Enquanto a discussão sobre a compra de terras por estrangeiros segue travada no Brasil, com o PL 2.963/2019 na fila de espera do Congresso, nos Estados Unidos o assunto está na ordem do dia de governos estaduais.
Lá, governos estaduais têm criado ou ampliado o alcance de leis que regulamentam a aquisição de propriedades rurais por cidadãos e empresas de outros países. O foco especial, nesse momento, está em fechar a porteira ao capital chinês ou russo, levando para o campo um pouco da tensão vivida no ambiente diplomático.
Até o início deste ano, catorze estados norte-americanos já possuíam leis no sentido de restringir ou proibir compra de terras por estrangeiros. Atualmente são 22.
Desde o início de junho, coincidindo com o clima mais pesado nas relações internacionais, Alabama, Arkansas, Flórida, Idaho, Montana, Tennessee, Utah e Virgínia promulgaram leis tratando do tema. Já Dakota do Norte e Oklahoma revisaram leis existentes e ampliaram as restrições a esse tipo de negócio.
Somente entre 2021 e 2022, 11 estados haviam se movimentado no sentido de limitar o investimento estrangeiro em terras agrícolas.
As principais justificativas são a segurança alimentar dos norte-americanos, proteção do entorno de áreas estratégicas, como bases militares e garantia de que países considerados “de risco” para a soberania dos Estados Unidos não invistam por meio de empresas, governos ou pessoas físicas.
Segundo o advogado Micah Brown, do National Agricultural Law Center (NALC), centro ligado à Universidade do Arkansas que monitora a questão, esse movimento de restrição à compra de terras por estrangeiros não é novo e já emergiu em cincos diferentes períodos da história dos EUA.
“A mais recente onda teve início em 2021 depois de uma empresa chinesa ter adquirido mais de 53 mil hectares de terras em região próxima a uma base militar no Texas e outra companhia chinesa ter comprado 121 hectares próximo de uma base militar na Dakota do Norte”, explica ao AgFeed.
Justamente pelo fato de cada estado poder criar suas próprias leis, Brown explica que não há muitos pontos em comum entre elas. “Muitas leis foram criadas em períodos diferentes e têm determinações variadas”.
No entanto, entre os estados que definiram as restrições a partir de 2021, percebe-se uma preocupação especial em restringir negócios com a China, Rússia, Coreia do Norte e Irã.
O atual cenário geopolítico mostra que as relações dos EUA com China e Rússia estão mais tensas, mas o crescimento de restrições aos negócios pode fazer com que o país venha a sofrer retaliações, segundo Christian Lohbauer, cientista político e ex-presidente da CropLife.
Ele avalia que o mundo está passando por mudanças nas estruturas internacionais, com aumento da relevância política e econômica da China. “Esse rearranjo de forças passa obviamente pelo rearranjo do capital e dos investimentos estrangeiros”, pondera.
De acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), até dezembro de 2021 aproximadamente 16,2 milhões de hectares de terras agricultáveis do país estavam nas mãos de empresas ou investidores estrangeiros.
Isso representa cerca de 3,1% do total de terras privadas agricultáveis do país e 1,8% de toda a terra disponível nos EUA. Desse total, a China representa menos de 1% ou 155,4 mil hectares, somadas terras agricultáveis e não-agricultáveis.
De 2009 a 2015, as compras de terras por estrangeiros aumentaram em média 0,3 milhão de hectares por ano. Esse movimento se acelerou a partir de 2015, quando o volume anual de terras adquiridas passou para 1,3 milhão de hectares.
Entre os estados com maior volume de terras nas mãos dos estrangeiros está o Texas, com 2,1 milhões de hectares. O estado é também o que apresentou o maior aumento de compras de terras por esse público, com 222,2 mil hectares em 2021 em relação a 2020.
No final de abril, o Senado Estadual texano aprovou o projeto lei 147 proposto pela senadora Lois Kolkhorst, que proíbe a compra de terras ou aquisição de títulos imobiliários por parte de pessoas físicas, governos ou empresas cuja sede fique nos países citados na Avaliação de Ameaça Nacional do Diretor de Inteligência Nacional por três anos consecutivos.
"Segurança alimentar é segurança nacional. Petróleo e gás, nossos materiais de terras raras, madeira - precisamos proteger isso. Essa é uma questão de segurança nacional. Por isso, vinculei as proibições à avaliação da ameaça nacional", declarou a senadora em entrevista à Fox News na ocasião da aprovação da lei. Procurada para falar sobre o tema, a assessoria da parlamentar informou que ela estava em viagem e indisponível para entrevistas.
Restrições longe da esfera federal
Apesar do movimento nos estados, Brown explica que não existe nenhuma lei federal que proíba ou restrinja a compra de terras por estrangeiros. “O governo federal monitora determinadas aquisições e propriedades estrangeiras de terras agrícolas por meio do AFIDA”, explica.
O Agricultural Foreign Investment Disclosure Act (AFIDA), de 1978, é uma lei federal, que determina apenas o monitoramento de compras de terras agrícolas por estrangeiros, sem restrições aos negócios.
Existem, no entanto, várias propostas de emendas e projetos no Senado Federal, com o intuito de proibir ou restringir as compras de terras.
Lohbauer explica que não há perspectivas de que haja algum movimento na esfera federal para restringir negócios estrangeiros nos EUA, especialmente no caso da China, já que ambos os países mantêm uma relação de dependência econômica, com importantes negócios entre si.
“Além disso, os norte-americanos sempre foram os principais investidores estrangeiros e defensores da ideia de que capital não tem bandeira. Por isso, não deve haver um movimento grande de restrição, de trabalhar contra o capital”.