Os empreendedores Claudio Fernandes e Marcio Campos têm ido regularmente ao nordeste de Goiás em busca de terras. Eles seguem as coordenadas de um software que desenvolveram para encontrar boas propriedades rurais para investimento.
O que os difere de outros investidores é o tipo de fazenda em que estão dispostos a colocar seu dinheiro. Não querem lavouras nem pastagens. Querem mato.
“Queremos o mato que é agro”, resume Fernandes, sem deixar de dar o crédito para a expressão, cunhada pelo português Nuno Verças, ex-presidente do Banco Cetelem e da área de investimentos do BNP Paribas no Brasil e investidor de primeira hora na Bio2Me, empresa que Fernandes e Campos apresentam nesta quinta-feira, 10 de agosto, ao mercado.
“Essa é a riqueza do Brasil, as coisas que saem do mato e se tornam mundiais, como o caju, o pequi, o baru”, reforça Verças, hoje baseado em São Paulo, de onde comanda uma empresa de energia fotovoltaica e administra recursos de investidores e family offices.
O objetivo do encontro dessa quinta é prospectar e entender a aceitação de um grupo de convidados para, em seguida, abrir uma primeira rodada de captação para o “Search fund”, como estão chamando o veículo que a empresa pretende criar.
Os recursos captados servirão para bancar a aquisição de fazendas com grande quantidade de bioativos – ou seja, matas nativas de onde possam explorar recursos naturais, além da valorização imobiliária, créditos de carbono, ecoturismo e até o “arrendamento de reserva legal”.
O primeiro objetivo, de acordo com Marcio Campos, é levantar algo em torno de R$ 15 milhões e R$ 20 milhões e, como eles, arrematar cerca de 3 mil hectares. Três propriedades já estão no centro do alvo, com negociações iniciadas.
A Bio2Me será apresentada agora, mas foi constituída há um ano e meio. Engenheiro com formação e atuação em Tecnologia da Informação, Fernandes passou a olhar para o agro após herdar uma fazenda no município de Luziânia, no Distrito Federal.
“A área era 80% preservada e 20% degradada”, conta. Sem saber o que fazer ali, ele descobriu que tinha recebido uma central de custos, com impostos (que são mais altos em áreas sem culturas) e para a própria conservação da área.
Ao buscar uma alternativa econômica para a propriedade, passou em pensar na exploração dos bioativos presentes ali. E despertou para um potencial ainda pouco visível: a biodiversidade encontrada ali.
Fernandes mergulhou no tema, ao mesmo tempo em que passou a vislumbrar como conectá-lo ao seu mundo da tecnologia. Começou a desenvolver, então, uma ferramenta que pudesse ajudar a catalogar essa biodiversidade e, posteriormente, estruturar uma cadeia de valor a partir dela.
A solução encontrada foi a criação de uma rede neural capaz de identificar as árvores presentes em uma área a partir de imagens feitas com drone. Conhecendo a fitofisionomia da região, ele foi a campo.
A Bio2Me foi resultado desse trabalho. Com o primo e sócio Marcio Campos, desenvolveram um modelo de gestão de áreas de reserva legal, com a exploração de bioativos como o baru, a fava d’anta e o pequi, nativos da região e identificáveis pelo seu sistema.
“Nossa proposta é monetizar a floresta em pé”, afirma Campos. “O que para muitos produtores hoje é um problema, para nós e a essência do negócio”, diz Fernandes.
Diversificação
Os sócios perceberam, então, que poderiam evoluir para um projeto de aquisição de áreas próprias em regiões de pouca atividade agrícola, onde as terras têm baixo custo e o índice de preservação é maior.
O Nordeste de Goiás, com hectares em torno de R$ 5 mil, foi escolhido justamente por conta disso. “Os preços da terra lá não se comparam com os de áreas onde se cultiva soja, por exemplo”, diz Campos.
O viés imobiliário foi incorporado ao plano de negócios a partir da visão de Vicente Parente, outro investidor da empresa. “A solidez do agro representa uma âncora, um porto seguro”, diz Parente, com mais de 30 anos de experiência no mercado de real estate no Rio de Janeiro.
