Os Estados Unidos seguirão o processo de descarbonização, independente do discurso do presidente Donald Trump para “perfurar e perfurar” em busca de combustíveis fósseis. E o etanol seguirá como parte fundamental desse processo de redução de emissões, na avaliação do presidente-executivo da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), Evandro Gussi.
Para o líder da entidade de produtores do biocombustível no Brasil, “o presidente dos Estados Unidos é a ponta de um iceberg” com várias camadas de competência, mas as principais decisões sobre a descarbonização da economia não são tomadas por ele.
“O presidente, até pela organização institucional, tem cinco ou seis competências. Atos são tomados pelos Estados e a Califórnia, por exemplo, seguirá comprando etanol do Brasil independente de Trump”, disse Gussi em evento realizado pela Unica em São Paulo nesta terça-feira, 28 de janeiro.
Na avaliação de Gussi, nem mesmo a ameaça de cortes de até US$ 300 bilhões em investimentos para infraestrutura verde naquele país freará aportes da iniciativa privada em operações dos Estados Unidos no setor.
“O grupo das 500 maiores empresas assinou o Acordo de Paris e seguirá com as metas de atingirem emissão zero”, afirmou ele ao comentar a ratificação, por Trump, da saída dos Estados Unidos do protocolo ambiental global.
As disputas entre Brasil e Estados Unidos no mercado de etanol são pela liderança global na produção do biocombustível - com os americanos na liderança e os brasileiros em segundo - e na questão tarifária. O etanol norte-americano paga 20% para entrar no Mercosul e há uma pressão dos produtores locais para que Trump force a redução dessa tarifa.
Para o presidente-executivo da Unica, além do fato de a tarifa ser imposta pelo bloco econômico, o combustível brasileiro tem maior redução de carbono do que o etanol norte-americano. Além disso, os Estados Unidos aplicam tarifas sobre o açúcar brasileiro, também produzido de cana.
“Temos uma contrapartida em relação ao açúcar, pois a tarifa lá é proibitiva para nossa exportação. Temos um país rico que fecha a barreira para o nosso açúcar. Não faz sentido mercadológico, social e ambiental reduzir a tarifa do etanol”, explicou Gussi.
Para Gussi, a missão de Trump de perfurar cada vez mais deve pressionar o preço do petróleo para baixo. Mas outras potências produtoras do combustível fóssil irão reagir até o mercado se regular.
De acordo com o executivo, a tendência do mercado de se descarbonizar abriu mercados produtores e consumidores para o etanol. Com o suporte do Brasil, a Índia, que divide com o País a liderança na produção de açúcar, criou um programa de mistura obrigatória de 15% de etanol à gasolina e já pensa em chegar aos 20% em 2026.
“A Índia está lançando 19 modelos de veículos flex-fuel e se consolida como um país consumidor de etanol. O Japão tem um processo para a mistura de 10% que deve gerar demanda de 4,5 bilhões de litros anual e chegará aos 20%”, afirmou o presidente da Unica.
Recorde
Dados divulgados pela Unica apontam que o Brasil teve a maior oferta de etanol da história em 2024, com 36,83 bilhões de litros, 4,4% acima do registrado em 2023. Do total fabricado em 2024, 7,7 bilhões de litros foram produzidos a partir do milho, o que representa um aumento de 32,8% em relação ao ano anterior e 29,1 bilhões de cana-de-açúcar.
Do total, 33,5 bilhões de litros foram destinados ao mercado interno de combustível. De etanol hidratado foram 21,6 bilhões de litros, 33% maior que os 16,2 bilhões de litros de 2023 e o restante de etanol anidro. O etanol representou 45,6% da energia consumida por veículos do ciclo Otto, ou seja, de veículos leves.
Ainda de acordo com a Unica, em 2024, a paridade de preços do etanol hidratado em relação à gasolina nos postos foi de 65,3%, a melhor competitividade registrada desde 2010. No último ano, o consumo de combustíveis no Brasil atingiu a marca de 59,3 bilhões de litros pela frota de veículos leves, com destaque para o aumento de 5,4 bilhões de litros no consumo de etanol hidratado no País.
Segundo cálculos da Unica, desde o lançamento dos veículos flex-fuel no Brasil, em 2003, mais de 710 milhões de toneladas de gás carbônico deixaram de ser emitidas, 48,6 milhões de toneladas somente no ano passado. A economia com o uso do etanol é estimada em R$ 130 bilhões desde 2003 e R$ 11 bilhões no ano passado.
A safra de cana-de-açúcar 2024/2025, de abril do ano passado a março deste ano, deve ser a segunda ou terceira maior da história e ficar em torno de 618 milhões de toneladas, atrás da safra 2023/2024, deu 654 milhões de toneladas de cana.
Com as chuvas abaixo da média histórica praticamente na safra inteira de cana, houve uma queda de 10,8% na produtividade até o momento e a produção de etanol, até a primeira quinzena de janeiro, caiu 1,8% no acumulado sobre igual período da safra passada. Já a produção de etanol de milho deve crescer 30% e responder por quase um quarto da produção total do biocombustível no Brasil.
O ano de 2024 também foi um marco para o setor com a aprovação e respectiva sanção de leis que refletem o novo momento do setor bioenergético brasileiro, entre elas o Combustível do Futuro e a reforma tributária. Entre as mudanças previstas no setor estão o aumento da mistura do etanol anidro à gasolina de até 27,5% para 30% em uma primeira etapa.
Segundo o diretor de Inteligência Setorial da Unica, Luciano Rodrigues, um estudo de viabilidade sobre o uso de 30% de etanol nos veículos antigos e novos está sendo elaborado pelo Instituto Mauá e um relatório técnico está previsto para o início de março.
“O aumento na mistura geraria uma demanda de 1,2 bilhão de litros de etanol por ano, o que corresponde ao crescimento da oferta de etanol de milho, ou seja, não teríamos problemas de suprir”, afirmou
Ainda segundo ele, a reforma tributária prevê padronização na tributação no mercado de combustíveis entre 2027 e 2032. Para Rodrigues, um tributo uniforme entre todos os estados deve tornar o mercado de etanol mais pulverizado do que é hoje. Dados do setor apontam que 85% do consumo do biocombustível está restrito aos estados produtores do Centro-Sul.
Vai de Etanol
Além dos números, a Unica apresentou hoje a nova etapa da campanha “Vai de etanol” para incentivar o uso do biocombustível.
A campanha publicitária aposta no apresentador e jornalista Tadeu Schmidt. Nas peças publicitárias ele conversa, por exemplo, sobre os benefícios do biocombustível sobre a gasolina.