Aguardada com expectativa pelo mercado, desde meados de 2023, a regulamentação específica dos Fiagros, Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustrias foi finalmente publicada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Em nota divulgada nesta segunda-feira, a CVM, responsável por regular o mercado de capitais no Brasil, diz que as novas regras buscam principalmente “facilitar o acesso do dinâmico e inovador agronegócio local aos recursos da poupança pública brasileira por meio de fundos de investimento”.

Também cita a intenção de prover padrões de conduta aos Fiagros, com mais transparência e governança, a fim de proteger os investidores.

A CVM esclareceu que os Fiagros que já estão em funcionamento “devem se adaptar à nova regulamentação até 30/9/2025, prazo que coincide com a conclusão da adaptação dos demais fundos de investimento à Resolução CVM 175”. A medida pretende facilitar a tarefa de adaptação para os agentes de mercado, segundo a autarquia.

Com a mudança anunciada, os Fiagros poderão operar como uma espécie de fundo multimercado do agronegócio, “tendo política de investimento que envolva a exposição a diferentes fatores de risco, sem o compromisso de concentração de investimentos em nenhum fator em específico”, diz a CVM.

A autarquia destaca que “nada impede que os Fiagros concentrem sua carteira em ativos típicos de outras categorias de fundos, desde que, naturalmente, suas políticas de investimento sejam voltadas ao agronegócio”.

No texto divulgado pela Comissão, Bruno Gomes, Superintendente de Securitização e Agronegócio (SSE) da CVM, diz que “a nova norma dos Fiagros permite ampliar a capacidade de investimentos desses veículos, sendo possível a aquisição, no mesmo fundo, de todos os ativos listados na Lei 8.668, tais como a operação com CPR física e financeira, exploração de imóveis rurais e aquisição de participações em sociedades da cadeia produtiva do agronegócio."

Até agora, os Fiagros vinham sendo regidos por uma regulação temporária, estabelecida em julho de 2021 e que levava em conta alguns mecanismos já adotados nos fundos imobiliários. Uma consulta pública para definir a regulamentação definitiva foi aberta no fim de outubro do ano passado.

Na época, em entrevista ao AgFeed, o superintendente de agronegócio da CVM, Bruno Gomes, disse que, com a nova regulamentação, o patrimônio dos Fiagros poderia alcançar R$ 200 bilhões em 2025.

No comunicado de hoje, a CVM destaca que desde julho de 2021 até a data da última informação disponível no Boletim CVM do Agronegócio, com a data-base de junho/24, o patrimônio líquido dos Fiagros alcançou cerca de R$ 37 bilhões, distribuídos entre 115 fundos, sendo que 12 fundos já possuem mais de 15 mil cotistas”.

Esse crescimento acelerado ocorreu sem que, até aqui, tenham sido identificados problemas incomuns no funcionamento da indústria, destacou o texto.

“Após os aprendizados da regra experimental, a CVM entrega, agora, a Resolução CVM 214, uma regra completa e moderna para os Fiagros. Editamos uma norma dinâmica, com foco na transparência e em padrões de conduta, reforçando o compromisso da CVM em tornar o Mercado de Capitais cada vez mais propício para ofertantes e investidores do agronegócio, em reconhecimento à relevância deste segmento para o nosso país. Lugar do agronegócio é, definitivamente, no mercado de capitais”, afirmou João Pedro Nascimento, Presidente da CVM.

Mercado de carbono

Segundo a CVM, com a nova regulamentação será permitido aos Fiagros participarem do mercado de carbono.

“Apesar disso, é importante considerar que, por ora, esse mercado no Brasil ainda possui riscos extramercado, de modo a regulamentação impõe requisitos adicionais de governança à operação, destinadas à proteção dos cotistas dos Fiagros, mais relacionadas ao controle da existência, integridade e titularidade dos créditos de carbono do agronegócio”, ponderou o comunicado.

A CVM também informou que, considerando que a produção de etanol é uma atividade do agronegócio, será permitido aos Fiagros adquirirem créditos de descarbonização, o CBIO, produto negociado em mercado de balcão organizado.

"A originação de créditos de carbono e CBIO por ativos investidos pelos FIAGRO, que não se confunde com a aquisição desses ativos pelo fundo, tem potencial para se tornar uma interessante fonte de rendimentos para os investidores dos Fiagros que participem desse mercado”, afirmou Claudio Maes, Gerente de Desenvolvimento de Normas da CVM, no texto divulgado pela autarquia.

Novas regras animam especialistas

Uma das principais mudanças esperadas – e agora confirmada – na regra da CVM é a criação de uma espécie de “fiagro multimercado”, com a permissão para integrar diferentes ativos nos fundos.

