Era de se esperar que, com a alta do preço do café em 2024 – originada a partir de uma escassez de oferta provocada pelas condições climáticas –, as cooperativas de cafeicultores apresentassem resultados robustos.
Na mineira Expocacer (Cooperativa dos Cafeicultores do Cerrado), com sede em Patrocínio (MG), esse roteiro se cumpriu à risca.
A companhia encerrou o ano de 2024 com resultados históricos, movimentando mais de 1,4 milhão de sacas de café de 60 kg, alta de 9% em relação ao ano anterior. A receita líquida foi de R$ 1,9 bilhão, avanço de 46% em relação a 2023, acompanhando tanto o aumento de volume quanto o preço do grão no mercado.
O resultado líquido, apresentado esta semana, chegou a R$ 33 milhões, salto de 80%. A cooperativa distribuiu sobras de R$ 2,5 milhões aos 750 cooperados.
Para 2025, o desafio de enfrentar o clima seco e quente permanece, assim como o preço do café em patamares elevados. Segundo dados do Cepea, a saca do grão passou de R$ 1 mil em março de 2024 para o patamar atual de R$ 2,6 mil.
A “tempestade perfeita” (ou a falta dela) continua, mas para Simão Pedro de Lima, presidente-executivo da Expocacer, a cooperativa deve apresentar um ano mais estável em 2025.
Durante uma conversa de cerca de uma hora com o AgFeed, ao melhor estilo “mineiro proseador”, Lima evitou dar prognósticos exatos, a fim de evitar especulações. Apesar disso, projetou um ano similar ao que acabou há dois meses.
"Temos uma dificuldade quantitativa para 2025, devido às condições climáticas. Ainda não sabemos como será a qualidade da safra, mas, em termos de volume, deve ser semelhante a 2024", explica.
Ele acredita que a safra será menor do que o potencial, com uma produção 20% menor do que a possibilidade mais otimista. Apesar disso, prevê um crescimento de 8% ou 9% na comercialização.
Se isso terá um impacto na receita, Lima ainda não sabe. “Números financeiros dependem da precificação. Mas há uma boa expectativa, principalmente em novos mercados, como a China”, disse.
O mundo da Expocacer
A exportação é um grande trunfo da Expocacer. Só no ano passado, os embarques para fora avançaram 41% frente a 2023. Hoje a cooperativa vende para 30 países, em todos continentes.
A cooperativa se posiciona perante ao mercado com um foco em cafés diferenciados. Para além de grãos de qualidade elevada, a Expocacer aposta em certificações e consumidores com exigências ambientais mais profundas.
“Toda nossa estratégia está vinculada ao desejo do consumidor e hoje a sustentabilidade está mais em evidência do que a qualidade”.
Lima acredita que, de geração em geração, uma exigência a mais vai sendo acrescentada no consumo do café.
Enquanto a geração dos baby boomers, que hoje possuem mais de 60 anos, se preocupava apenas com o preço, os nascidos nas décadas seguintes, até os chamados millennials, estão atentos tanto ao desembolso financeiro quanto à qualidade do café tomado.
Hoje, a chamada geração Z trouxe mais um elemento para a discussão: “como este café foi produzido?”. Lima vê a cooperativa pronta para atender essa demanda, que segundo ele, só deve subir daqui para frente.
“Hoje, dos 65 mil hectares que a cooperativa tem de produção de café, 16 mil já são de café regenerativo. Somos a única cooperativa que tem possibilidade de garantir volume e uma regularidade de entrega deste tipo de café”, diz.
“Ele é diferente do café especial, que é de nicho. A sustentabilidade não vem para aumentar preço, e sim aumentar a liquidez. Existem torradores mundo afora que planejam ter a maior parte dos cafés recebidos advindos de agricultura regenerativa. Se tem um mercado, não é nicho, é tendência”, acrescenta.

Outra ação da cooperativa ligada à inovação e também a novos mercados é a presença de hubs logísticos fora do País. Atualmente, a Expocacer possui duas unidades, uma nos Estados Unidos e outra recém-aberta na Inglaterra.
Segundo o presidente-executivo, esses hubs no exterior servem para que a cooperativa atinja pequenos clientes nesses países, como pequenas torrefadoras e até pequenas cafeterias.
Diferente de filiais tradicionais, esses hubs funcionam como empresas locais, que recebem o café em contêineres e o distribuem de forma fracionada. Toda a operação é controlada a partir do Brasil e a Expocacer apenas contrata armazéns nesses países, que ficam responsáveis pela entrega da mercadoria.
Sem o hub, a venda para fora fica restrita à grandes importadores, que compram sozinhos um container com 230 sacas, por exemplo. A possibilidade de fracionar as vendas faz com que o café dos cooperados da Expocacer chegue em mais locais e com cargas de 10 sacas.
Essa estratégia permitiu um aumento de 14% nas vendas nos EUA em 2024. Agora, a cooperativa possui planos de expansão para outra filial para a Coreia do Sul, e mais outra na Europa, segundo Lima.
