Jurgen Esser é diretor financeiro da Danone, multinacional francesa que está entre as maiores indústrias de alimentos do mundo, com receitas globais de 27,6 bilhões de euros (cerca de R$ 170 bilhões).

Assim, seus atos e declarações têm potencial para influenciar mercados e repercutir globalmente. Na quinta-feira, 24 de outubro, por exemplo, uma de suas falas foi reproduzida em reportagem da agência de notícias Reuters. E gerou efeitos que serão sentidos em longo prazo pela empresa no Brasil.

Esser afirmou, segundo a Reuters, que a companhia havia deixado de comprar soja brasileira por não ter garantias de que o produto atendia às suas exigências ambientais.

"Temos um rastreamento realmente muito completo, por isso garantimos que só levamos ingredientes sustentáveis ​​conosco”, justificou

Disse também que, no lugar da soja brasileira, a empresa agora estava importando a oleaginosa da Ásia, mas não deu mais detalhes sobre a mudança.

A declaração foi mau digerida pelo setor agropecuário brasileiro. E o ápice da indigestão ocorreu nesta terça-feira, com publicações indignadas nas redes sociais propondo até um boicote aos produtos da marca e até mesmo um posicionamento do governo federal criticando a empresa.

Com o clima azedo, a subsidiária da Danone também se manifestou. E, então, desmentiu o seu próprio dirigente. A companhia negou, em nota, que tivesse deixado de comprar soja do Brasil, mas o leite já estava derramado.

Pouco antes, o Ministério da Agricultura e Pecuária distribuiun um comunicado em que rechaçava"posturas intempestivas e descabidas como anunciadas por empresas europeias."

A Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), por sua vez, afirmou que a medida é "uma demonstração de desconhecimento ao processo produtivo no Brasil" e representa um "ato discriminatório" contra o País e sua soberania.

Nas redes sociais, também houve barulho, encabeçado pelo produtor rural e ex-ministro da Agricultura Antonio Cabrera, que chefiou a pasta durante o governo de Fernando Collor.

Em uma postagem na rede social LinkedIn, Cabrera escreveu que a decisão é "fruto de um marketing que denigre o principal produto da pauta de exportação brasileira" e que a companhia francesa fez "generalização extremamente perigosa, divulgando que não há uma única fazenda sustentável no Brasil."

"Ou o setor se posiciona de forma enérgica contra a Danone, ou estaremos nos sujeitando a uma enxurrada de outras empresas nessa linha populista”.

"Os últimos anos têm sido tempos que estão testando a paciência dos agricultores brasileiros. Mas a paciência acabou com esses ataques constantes ao Agro nacional. A verdade é que a Danone tomou uma decisão difamatória e terá que arcar com as consequências", continuou Cabrera.

A Danone chegou a responder o texto do ex-ministro no LinkedIn. “Podemos confirmar que as informações relatadas são imprecisas. A Danone continua comprometida em obter soja de fontes sustentáveis, incluindo o Brasil, em conformidade com as regulamentações locais e internacionais. A soja brasileira é um insumo essencial e continua a ser usada como ração para todas as fazendas leiteiras parceiras da empresa no Brasil”, afirmou a companhia.

O ex-ministro, então, rebateu: “Gostaríamos de ouvir esta declaração do CEO ou CFO Global. Obrigado.”

A postagem de Cabrera estava acompanhada de um imagem com um X vermelho sobre os produtos da companhia e os dizeres "Não aos produtos da Danone" e "Inimiga do agro brasileiro não merece o nosso dinheiro".

O texto e a imagem acabaram sendo reproduzidos também em perfis de outras redes sociais como a conta reserva do influenciador Pablo Marçal, ex-candidato a prefeito de São Paulo, no Instagram.

No Brasil, a Danone possui quatro unidades produtivas, sendo duas fábricas de águas, uma planta de produtos lácteos, e outra dedicada à linha Nutricia, de nutrição especializada. Ao todo, emprega 4,5 mil funcionários no País.

EUDR

Não é a primeira vez que uma multinacional de alimentos faz um anúncio do tipo.

Em 2019, a Nestlé, concorrente da Danone, deixou de comprar soja brasileira da Cargill, segundo relatado na época pelo The Wall Street Journal, após não conseguir rastrear completamente a produção das oleaginosas no País.

