Com preços das commodities agrícolas em baixa e juros em alta, o ano de 2023 foi especialmente desafiador para o produtor rural. Ainda assim, ele procurou não se descuidar das contas e manteve suas dívidas em dia, com níveis de inadimplência mais baixos que o da média da população.

Essa é uma das principais conclusões do Indicador de Inadimplência do Agronegócio, levantamento desenvolvido de forma inédita pela Serasa Experian, a que o AgFeed teve acesso de forma exclusiva.

O estudo mostrou que, além de a inadimplência do agro (22,5%, no segundo trimestre de 2023) ser substancialmente menor que a do consumidor tradicional (43,9% em setembro), ele tem sido mais rigoroso com os prazos de pagamento das dívidas referentes apenas à cadeia do agro com vencimentos superiores a 180 dias. Neste caso, de acordo com o levantamento, a inadimplência cai para 7,6%.

Os dados são do segundo trimestre deste ano e, segundo Marcelo Pimenta, head de Agro da Serasa Experian, essa diferença entre o endividamento geral (que engloba contas não diretamente ligadas à operação agropecuária) e o endividamento com fornecedores, parceiros e com quem o produtor toma crédito, foi uma das surpresas do levantamento.

“Os números reforçam a impressão que o produtor faz de tudo pra se manter adimplente para os credores e fazer o custeio”, diz.

Os 7,6% são para as dívidas com vencimentos de mais de 180 dias. Nas dívidas imediatas com a cadeia agro, o percentual está em 9,4%. Nesse recorte, a população geral agro está com uma inadimplência de 27,5%.

Outro ponto que chamou a atenção de Pimenta foi em relação aos arrendatários, ou seja, quem não é o dono da terra que utiliza para o cultivo. Segundo a Serasa, esse tipo de produtor tem uma inadimplência maior, de 13,7% nas dívidas da cadeia agro.

De acordo com Pimenta, isso se explica pois a margem desse produtor é ainda menor, já que conta com uma dívida a mais no fim do mês - o aluguel.

“Esse produtor tem que pagar um insumo caro e ainda vê um preço apertado nos grãos. Esse custo [do arrendamento], o produtor que tem terra própria não tem, por isso a margem do arrendatário é menor ainda, e isso foi mostrado nos números”, comenta.

Por porte do produtor, a inadimplência no segundo trimestre deste ano mostrou que os pequenos proprietários rurais tiveram o menor percentual de inadimplência dos médios proprietários. O primeiro grupo ficou em 6,3% e o segundo em 6,5%.

Os grandes proprietários marcaram um indicador maior, chegando a 9,9%. Na comparação com o mesmo trimestre do ano passado, o número de todos é estável.

“Quando olhamos para os inadimplentes que possuem débitos diretamente ligados à sua atuação no agronegócio, identificamos um percentual pequeno, revelando que a maior parte dos proprietários rurais está honrando seus compromissos financeiros no campo e, sendo assim, garantindo a estabilidade econômica, bem como fomentando a evolução do setor”, comentou Pimenta.

No recorte por idade, o estudo mostrou que a inadimplência diminui conforme a idade  do produtor aumenta.  A única exceção é para a faixa de 30 a 39 anos, que registra um percentual de inadimplência ligeiramente maior (11,8%) do que aquele entre 18 e 29 anos (11,4%).

Os produtores com 80 anos ou mais são os que detêm o menor indicador de inadimplência, atingindo apenas 3,5% desta faixa etária.

Pimenta explicou que quase 70% dos produtores possuem uma idade acima dos 40 anos. Com isso, se uma pequena parte de produtores nas faixas anteriores, como no caso da faixa de 30 a 39 anos, mostrar mais inadimplência, acaba afetando o número final.

Por região, o maior percentual de inadimplência no agro no final do segundo trimestre estava no norte do país, com 11%. Na sequência, a região Nordeste marcou 9,9% no indicador.

O Sul ficou com o cenário mais positivo, com apenas 4,7% dos produtores desta região inadimplentes. O Centro-Oeste, que abriga grande parte da produção agrícola brasileira, teve uma inadimplência de 7,7%.

Na avaliação por região, Marcelo Pimenta vê a região sul mais preparada para lidar com as adversidades que podem prejudicar a colheita. “A região sul historicamente tem problemas climáticos, é um grupo acostumado a mitigar os riscos. Já as áreas novas de fronteira, como no Norte, tem produtores mais “novos”, e que ficam mais vulneráveis às oscilações de mercado”, comentou.

O estudo, que foi chamado de “Indicador de Inadimplência do Agronegócio”, avaliou cerca de 9,5 milhões de donos de propriedades rurais e aqueles que possuem empréstimos e financiamentos da modalidade rural ou agroindustrial ao redor do Brasil.

Pimenta disse ao AgFeed que a ideia do estudo surgiu da necessidade de detalhar o perfil do consumidor do agro.

Ele explicou que comparações anteriores entre a inadimplência no agro com a da população em geral não costumavam levar em consideração as particularidades dos negócios rurais.

“O fato de a inadimplência da população agro ser menor que a geral é positivo. Revela uma população que tem uma capacidade de lidar com dívidas melhor do que o restante da população. Mas esse número sempre foi questionado, pois é baseado apenas na negativação e dívidas em aberto”, explica.

Foi então que, por meio de conversas com tradings e revendas, a Serasa decidiu fazer nova avaliação, utilizando métricas específicas para o setor.

Dentro desse recorte estão, por exemplo dívidas com a agroindústria de transformação e comércio atacadista agro, serviços de apoio ao agro, revendedores de insumos, revendedores de máquinas agrícolas, indústrias de produção de insumos, produtores rurais, indústrias de máquinas agrícolas, seguradoras não-vida, transportes e armazenamentos. “Pela primeira vez demos números para a cadeia agro”, celebra o diretor.