potencial de crescimento, e está com processos e auditoria prontos para um IPO quando o mercado abrir novamente”, disse ao AgFeed o CEO André Glezer. A expectativa é de que esse IPO ocorra nos Estados Unidos em 2025 ou 2026.