Agora, a movimentação da companhia francesa talvez tenha ganhado mais ruído por acontecer em meio às dificuldades de implementação da Lei Antidesmatamento da União Europeia, conhecida também pela sigla EUDR, que proíbe a importação de produtos como borracha, cacau, café, carne bovina, óleo de palma, soja e derivados de madeira com origem em áreas de desmatamento após dezembro de 2020.

Aprovada há dois anos, a medida entraria em vigor já no próximo 30 de dezembro e vinha sendo criticada por diversos países, inclusive o Brasil. Para quem descumprir as novas regras, a legislação prevê multas de pelo menos 4% incidentes na receita bruta dos entes que trouxerem produtos fora da conformidade.

Em setembro, o País chegou a publicar uma carta endereçada ao bloco europeu, assinada pelos ministros da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, e das Relações Exteriores, Mauro Vieira, pedindo o adiamento da lei.

Cada vez mais pressionada, até mesmo por integrantes do próprio bloco, a Comissão Europeia acabou cedendo no começo de outubro e pediu o adiamento da legislação por 12 meses. Ainda falta a aprovação do Parlamento.

No entanto, a julgar pelas notas publicadas, a guerra de versões sobre a legislação europeia não acabou.

Na nota divulgada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária, por exemplo, a pasta disse que “o Brasil considera as normas do EUDR arbitrárias, unilaterais e punitivas, tendo em vista que desconsideram particularidades dos países produtores e impõem exigências com impactos significativos sobre os custos e a participação de pequenos produtores no mercado europeu.”

Um ponto de discordância do Brasil está no fato de a legislação europeia não considerar a possibilidade de existência de desmatamento legal, mecanismo previsto pelo Código Florestal, que traz regras para a existência de áreas de reserva legal e de áreas de proteção permanente.

“O produtor rural precisa preservar de 20% a 80% de Reserva Legal e mais as Áreas de Preservação Permanentes (beira de rio, topo de morro e entorno de nascentes)”, afirma a Aprosoja.

“Isso significa que o produtor de soja brasileiro é o único no mundo que preserva o meio ambiente para o Brasil e para a humanidade, deixando de plantar na área preservada para isso. Ou seja, também é o único que está investindo do próprio bolso em preservação ambiental. Comparativamente, os produtores franceses não preservam quase nada”, emenda.

“Diante deste cenário, fica à pergunta: em que país a Danone vai encontrar a soja mais ambientalmente sustentável, com mais teor de óleo e proteína, ideal para produzir os rebanhos leiteiros com o melhor custo-benefício e produzida com as mais reconhecidas boas práticas agrícolas do que nas lavouras do Brasil?”, questiona a associação dos produtores.

A nota da Danone

No ano passado, a Danone, segundo informações da Reuters, informou ter utilizado 262 mil toneladas de produtos a base de soja para alimentar suas vacas e 53 mil toneladas de grãos para fabricar leite e iogurte feitos com o grão. No Brasil, a companhia obtém farelo de soja para ração animal.

No começo da tarde desta quarta-feira, a companhia enviou uma nota ao AgFeed, assinada pelo presidente da Danone Brasil, Tiago Santos, e pelo vice-presidente de assuntos jurídicos e corporativos da Danone Brasil, Camilo Wittica:

“A Danone está há mais de 50 anos no Brasil e investe anualmente em ações que priorizam o apoio e o desenvolvimento de grandes a pequenos produtores locais, incentivando práticas mais sustentáveis em todos os elos da nossa cadeia de fornecimento.

Podemos confirmar que a informação veiculada não procede. A Danone continua comprando soja brasileira em conformidade com as regulamentações locais e internacionais.

A soja brasileira é um insumo essencial na cadeia de fornecimento da companhia no Brasil e continua sendo utilizada, sendo a aquisição da maior parte desse volume intermediada pela Central de Compras da Danone, incluindo processos que verificam sua origem de áreas não desmatadas e rastreabilidade.”

Questionada pela reportagem se a fala do diretor financeiro da Danone relatada pela agência Reuters não procede, a assessoria de imprensa da companhia respondeu:

“A Danone Brasil compra soja brasileira. É o único país onde a Danone faz a compra direta do farelo de soja para ração animal em formato de Central de Compras.