O ano mal começou e o geógrafo e empresário Valmir Ortega, sócio das empresas Belterra Agroflorestal e Rio Capim Agrosilvipastoril, especializadas na transformação de áreas agrícolas, não para.

Antes de conversar com a reportagem do AgFeed, em Curitiba, sede da Belterra, prestes a embarcar para o Pará, onde está boa parte da operação da empresa, Ortega esteve reunido com uma gestora inglesa focada em impacto socioambiental em busca de novos recursos.

A Belterra implanta sistemas agroflorestais na Amazônia e nasceu, em 2020, já com um padrinho de peso: o Fundo Vale, veículo de investimentos sustentáveis da mineradora.

De lá para cá, a Belterra agregou empresas de grande porte como Natura, Cargill e Amazon, que firmaram contratos com a companhia nos últimos anos.

A pressa de Ortega se justifica pelo volume de recursos que a empresa necessita para fazer a transformação no campo em pouco espaço de tempo.

Sistemas agroflorestais integram culturas agrícolas com floresta, de forma que espécies como cacau, banana e mandioca convivem no mesmo ambiente de árvores frutíferas e madeireiras.

A adoção dessa prática é tida por pesquisadores como uma das principais formas de estocar carbono no solo e diminuir a pegada deixada pelas agricultura.

Hoje são pouco mais de 4 mil hectares de sistemas em implantação, pela Belterra, nos Estados de Pará, Mato Grosso, Minas Gerais, Bahia e Rondônia, mas a ambição é maior.

A empresa almeja chegar a 2030 com 50 mil hectares na fase de implantação. Só que esse processo exige bastante dinheiro.

Como o custo de instalação pode variar de R$ 35 mil a até R$ 100 mil por hectare, dependendo do mix de culturas dos sistemas agroflorestais, o valor total de implementação ultrapassaria a casa de R$ 1 bilhão, considerando toda a quantidade de hectares no pipeline.

Somente com a Natura, por exemplo, Ortega fechou um acordo de cooperação no ano passado para implantar 20 mil hectares de sistemas agroflorestais para a expansão das culturas de palma e de cacau no Pará, que vai exigir um investimento total de R$ 800 milhões até 2030.

Nos últimos anos, a Belterra foi ao mercado para captar recursos. Foi o caso de um CRA de R$ 17 milhões lançado no começo de 2023, em operação feita em conjunto com a ONG Consexus, o banco Santander, e a securitizadora Gaia, de João Paulo Pacífico; e de um Fiagro em parceria com a gestora JGP que segue em captação, com a expectativa de alcançar R$ 130 milhões.

Como a captação de recursos para financiamento da sociobioeconomia da Amazônia não é algo muito conhecido, nem trivial, no mercado, Ortega tem optado por outras estruturas de captação, a partir de SPEs, as Sociedade de Propósitos Específicos, em que empresas e investidores se unem para projetos fechados.

No caso da Belterra, os investidores entram nessas sociedades para financiar projetos de implantação de sistemas agroflorestais.

Ortega planeja fechar o ano de 2025 com mais duas SPEs e chegar a 2030 com seis sociedades do tipo, com o modelo de cada uma dessas sociedades variando conforme a estrutura de capital.

“Tem situações em que o investidor só entra com dívida: ele não é sócio, ele é um ofertante de dívida, e aí a Belterra é a dona da SPE. Em outras situações, os investidores entram com uma fatia maior do equity da SPE e a Belterra entra com uma fatia menor, mais como operador”, emenda.

A Belterra já tem duas SPEs, uma com o Fiagro da JGP, para financiar a implantação de 4 mil hectares; e outra com o fundo inglês Impact Earth, que investiu R$ 20 milhões utilizando um veículo de blended finance, o Fundo da Biodiversidade da Amazônia (ABF, na sigla em inglês), para botar de pé inicialmente 550 hectares, volume que será expandido com a entrada de novos investidores.

Ortega está conversando com investidores brasileiros, entre eles, o Fundo Clima, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e investidores estrangeiros, como fundos e bancos europeus e americanos, para a montagem das SPEs.

Em paralelo, a Belterra continua com a captação aberta no Fiagro que lançou em parceria com o Fundo Vale no começo de 2024, sob gestão da Régia Capital – criada pela JGP em parceria com o BB Asset, gestora de recursos do Banco do Brasil, para investimentos sustentáveis.

