Numa conversa com a equipe, há nove anos, o banqueiro e empresário Aloysio Faria, criador de instituições como os bancos Real e Alfa e dono de grandes empresas, entre elas o grupo Transamérica, revelou uma vontade ainda não realizada: promover um encontro das mulheres da agropecuária brasileira.

Quem foi chamado por Faria neste dia, para receber a missão – "perto do Natal de 2014”, como faz questão de lembrar – foi o atual diretor geral do Transamérica Expo Center, Alexandre Marcílio.

"Seu Aloysio me disse para fazer um evento que reunisse as mulheres e trouxesse conteúdo e conhecimento, principalmente para as sucessoras, as herdeiras, mas também para todo o ecossistema, como estudantes de agronomia e veterinária, dentro e fora da porteira", contou Marcílio, em entrevista ao AgFeed.

Faria faleceu em 2020 por causas naturais, em sua fazenda, no interior de São Paulo. Assistiu em vida à transformação de seu sonho em realidade. E, por que não, em mais um bem-sucedido empreendimento. Em 2016 foi realizado o primeiro Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio, hoje um fenômeno de público, engajamento e receita dentro do setor.

O banqueiro só teve filhas mulheres, hoje cinco empresárias que acompanham de perto os negócios do grupo. As herdeiras podem ter sido a inspiração para a criação do congresso, mas Alexandre Marcílio conta que Aloysio também lia muito e sabia da existência de pequenos eventos técnicos para mulheres da agropecuária, nos Estados Unidos.

Uma das empresas de Faria, na época, era a Agropalma, no Pará, que industrializa a palma para vender o óleo, principalmente no mercado internacional, além de, por um tempo, também ter produzido biodiesel. A APAR Holding, dona da Agropalma e do Transamérica, também tem fazendas até hoje.

Em busca de referências para criar o evento das mulheres do agro, Marcílio conversou com o então CEO da Agropalma, Marcello Brito, executivo que fazia parte da diretoria da Abag, Associação Brasileira de Agronegócio.

Brito – hoje coordenador técnico do Centro Global Agroambiental e da Academia Global do Agronegócio na Fundação Dom Cabral, além de colunista do AgFeed – apresentou o time do Transamérica à entidade representativa do setor e assim, juntos, organizaram a primeira edição do congresso.

"Planejamos um evento para 300 pessoas, mas o interesse foi muito grande”, lembra Marcílio. “Começamos a receber uma grande procura faltando três meses para o congresso e fomos obrigados a ampliar a capacidade, para 600 pessoas”.

O que nem eles sabiam é que, a partir dali, o evento cresceria exponencialmente, virando parada obrigatória no calendário do agro, tanto para as produtoras e produtores rurais (sim, homens podem comparecer, mas são minoria), quanto para as empresas que são patrocinadoras, expositoras ou participam como painelistas.

Nesta quarta-feira, 25 de outubro, nada menos do que 3,3 mil mulheres estarão no Transamerica Expo Center, na capital paulista, para participar, durante dois dias, da oitava edição do CNMA – sigla pela qual ficou conhecido o Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio.

Se contabilizados convidados especiais e imprensa, o público deve superar 3,8 mil pessoas. E poderia ter sido mais. É que, faltando uma semana para o congresso, os organizadores esgotaram as vendas de ingresso e “seguraram” a demanda que permanecia para manter o bom funcionamento do que foi planejado.

O tema este ano é "Dobrar o Agro de tamanho com sustentabilidade: A Marca Brasileira”. Há três arenas e um Hub Técnico, além da plenária principal, onde serão debatidos tópicos como sustentabilidade, tecnologia, gestão, bem-estar animal, bioenergia, entre outros.

Números que impressionam

O Transamérica não revela qual a receita nem qual é o lucro do CNMA. Mas alguns números dão as pistas.

"Se compararmos a receita da primeira edição com esta, que estamos alcançando em 2023, o aumento foi de 1.800%”, afirma Alexandre Marcílio, ao ser questionado pelo AgFeed. Ele admite que, no primeiro ano, a receita gerada pelos 15 patrocinadores empatou com o custo, com investimentos pequenos, mas ainda era uma "aposta” para todos os envolvidos.

Com o sucesso do primeiro, já em 2017 o número de empresas patrocinadoras dobrou e o público subiu de 600 para 1 mil participantes.

Os saltos prosseguiram em 2018 e 2019, quando 1,9 mil mulheres participaram, vindas de 25 estados, e 50 empresas patrocinaram o evento.

