Embora globalmente o ano de 2025 seja considerado pelo CEO da Bayer, Bill Anderson, o “mais difícil” da trajetória de recuperação da companhia, no Brasil e na América Latina, o ano tem sido de “respiro” para os negócios agrícolas da companhia alemã, um gigante na produção e venda de insumos para os produtores rurais.

Isso porque a fotografia deixada até aqui pelo ano de 2025 e pelo começo da safra 2025/2026 são melhores que a do ano passado, principalmente com a colaboração do clima.

Depois de dois anos sob adversidades, com El Niño, chuvas torrenciais e secas extremas em diferentes pontos do continente, as condições meteorológicas estão mais estáveis, ajudando a tornar mais previsíveis os resultados nas lavouras.

Só que, ao mesmo tempo, as dívidas crescentes no campo estão deixando os produtores rurais brasileiros ainda mais cautelosos no momento de adquirir insumos agrícolas.

Esses fatores reforçam a tese de Maurício Rodrigues, presidente da divisão de Crop Science da Bayer para a América Latina, de que, por mais que este seja um ano de respiro, é também necessário adotar uma postura de “otimismo cauteloso” frente às condições do mercado nacional.

“Estamos vendo um cenário mais otimista do que o ano passado, mas ainda com uma certa cautela”, avalia Rodrigues, que conversou com o AgFeed nos bastidores do evento CNN Talks Potência Verde, promovido pela CNN Brasil esta semana em São Paulo.

“Sem dúvida, [o mercado está] melhor do que o ano passado. Mas conhecendo a agricultura há tantos anos, digo que é necessário um otimismo cauteloso, sabendo das complexidades que a gente enfrenta.”

Econômico nos detalhes, Rodrigues lembra que as vendas da companhia tendem a ganhar força na segunda metade do ano – e, em 2025, esse movimento não tem sido diferente, influenciado dessa vez pelas dificuldades de crédito dos produtores.

“Tem alguns produtores com uma situação de endividamento mais complexa. Tem ambientes em que ele está deixando para tomar essa decisão [de adquirir insumos] mais de última hora, até tentando de alguma forma se reestruturar da maneira mais cautelosa possível”.

Ainda assim, o planejamento da Bayer segue no rumo esperado, mesmo com as adversidades de mercado.

"O que eu posso dizer é que nós temos conseguido avançar de acordo com o planejado. Mas tem uma concentração evidentemente natural nessa última parte do ano", diz Rodrigues.

A Bayer não abre dados de faturamento por país. Mas, a julgar pelos números divulgados pela companhia em seus últimos balanços, a situação deste ano está de fato mais positiva.

Isso porque na América Latina, região da qual Rodrigues é responsável, as vendas da área de Crop Science cresceram 4,8% ao longo do primeiro semestre deste ano na comparação com o mesmo período do ano passado, segundo as demonstrações financeiras mais recentes divulgadas pela companhia.

O destaque veio das vendas de sementes e tratamentos de soja, que aumentaram significativamente na região, com maior área plantada e preços mais altos.

No ano passado, as vendas da área de Crop Science fecharam o período com queda de 8,1% na América Latina, totalizando 6,2 bilhões de euros. Globalmente, as vendas também diminuíram em 2024, fechando o ano em 22,2 bilhões de euros, 2,0% a menos que em 2023.

Para este ano, a projeção da companhia é de que as vendas da área de Crop Science, considerando América Latina e demais regiões, apresentem entre queda de 1% e alta de 3%, a depender do resultado final. Considerando esses percentuais, o número poderia girar entre 21,9 bilhões de euros e 22,8 bilhões de euros em vendas.

Revés na Justiça

Os desafios da Bayer no Brasil não se limitam, entretanto, ao clima – meteorológico e financeiro – no setor agro. Se nas vendas, a sorte tem dado as caras neste ano, nos tribunais brasileiros a Bayer continua tirando a carta do revés.

Na mais recente movimentação de uma disputa judicial que corre há anos, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT) manteve, em junho, uma sentença de dezembro do ano passado, que reconhecia como indevida a cobrança de royalties envolvendo a tecnologia Intacta e negou recurso de apelação apresentado pela Bayer.

