No mundo do vinho, existem algumas regras bem definidas. Legislações protegem rótulos feitos em determinadas regiões e estipulam quais variedades de uva podem entrar em um blend ou qual o tempo mínimo de maturação exigido. Outras são apenas convenções, reproduzidas por hábito e tradição.
A Garbo Enologia Criativa, de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, decidiu subverter algumas dessas convenções e criar vinhos que fogem do padrão.
Marca nova no cenário nacional, a vinícola surgiu a partir da união de três amigos, Andrei Bellé, Guilherme Caio e Jhonatan Marini, que se conheceram em um curso de enologia em 2005, e desde então alimentavam a ideia de produzir os próprios rótulos.
Trabalharam em grandes grifes da região, como a Casa Valduga. "Grandes marcas têm muito prestígio e dão muito respaldo, mas sentíamos vontade de testar e errar algumas ideias por nós mesmos", diz Marini.
A Garbo, como empresa, surgiu apenas em 2015, a partir de pequenas produções autorais. O primeiro espumante, Primogênito, foi lançado no mercado e até hoje o trio guarda algumas garrafas na adega.
Aos poucos, os amigos foram testando receitas, uvas exóticas (para o mercado brasileiro) e desenvolvendo novos rótulos. E a Garbo foi se tornando a prioridade.
Em 2020, Andrei Bellé saiu da Valduga para se dedicar à marca própria, e em outubro daquele ano inaugurou uma loja e Wine Bar na região de Caminhos da Pedra.
Hoje, o portfólio tem alguns rótulos mais "tradicionais", como o espumante Dom Moscatel Rosé, feito com as uvas Moscato Branco e Moscato Hamburgo provenientes do Vale dos Vinheods, ou o Colaborativo Cabernet Sauvignon e Merlot 2020, assinado em parceria com o enólogo, André Larentis, que usa as duas variedades clássicas dos cortes (ou blends) feitos na região de Bordeaux, na França.
Mas há muito espaço para a inovação. O Akis Riesling, por exemplo, é feito com Riesling Itálico, variedade que remete ao início da imigração italiana na região, e passa por um processo de envelhecimento em barris de acácia, madeira originária da França que é usada na produção de vinhos brancos, principalmente Sauvignon Blanc, nos Estados Unidos.
Já o Alicante Bourbon é feito com a uva portuguesa Alicante Bouschet e passa 10 meses em barris que já foram usados na maturação de whisky. A técnica, embora não exatamente nova, ainda é pouco comum.
Parte dessa liberdade vem do fato de que os três amigos não têm vinhedos próprios. Eles compram as uvas de produtores parceiros e elaboram seus vinhos a partir dessa matéria-prima.
"Para alguns, não produzir a própria uva, não ter um terroir próprio, pode ser uma desvantagem", afirma Marini. "Para nós foi um privilégio, porque não temos a necessidade de nos enquadrarmos numa denominação de origem ou em um padrão".
Agora, no entanto, os enólogos sentem que para manter a criatividade é preciso dispor de um vinhedo próprio. "Queremos buscar o que os nossos parceiros atuais não oferecem, como variedades mais exóticas ou técnicas mais experimentais e drásticas nas videiras", afirma Bellé.
Atualmente, eles estão em negociação em duas regiões, Encruzilhada do Sul e Pinto Bandeira. A princípio, não serão os únicos donos das propriedades, mas poderão colocar em prática manejos diferentes das uvas.
Ter uma produção própria também vai facilitar no momento de expandir a produção dos rótulos que conquistem maior apelo de público.
Quando lançam um novo produto, colocam no mercado entre mil e mil e quinhentas garrafas. Se cair no gosto dos consumidores, eles entram para o portfólio fixo.
"Produzir todos os vinhos todos os anos é difícil, porque o agro está sujeito à natureza, por mais que o manejo tenha evoluído", diz Bellé.
E na viticultura o avanço foi rápido, principalmente nos últimos anos. O sistema de produção feito principalmente por pequenos produtores, que entregavam as uvas produzidas em áreas pequenas de até dois hectares, agora divide espaço com produções maiores, promovidas pelas principais vinícolas da região.
"É um papel importante dos líderes de mercado de inovar, buscar novas regiões, como a Campanha Gaúcha e Encruzilhada do Sul, e testar outras variedades", afirma Bellé.
A busca por novas regiões também está ligada às mudanças climáticas que estão mudando a maneira como os enólogos fazem os vinhos. "Se olhamos para Bordeaux, uma das mais tradicionais do mundo, e vemos que eles estão se adaptando, nós também podemos", diz o enólogo.
Trata-se de uma referência à decisão da famosa região produtora francesa de incluir a uva Marselan entre as permitidas nos cortes de vinho. No Brasil, variedades tidas como impróprias para o plantio por aqui, como a Teroldego, originária do nordeste da Itália, vem encontrando clima propício por aqui.
O mercado, entretanto, ainda não evoluiu na mesma velocidade. "É um movimento que vem dos dois lados, do produtor e do consumidor", afirma Marini. "E tem consumidores que são tradicionais, não buscam tanto a novidade. Os mais jovens são mais abertos às experimentações".
Parte do trabalho da empresa, agora, é levar seus vinhos para mais gente. Além da loja online, que envia os rótulos diretamente aos consumidores finais em todo o Brasil, a Garbo quer colocar algumas de suas criações nas cartas de restaurantes e em lojas especializadas.
"Nosso novo marco é começar uma busca ativa de novos clientes. Essa é a conversa que temos agora", diz Marini.