Mas aí veio a pandemia, que obrigou os organizadores a fazer o congresso totalmente online em 2020 e 2021. O número de congressistas que assistiram remotamente os conteúdos ficou em cerca de 2,5 mil mulheres.

"O que foi legal é que os patrocinadores ficaram conosco neste período em que o evento foi só digital. Claro que o ticket era menor, o investimento foi diferente do físico, mas todos ficaram e, apesar de ter sido um desafio, o evento foi muito bem”, ressalta o diretor do Transamérica.

A consolidação do evento ocorreu no ano passado, quando o CNMA voltou a ser realizado presencialmente. Foram 2,5 mil congressistas que vieram a São Paulo e, novamente, 50 patrocinadores.

Na edição de 2023 são 55 patrocinadores que contemplam as maiores empresas do agronegócio. Algumas montam estandes com grandes estruturas e com atrações e programações diferenciadas.

Quem percorre o evento, atualmente, fica impressionado. Começando pela área ocupada, já que eram 2,5 mil metros quadrados em 2016 e hoje são 16 mil metros quadrados.

O espaço é tão amplo porque contempla uma plenária enorme, palcos, arenas, além de estandes no modelo das grandes feiras de negócios realizadas em São Paulo.

Os atrativos são os mais diversos, com fundos iluminados e coloridos, que geram aquela enxurrada de "selfies" e fotos de pequenos grupos de mulheres, à medida que expositores concorrem para mostrar quem tem o melhor cenário.

Sente-se no ar uma energia diferente de outros eventos. Mais participativas e vibrantes, as mulheres são mais ativas nos painéis e em outras ações, buscando e compartilhando mais o conhecimento.

Segredo do sucesso

O desafio é entender como foi possível essa “façanha" de reunir tantas mulheres do agro, mesmo de segmentos diferentes. Afinal, lá estão desde pequenas cafeicultoras até cooperadas de grãos do Sul, grandes pecuaristas do Centro-Oeste e assim por diante.

Muitas vezes o agro tem dificuldade realizar eventos que conectem as diferentes cadeias. As feiras acabam se especializando em máquinas ou pecuária, ou pelas regiões.

"Eu acho que foi uma soma de fatores, que envolve muitos detalhes na organização, por exemplo. Mas sempre me lembro da primeira edição, quando saiu do congresso um manifesto, encaminhado ao Ministério da Agricultura, que pedia mais 'voz’ às mulheres do agro. Talvez fosse algo que estivesse represado”, destaca Alexandre Marcílio.

O executivo lembra que a mobilização das mulheres que ali encontraram fez a diferença. Elas se diziam pouco valorizadas, reféns de uma visão muito forte de que o agro “era feito por homens”, o que não era verdade.

A partir do CNMA, estima-se que tenham sido criados pelo menos 50 grupos ou núcleos de mulheres, divididos por regiões ou por atividades afins, acabou sendo um impulso para esta organização do público feminino.

"E o evento até hoje é organizado com esta característica feminina baseada em cuidar de cada detalhe, com tudo muito planejado e pensado, diferente de alguns eventos mais rústicos que às vezes se via no interior”, afirma o diretor do Transamérica.

Ele destaca também como diferencial os conteúdos que foram sendo ampliados, desde o começo sob a curadoria do jornalista José Luís Tejon, considerando uma referência no agro brasileiro, que procura trazer nomes e temas importantes para os painéis.

"Os patrocinadores também investiram, apresentam programação específica, foi criado inclusive o Prêmio Mulheres do Agro pela Bayer e pela Abag, por exemplo", acrescenta.

Marcílio conta que durante a pandemia foi a criada a figura de uma “embaixadora” do CNMA, algo que surgiu de forma natural, em função engajamento da produtora rural Sônia Bonato, uma entusiasta do congresso desde o começo.

"Acabamos ampliando, a partir de 2022, e além da Sônia há mais quatro embaixadoras, uma para cada região do Brasil, que têm metas de engajamento, nos ajudam a divulgar o congresso”, diz.

Este ano são as mesmas embaixadoras da edição anterior, mas segundo Marcílio, a partir de agora, sempre haverá três novas, mantendo apenas as duas que mais se destacarem.

Outra novidade para 2024, que o executivo antecipou ao AgFeed, será a criação de um prêmio. "A ideia será valorizar pessoas não apenas do agro, com votação popular, mas os detalhes vou contar no segundo dia do evento deste ano".

Como negócio, o Transamérica espera continuar ampliando entre 10% e 20% o número de participantes no CNMA, ano a ano. O evento foi o primeiro “proprietário" do grupo. Atualmente há também um outro chamado SER (Saúdo Emocional Ressignificada), para líderes de diferentes níveis.