A querela envolve uma ação coletiva movida pela Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT), na qual os produtores questionaram a cobrança de royalties sobre a utilização da tecnologia de soja Intacta RR2 PRO, desenvolvida pela Monsanto, que pertence à Bayer desde 2018.

Os produtores divergem sobre a cobrança desses valores, alegando que a lei brasileira coloca um limite de 20 anos para as patentes de novas tecnologias, que começaram a vencer a partir de 2018.

De acordo com os agricultores, mesmo depois desse prazo, a Monsanto continuou cobrando royalties sobre a utilização da tecnologia.

A Monsanto, por sua vez, defendia a vigência de um dispositivo da Lei de Propriedade Industrial, que possibilitaria a extensão automática do prazo de patentes se o Instituto Nacional de Propreidade Industrial (INPI) demorasse para deferir pedidos de registro.

A causa acabou indo para o Supremo Tribunal Federal (STF) que, em 2024, negou recurso de agravo regimental pedido pela Monsanto, por 4 votos a 1. O valor atualizado da causa já chega a R$ 10 bilhões, segundo a Aprosoja-MT.

Passivos

O passivo da Monsanto continua atrapalhando o desempenho global da Bayer, mesmo passados sete anos da compra da empresa americana, que se deu em 2018, um negócio que custou US$ 63 bilhões à Bayer.

Na época, a expectativa era que um gigante surgisse a partir da união das duas empresas. Mas, na prática, a Bayer passou a conviver com várias querelas jurídicas envolvendo produtos da Monsanto, que ainda afetam a companhia.

No segundo trimestre deste ano, por exemplo, a empresa registrou um prejuízo líquido de 199 milhões de euros, bastante superior ao resultado, já negativo, de 34 milhões de euros aferido no mesmo período do ano passado.

O resultado foi impactado negativamente pela necessidade de se fazer novas provisões para disputas judiciais envolvendo o herbicida Roundup, principal produto da Monsanto.

Neste ano, a Bayer sofreu novos revéses em processos envolvendo o produto, alvo de disputas na Justiça americana há anos.

Dessa forma, a companhia teve de fazer, ao longo do segundo trimestre, uma provisão adicional de 1,2 bilhão de euros para questões envolvendo o glifosato e de aproximadamente 530 milhões de euros para disputas envolvendo PCBs, outro produto que era vendido pela Monsanto no passado.

Assim, a companhia reservou, para o ano, 1,7 bilhão de euros em provisões para as disputas judiciais nos Estados Unidos e reforçou que pretende conter os prejuízos que os processos têm trazido à companhia nos últimos anos.

“Afirmamos nosso objetivo de conter significativamente o risco de litígios até o final de 2026”, disse o CEO da Bayer, Bill Anderson, após a divulgação dos números.

Anderson, por sinal, vai continuar à frente da companhia nos próximos anos. Em junho, a companhia anunciou que o contrato do executivo, que iria até o ano que vem, foi renovado até 2029.

Famoso por declarações sem rodeios – ele já classificou a Bayer como uma empresa “muito quebrada” –, Anderson vem conduzindo uma série de mudanças na companhia desde que chegou ao comando, em meados de 2023.

Essas mudanças estão concentradas em um plano chamado Dynamic Shared Ownership (DSO), que busca reduzir hierarquias e cargos, que vem sendo executado desde o começo de 2024.

De lá pra cá, a Bayer começou a reorganizar sua estrutura interna e fazer demissões em todas as regiões onde atua.

A companhia fechou o segundo trimestre de 2025 com 89,5 mil funcionários ao redor do mundo, contingente cerca de 10% menor do que no fim de 2023, antes da implementação do DSO, quando empregava globalmente 99,7 mil funcionários.

Com o DSO, a ideia da Bayer é economizar 2 bilhões de euros em despesas até o ano que vem. Para este ano, a companhia projeta uma economia de 800 milhões de euros.

Resumo

  • Clima estável em 2025 dá otimismo cauteloso à Bayer no agro, segundo Maurício Rodrigues, presidente da divisão de Crop Science da Bayer para a América Latina
  • Endividamento rural freia compras de insumos, mesmo com crescimento de 4,8% nas vendas da divisão na região
  • Companhia segue sob pressão de passivos da Monsanto, com disputas judiciais bilionárias e novas provisões