A valorização das terras – que, segundo estudo feitos pelos sócios, chegou a 100% na região nos últimos cinco anos -- passou, então, a ser vista como a âncora do negócio, garantindo a rentabilidade aos investimentos, independentemente do resultado das outras possíveis frentes. Que não são poucas, diga-se.
Nas incontáveis visitas à região, Fernandes e Campos montaram uma rede de contatos que lhes permitiu encontrar as áreas certas, levantar o drone e avaliar, com o sistema próprio, o potencial de cada uma.
Além disso, os contatos locais ajudavam a entender a situação fundiária das propriedades. No total, os sócios da Bio2Me mapearam 20 mil hectares.
“Açaí do Cerrado”
E serão as comunidades da região também as envolvidas no coleta e no processamento do baru, espécie de castanha do Cerrado que será o primeiro produto extraído e comercializado pelo grupo.
Outros nove bioativos já foram analisados pela empresa. A opção pelo baru se deu pelo fato de já haver um mercado internacional – embora ainda pequeno – e oferta abundante na região.
O investimento para colher é baixo, já que a castanha cai da árvore e pode ser coletado do chão, dispensando equipamentos e maquinário.
“O que já tem dentro das propriedades que queremos adquirir proporciona receita quase que imediata”, afirma Campos.
A Bio2Me já começou a estruturar até uma unidade de beneficiamento na cidade de Vila Boa, de 7 mil habitantes. E deve começar a comprar produto de outras propriedades, para garantir o fornecimento assim que a indústria ganhar tração, com capacidade para produzir de 30 a 40 toneladas de castanha por ano.
“Segundo um estudo da Embrapa Cerrado, o baru vai ser para o bioma o que o açaí foi pra Amazônia”, diz Campos. Rico em nutrientes, além da castanha, pode ser usado como matéria prima para a produção de farelo para nutrição animal, destilado, açúcar e até etanol.
Atualmente, o mercado global não passa de US$ 4 milhões. “Em dez anos, pode ser mais de bilhão”, diz Nuno Verças, para quem, no mercado europeu, por exemplo, a castanha pode ser posicionada como um produto de luxo, “à prova de crise”.
“Reserva legal as a service”
Se o retorno imobiliário e com os produtos nativos não forem suficientes para atrair novos parceiros, os sócios e investidores iniciais da Bio2Me trazem novos trunfos no discurso.
Um deles é a possibilidade de rentabilizar as terras também através do “arrendamento” de partes de suas propriedades para produtores que necessitam de mais áreas de reserva legal para cumprir suas obrigações com o Código Florestal Brasileiro.
Dependendo da região em que está a fazenda, essa obrigação pode variar entre 20% e 80% da área da propriedade, mas existe a possibilidade de incluir na declaração reservas que estejam em diferentes locais.
Provenientes da área de tecnologia, os sócios até criaram uma expressão adaptada do mundo dos softwares para batizar esse potencial negócio: “reserva legal as a service”. “Já temos tido consultas sobre essa possibilidade, que nos geraria uma receita adicional, sem que precisássemos investir na área”, diz campos.
Ecoturismo e o mercado de carbono também fazem parte do cardápio, embora sejam projetos de mais longo prazo.
Nuno Verças acredita que o negócio, que será oferecido a investidores mais qualificados, pode atrair inicialmente investidores mais habituados com o ambiente rural, como family offices que já atuam no segmento. Alguns deles poderiam, inclusive, entrar no negócio com suas propriedades.
E com visão de longo prazo. Como parte do investimento será na recuperação de áreas e no plantio de novas árvores nativas, há um tempo de maturação do negócio. Segundo Campos, o potencial de rentabilidade chegaria a 20 a 30% ao ano, em um projeto de 25 anos. “Não é para qualquer investidor”, diz.
A meta da Bio2Me é ter, em cinco anos, cerca de 300 mil hectares em gestão no Cerrado. Então, já começando a expandir o olhar para áreas de Cerrado no Tocantins, Maranhão e Piauí.
“Estamos oferecendo uma outra face do agro, um lado menos conhecido”, diz Verças. “Enquanto ativos mais tradicionais, como a produção de grãos, representam lado mais badalado, nós queremos abordar uma vertente complementar que é a preservação da floresta de pé e a conservação dos biomas, sem esquecer da rentabilidade”.