A ideia é chegar a um valor total de captação de R$ 130 milhões, segundo Ortega.

Na primeira oferta pública do Fiagro, que poderia alcançar até R$ 67,5 milhões, a Belterra conseguiu captar R$ 8,1 milhões com dois fundos de investimento, segundo informações disponibilizadas junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Até aqui, o Fiagro já desembolsou R$ 36 milhões, segundo Ortega. Além dos R$ 8,1 milhões, os demais R$ 28 milhões, do Fundo Vale, foram direcionados diretamente para a operação da Belterra e, posteriormente, convertidos ou vinculados a uma CPR (Cédula do Produto Rural), que foi cedida ao Fiagro.

“O Fiagro continua em operação. A gente já teve duas rodadas de investimento, duas rodadas de desembolso e tem mais tranches de desembolso ao longo de 2025 e 2026”, afirma.

Freio na Rio Capim

Enquanto acelera a busca de investimentos na empresa-mãe, Ortega preferiu pisar no freio em seu negócio secundário, a Rio Capim Agrossilvipastoril, um negócio que o empresário pensava em lançar desde que criou a Belterra.

A criação da Rio Capim se deu por uma razão “muito simples”, nas palavras do empresário: “90% dos imóveis da Amazônia e do Brasil tem pecuária e é na pecuária que nós temos o maior volume de área degradada, subutilizada, ou mal aproveitada”, afirma.

A Rio Capim promove a recuperação de pastagens degradadas das propriedades de pequenos e médios produtores da Amazônia a partir da adoção do sistema agrossilvipastoril, combinando a criação de gado com atividades agrícolas e o plantio de árvores.

A empresa compra, cria e fornece os bezerros para que os pequenos produtores façam a recria do gado, dá assistência técnica, ajuda o produtor a conseguir recursos para a reforma do pasto via Pronaf e, no fim do processo, divide os valores obtidos a partir do ganho de peso dos animais com o produtor.

“O pequeno produtor fica protegido de uma série de riscos, até porque o boi não é dele, é nosso. Se o gado tiver algum problema como algum risco sanitário ou alguma doenças, quem vai perder somos nós”, diz Ortega.

Com a mudança de sistema, o dono da Rio Capim promete uma multiplicação de ganhos em mais de vinte vezes, passando de valores médios entre R$ 100 a R$ 150 por hectare para R$ 2,5 mil e R$ 2,7 mil por hectare.

“É uma renda muito alta se a gente for imaginar que a soja, por exemplo, está rendendo hoje cerca de R$ 2 mil por hectare”, afirma.

Em maio do ano passado, Ortega ensaiou uma expansão ousada, ao anunciar que a Rio Capim pretendia lançar no mercado a emissão de dois CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio), em um valor total de R$ 100 milhões.

A ideia era fazer duas emissões de R$ 50 milhões, uma que se efetivaria ainda em 2024 e outra neste ano.

O Fundo JBS pela Amazônia, que reúne iniciativas da gigante de alimentos na região, inclusive já havia se comprometido a aportar R$ 10,2 milhões em uma das emissões de CRA da Rio Capim.

Os recursos serviriam para a empresa expandir a operação da Rio Capim, saindo de um piloto com 25 produtores-parceiros do Pará na época para 150 famílias em 2024 e mais 250 em 2025, totalizando cerca de 10 mil bezerros disponibilizados aos pecuaristas.

Mas a operação no mercado financeiro não saiu do papel. Ortega diz que, ao longo do segundo semestre de 2024, em conversas com investidores, percebeu a necessidade de adiar a emissão de CRAs.

“Começamos a ter conversas com potenciais investidores e entendemos que, para ir a mercado, a gente teria que estar mais maduro, e com a operação já validada, com uma maturidade maior. Ouvimos o recado do mercado e recuamos”, afirma.

A ideia é trabalhar com 20 produtores-parceiros ao longo deste ano, disponibilizando quase 2 mil bezerros aos pecuaristas.

Ortega projeta que o ano de 2025 sirva para validar o modelo de atuação da empresa, possibilitando uma nova tentativa de emissão dos CRAs à frente.

“Vamos fazer o acompanhamento dos resultados, dos impactos, dos efeitos, para de fato a gente ter algo bem robusto para o ano que vem voltar ao mercado.”