Com metas de redução nas emissões de carbono e desafios cada vez maiores para rastrear e comprovar a origem dos alimentos, mais uma gigante do agronegócio, a ADM (Archer Daniels Midland), apresenta o seu projeto de agricultura regenerativa para o Brasil.

O plano começa com um projeto piloto de 20 mil hectares já nesta safra de soja 2023/2024, envolvendo 10 produtores rurais em Minas Gerais e outros 10 em Mato Grosso do Sul.

“Desenhamos um programa que tenha esse cuidado com o meio ambiente, mas que ofereça uma entrega para o agricultor”, explicou Luciano Souza, diretor de grãos América do Sul da ADM, em conversa com o AgFeed.

“Queremos ajudar a melhorar o perfil de solo nas propriedades, entregar produtividade e otimizar o uso de insumos combinando os tradicionais com biológicos, por exemplo”.

O foco principal é oferecer assistência técnica para que as práticas de sustentabilidade já adotadas sejam aperfeiçoadas ou novas venham a ser inseridas na produção.

Entre os pilares do projeto estão temas como plantio direto, cobertura de solo, rotação de culturas, uso combinado de biológicos, fixação de nitrogênio no solo, recuperação de áreas degradadas e consórcio lavoura e pecuária.

O gerente responsável por negócios de carbono da ADM, André Germanos, que também falou com o AgFeed, disse que, nas reuniões feitas com os produtores rurais, a empresa percebeu que tinha muito valor para eles ter o reconhecimento das práticas sustentáveis que hoje já estão presentes na maioria das fazendas.

“Com essa assistência vamos conseguir registrar, demonstrar e comprovar que aquele produto é sustentável, de baixo carbono e regenerativo”, afirmou Germanos.

Para operacionalizar a rotina de visitas, treinamentos, dias de campo e mensurações de carbono nas propriedades, a ADM contratou a Bayer, que atuará no projeto piloto, inicialmente.

“Outras empresas vão nos apoiar nos outros pilotos das outras regiões, que ainda faremos. Nesta primeira etapa começamos com a Bayer, que já era parceira, em função de um cuidado extremo, na fase inicial”, explicou Luciano Souza.

O diretor de grãos da ADM prevê que, no prazo de dois anos, o projeto de agricultura regenerativa já contemple 200 mil hectares no Brasil. “Chegar a 1 milhão de hectares, no médio prazo, também acreditamos que é muito factível”, destacou.

Serão feitas análises das emissões das fazendas e dos talhões que fazem parte do projeto, utilizando a calculadora de carbono desenvolvida pela Embrapa.

“Ao todo 49 itens serão acompanhados, vamos sugerir refinamentos e aprimoramentos. A agricultura brasileira é a mais sustentável do mundo, mas há espaço para melhorar”, disse Germanos.

Pagamento de prêmio depende de parcerias

A pergunta que os executivos das tradings mais ouvem é “quando o produtor será recompensado financeiramente pela adoção de práticas diferenciadas de sustentabilidade?”.

Para esta safra, a ADM ainda não vai oferecer um valor diferenciado na compra da produção das lavouras do projeto piloto, admitiram os executivos, “mas o nosso compromisso é buscar essa valorização”.

A expectativa tanto de Souza, quanto de Germanos, é de que na safra 2024/2025 já seja possível oferecer um diferencial de preço aos produtores envolvidos.

O projeto de agricultura renegerativa já existe na ADM global, com foco principalmente nos Estados Unidos e Europa. Em comunicado feito pela empresa em julho deste ano foi divulgada a meta de dobrar a área coberta no ano passado, na América do Norte, chegando a cerca de 2 milhões de acres ou 810 mil hectares, em 2023. O plano seria chegar em 4 milhões de acres (1,6 milhão de hectares) em 2025.

Para isso, a ADM informou na época estar pagando US$ 25 por acre ao ano aos produtores beneficiados pelo projeto.

Perguntado sobre o motivo de não replicar o mesmo tipo de pagamento no Brasil, o gerente de carbono André Germanos, disse que nos Estados Unidos “há um apoio sólido do governo norte-americano, em dinheiro, e muitos dos prêmios vêm desta participação”.

Já o programa brasileiro seria 100% financiado pela ADM, que não divulga o valor total que está sendo investindo. “É possível dizer que o investimento é bastante superior a uma margem comercial, porque nós acreditamos nisso, sabemos que a indústria vai valorizar e que o projeto vai se multiplicar rapidamente. Por isso estamos com bastante otimismo”, disse o diretor de grãos.

Recentemente, a ADM participou junto com outras tradings, além da Abiove, de uma reunião com o governo federal. Um dos assuntos foi o programa que deve ser anunciado em breve pelo governo para a transformar 40 milhões de hectares de pastagens degradadas em áreas produtivas, especialmente grãos. Sobre a possibilidade de participar do projeto, Luciano Souza disse: "estamos atentos ao lançamento deste programa para apoiarmos na implementação e multiplicação".

A estratégia da empresa para ter mais recursos e viabilizar a bonificação é buscar mais parcerias privadas, principalmente junto aos seus clientes finais, as grandes indústrias de alimentos, que também possuem metas globais em relação às mudanças climáticas.

Luciano Souza disse que as conversas sobre uma possível parceria com a PepsiCo, por exemplo, estão em andamento. “Eles nos colocaram uma demanda e estamos evoluindo bem. O que estamos fazendo é conectar as melhores práticas das fazendas com a indústria alimentícia”.

A maneira de obter a remuneração é o acesso do mercado de carbono chamado “insetting”, quando empresas podem comprovar que estão contribuindo para reduzir emissões dentro das cadeias em que atuam, uma estratégia que também já foi mencionada recentemente pela Cargill para buscar apoio financeiro a seus projetos de restauração de áreas degradadas, como mostrou o AgFeed.

Ao costurar a estratégia em conjunto, a ADM espera conseguir demonstrar, com documentação e rastreabilidade, que a pegada de carbono nas áreas do projeto é menor se comparada “ao produto padrão”. Desta forma, espera receber o “prêmio” ao vender para a indústria alimentícia e assim “repassar ao produtor” o benefício financeiro.

Inicialmente o projeto está contratado para 20 mil hectares, por dois anos, com foco na soja. Porém, segundo Germanos, é possível que seja estendido para o milho segunda safra.

Outra aposta é estabelecer parcerias com empresas de insumos e até com agentes financeiros, que possam agregar benefícios ao projeto, mas os acordos ainda não foram fechados.