Rafael Gaspar, sócio da área de agronegócios do Pinheiro Neto Advogados, destacou que “a norma é boa, algo que o setor estava esperando faz muito tempo”.

O especialista elogiou a decisão da CVM de divulgar regras que reforçam a importância do agronegócio no País, mesmo em um período de adversidades, como as frequentes críticas sofridas pelo setor no tema ambiental.

Neste aspecto, o destaque foi a chance de incluir nos fundos os créditos de carbono que estão atrelados ao agronegócio. “E foi flexibilizada em relação a minuta inicial, antes falava que só poderia ser créditos já negociados no mercado compulsório, por exemplo. Agora está claro que é só crédito do agronegócio e é possível incluir até mesmo créditos negociados lá fora”, explicou Gaspar.

Ele também considerou positivos os prazos estabelecidos pela CVM para os fundos se adaptem à nova regulamentação.

Na prática, a partir de março do ano que vem deixarão de existir as três modalidades atuais de Fiagros – FIDC (direitos creditórios) FII (imobiliários) e FIP (participações) – para que seja adotada uma só regulamentação, esta apelidada de “multimercado”.

Caso um Fiagro tenha, por exemplo, mais de 50% dos ativos ligados ao imobiliário, ainda valerão as regras relacionados à este universo. “Mas se houver conflito, a CVM deixou claro que prevalecerá a norma do Fiagro, isso é muito importante”, ressaltou o sócio do Pinheiro Neto.

No ano passado o mercado mostrava preocupação com uma regra que estabelecia no máximo um terço de determinado grupo de ativos, o que acabou sendo modificado na regra agora publicada. É possível, por exemplo, manter 49% de direitos creditórios e 2% de participações, por exemplo.

“Nenhum outro fundo é tão diverso, isso é muito bom”, afirmou Gaspar.

Outra novidade foi considerada positiva pelo especialista. Antes só se considerava imóveis localizados em zonas rurais, agora é possível incluir imóveis de zona urbana, desde que estejam relacionados ao setor, é o caso das estruturas das agroindústrias, por exemplo.

Para Renato Buranello, da VBSO Advogados, o principal destaque é o fim desta necessidade de se concentrar os investimentos em determinados tipos de ativos (com o “multimercado”).

“Esta medida confere maior flexibilidade aos veículos de investimento, o que tende a fomentar ainda mais o investimento e financiamento no agronegócio via mercado de capitais”, afirmou.

Octaciano Neto, especialista no tema e ex-diretor de agronegócios da Suno, também se mostrou otimista ao afirmar que “a CVM dá um passo decisivo pra transformar o mercado de capitais no principal financiador do agronegócio brasileiro nos próximos anos, sobretudo nas operações de investimento de longo prazo”.

Na visão de Octaciano, que participou ativamente da largada dos Fiagros no mercado brasileiro, “a nova resolução simplifica, democratiza, amplia a transparência e garantirá aos recursos para o setor”. Ele destacou o trabalho que a Frente Parlamentar da Agropecuária fez a favor da criação destas novas ferramentas. “A FPA e a CVM seguem fazendo história”, disse

A dúvida no setor é se a nova regulamentação poderá ajudar a amenizar os percalços do atual momento econômico, com aumento de recuperações judiciais, que tem causado desvalorização nos Fiagros.

Rafael Gaspar, do Pinheiro Neto, acredita que um caminho é aproveitar a regulamentação para criar fundos que incluam os “direitos creditórios estressados”.  Na visão do escritório, trata-se de um problema cíclico do agro e empresas teriam melhores resultados se optassem pelo mercado de capitais antes de optar pelas RJs.

Na opinião de Lucas Peres, sócio do FreitasLeite Advogados, a decisão da CVM de não restringir a um terço e sim a 50% mais 1 do patrimônio líquido a categoria de ativos foi um reconhecimento de que não seria possível ou conveniente ter vários anexos normativos regendo um mesmo fundo. Peres faz parte de um grupo da FGV que apresentou sugestões à CVM durante o período de consulta pública.

O advogado destacou também uma maior flexibilidade e adequação a características específicas do agronegócio. “No Fiagro o gestor pode colocar um prazo mais longo de alocação de carteira, por exemplo, desde que justifique por conta da cadeia produtiva que ele quer atender”, disse.

Embora não veja uma influência direta da nova regulamentação no atual momento desafiador de alguns fundos, Peres acredita que ter produtos mais adequados às particularidades do segmento, que precisa encaixar chamadas de capital com ciclos de safra e safrinha, por exemplo, pode ser um ponto benéfico para que a indústria dos Fiagros siga avançando.