“Esses hubs não são só comerciais e possuem tecnologia embarcada. Por meio dos QR Codes disponíveis nas embalagens, o consumidor consegue ‘visitar’ a fazenda remotamente. Pregamos uma transparência radical e mostramos as práticas, preparação e origem do café com georreferenciamento. Até o talhão é indicado”.
O maior produtor do mundo
O presidente-executivo da cooperativa, Simão Pedro de Lima, acredita que a origem da cooperativa ajuda a explicar o porquê da imagem ligada à inovação e cafés diferenciados.
Criada em 1993, a Expocacer não nasceu como cooperativa e sim com uma reunião de produtores de café que procuravam um local de armazenagem. O grupo, de mais ou menos 80 agricultores, comprou um armazém em Patrocínio e cada um deu, como cota, 50 sacas de café.
Os fundadores criaram uma espécie de condomínio de armazenamento, que não tinha personalidade jurídica. O mais próximo era se tornar uma cooperativa e foi aí que nasceu a Cocacer, que servia apenas para armazenar e preparar café.
Ao longo desses 30 anos, a cooperativa ampliou as atividades e passou também a comercializar café. “Essa participação ativa dos cooperados desde os primórdios traz um senso de pertencimento e isso permite ampliar atividades como os hubs”, afirma o presidente.

Segundo ele, a cooperativa trabalha com um teto de margem de lucro de 2% para a própria cooperativa – ou seja, 98% do que é vendido é repassado direto ao produtor. “Queremos ser uma extensão dos cooperados, não uma intermediária”.
Isso explica, por exemplo, o percentual baixo das sobras distribuídas em relação à receita total da cooperativa.
Outro ponto destacado por Lima é a governança. Ele afirma que a Expocacer é uma das primeiras cooperativas do País a ter uma gestão profissional, com diretores contratados pelo conselho de administração.
Hoje, os produtores que fazem parte da cooperativa formam um conselho de sete pessoas, com mandatos não coincidentes, a fim de evitar trocar todo o conselho de uma vez.
“Há uma oxigenação constante, evitando, ao mesmo tempo, modismos e conservadorismo”, diz Lima.
Dos cerca de 750 produtores cooperados, o perfil é variado. Cerca de 45% do quadro é considerado pequeno, com uma produção de até 2 mil sacas de café por ano, 13% é considerado grande, com produção superior a 20 mil sacas por ano, e o restante se divide entre médios e médios-grande, com produções que variam de 2 mil sacas até 20 mil sacas.
Existe ainda 3% que produzem acima de 50 mil sacas, com destaque para Antônio Francischini, considerado o maior produtor de café do mundo. Segundo Lima, ele, sozinho, produz mais de 600 mil sacas de café por ano.
Os desafios da comercialização
Era de se esperar que a alta no preço do café motivasse um mutirão de vendas por parte dos produtores cooperados, aproveitando os preços elevados da commodity e resultando em uma rápida redução dos estoques. Na prática, não funciona assim.
Apesar da valorização do café vista de alguns meses para cá, Lima conta que muitos cooperados da Expocacer já tinham travado vendas futuras ainda em 2022 e 2023, num cenário de preços mais baixos.
Isso significa que, enquanto o café atualmente é comercializado por até R$ 2,8 mil por saca, há produtores entregando lotes a valores negociados há anos, por valores como R$ 700 ou R$ 1,5 mil.
“Com esses preços a sensação é de que o produtor poderia ter vendido tudo, mas no fim, os produtores não venderam muito”. Para além da dificuldade atual de seca, Lima relembra que a produção do grão não tem sido fácil na última década como um todo.
Ele cita que, desde 2014, apenas três colheitas foram “normais”: 2016, 2018 e 2020. Em 2019 e 2021, os produtores sofreram com as geadas e nos outros anos, assim como agora, com seca.
Com menos café produzido, muitos optam por segurar estoques, apostando em uma valorização ainda maior ou reservando parte da produção para honrar contratos futuros.
“Os efeitos das geadas e das secas passadas reverberam até hoje. O clima não está favorável, a amplitude térmica de manhãs frias e tardes quentes deixa a produção aquém do potencial e isso diminui oferta. Se consome sim mais estoque, mas não completamente”, afirma o presidente-executivo.
Juntando as dificuldades nas colheitas, existem ainda os desafios logísticos de transporte. Dados recentes do Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil), apontam para um prejuízo de R$ 6,1 milhões, só em janeiro deste ano, com atrasos com logística portuária.
Ao final do mês passado, havia um acumulado de 672 mil sacas de 60 quilos, ou pouco mais de 2 mil contêineres com cafés que não foram embarcados.
O resultado desse cenário é um paradoxo: os preços estão altos e a demanda segue firme, mas o volume de café disponível para negócios imediatos é reduzido. Ao mesmo tempo, países como a China começam a despontar na demanda pelo grão.
Simão Pedro de Lima acredita que hoje a relação entre preço e custo está favorável ao agricultor, mas que ele acaba não surfando plenamente nesta alta de preços.
“Boa parte da colheita não se vale dos preços atuais, pois produtores com quebra rolaram a entrega dos contratos para anos seguintes”, finaliza.